Senadores das comissões de Assuntos Econômicos e de Infraestrutura ouviram ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, em defesa de entrega da empresa, e junto com ela, da soberania nacional
por Eduardo Maretti, da RBA
São Paulo – As comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Infraestrutura (CI) do Senado se reuniram hoje (26) conjuntamente para ouvir o ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, sobre o projeto de privatização da Eletrobras, considerada pela oposição e por analistas de diversos setores como uma grave ameaça à soberania nacional. O governo calcula que pode privatizar a empresa por cerca de R$ 20 bilhões.
A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) classificou de “barbaridades” os argumentos do ministro para defender a privatização. “Ele falou que a privatização é sinônimo de eficiência. Não é verdade. A privatização só tem piorado a situação dos segmentos privatizados”, disse.
“Não melhora os serviços. A privatização do sistema elétrico brasileiro significa abrir mão da possibilidade do Estado planejar o nosso desenvolvimento.” Ao lado de trabalhadores do setor elétrico, a senadora amazonense denunciou a “entrega de um patrimônio que é do povo brasileiro de mão beijada, pelo preço irrisório de 20 bilhões, quando vale mais de 400 bilhões de reais”.
Durante a reunião conjunta das comissões, o senador Jorge Viana (PT-AC) dirigiu-se ao ministro de Michel Temer para questionar a proposta do governo e o preço, que só interessa ao mercado. “Sabe quanto valia a Eletrobras em 2010, ministro? Quase R$ 500 bilhões. São números do mercado”, afirmou. “O mercado dizia que era a pior empresa do mundo e, na hora em que o senhor deu um sinal de que poderia privatizar, o mercado aumentou as ações em 50% num dia.”
Ele lembrou que foram investidos na Eletrobras R$ 400 bilhões. “Vender por R$ 20 bilhões é um bom negócio para o pessoal do mercado, para o pessoal do Meirelles.” Segundo o senador, durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva a empresa deu lucro de R$ 2 bilhões por ano, em média.
O petista citou exemplos de países como Canadá, França e Estados Unidos, que mantêm controle estatal sobre o setor, por ser absolutamente estratégico. O ministro defendeu a possibilidade de empresas internacionais comprarem e negou prejuízo ao Brasil. “Jamais proporia algo contra o interesse nacional.” Segundo ele, a ideia do governo é criar “um legado para o futuro, que possa garantir o patrimônio da União e a geração de emprego”. Ele ainda prometeu “provar que o processo vai trazer ganho para os consumidores”.
Bezerra Coelho Filho argumentou que não é “correto ter uma empresa que tenha diretores e presidentes recebendo mais do que um senador e um deputado”, e foi rebatido por Renan Calheiros (PMDB-AL). “É um outro problema. Isso não pode justificar um programa de privatização dessa envergadura. Não pode justificar a privatização de um sistema desse”, disparou Renan.
Soberania
A privatização da Eletrobras causa enorme preocupação nos meios progressistas e preocupados com a soberania nacional. A companhia é responsável pela geração de 30% da eletricidade do país e pela distribuição para regiões que não dão lucro. Por isso, os parlamentares do norte brasileiro estão preocupados. Pará, Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia sofrerão mais do que estados de outras regiões.
“Programas essenciais, como o Luz para Todos, deixarão de ser cumpridos. A função da Eletrobras não é só levar energia a quem tem dinheiro para pagar, é levar energia a quem não tem dinheiro e vive nos rincões mais distantes”, resumiu Vanessa Grazziotin. Junto com Jorge Viana, a senadora foi autora do requerimento pedindo a realização da reunião de hoje no Senado.
Segundo a própria Eletrobras, sua capacidade instalada é de 47 mil megawatts (MW), com previsão de chegar a 49,49 mil MW com obras de usinas em andamento. A companhia possui em todo o país 47 usinas hidrelétricas, 114 termelétricas a gás natural, óleo e carvão, duas termonucleares, 69 usinas eólicas e uma usina solar, próprias ou em parcerias.
Já de acordo com o ministro, o que está levando o governo a privatizar a empresa “é levar a fazer investimentos, porque a Eletrobras faz investimentos que ninguém quer fazer e tem taxa de retorno às vezes negativa. A ineficiência é dividida na nossa tarifa”, argumentou. “Não estamos entregando a empresa, estramos valorizando.”
No entanto, a privatização encarecerá a tarifa e ameaça o sistema, porque vai priorizar a venda de energia no mercado livre. Ameaça também o parque industrial brasileiro. O governo argumenta que, como as empresas vão ter mais rentabilidade, vão poder investir. Mas a intenção embutida no modelo de privatização desobriga as empresas de investir onde o lucro é incerto ou em locais onde não há possibilidade de ganhos, daí a preocupação dos parlamentares do Norte brasileiro.
A ideia do modelo é ofertar a energia no mercado, levando o “capitalismo selvagem” ao fornecimento e criando uma série de empresas que viverão apenas de comercializar energia. Os mercadores de energia fariam a intermediação entre a produção da usina e o consumidor. A privatização da Eletrobras levaria o país a abrir mão de um setor estratégico, delegando sua gestão ao setor privado, e, pior, ao capital internacional. Até mesmo os serviços básicos são comprometidos.
“Energia é tudo, é saúde, educação, inclusive comunicação”, diz a senadora Vanessa. Segundo ela, o exemplo da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) “é ilustrativo” de que só a mobilização social pode pressionar o governo no caso da Eletrobras. “Eles voltaram atrás (no caso da Renca) por causa da mobilização. Se a gente fizer uma grande mobilização, consegue que eles parem com esse projeto”, acredita a senadora.