Vinte e sete mortos, dezenas de feridos, centenas de desabrigados e a Bacia do Rio Doce totalmente contaminada. Este é o saldo de destruição causado pela enxurrada de mais de 60 bilhões de litros de lama tóxica que romperam das barragens da Samarco, em Mariana (MG) e percorreram 650 quilômetros até atingir o litoral do Espírito Santo, matando pelo caminho fauna e flora. Mais de um mês após provocarem o maior acidente ambiental do Brasil, os gestores da mineradora e de suas controladoras – Vale e BHP Billiton – continuam impunes.
O mesmo acontece com a BW Offshore e a Petrobrás, responsáveis pelo acidente no navio plataforma FPSO Cidade de São Mateus, onde nove trabalhadores morreram e outros 26 ficaram feridos, em fevereiro deste ano. Uma investigação minuciosa da ANP apontou que a empresa BW, com a conivência da Petrobrás, descumpriu pelo menos 30 ítens do Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional (SGSO) desde 2008, quando o FPSO foi contratado pela estatal.
Nenhum gestor da BW foi responsabilizado. A Petrobrás em seu relatório chegou até mesmo a elogiar a política de segurança da empresa, insinuando que a culpa do acidente foi dos trabalhadores mortos. A história se repete com a Samarco, que atuou por mais de dois anos com licenças de operação vencidas. A mineradora sequer apresentou ao Ministério Público o plano exigido pela Justiça com propostas de ações para garantir a segurança das estruturas que restaram no complexo de Mariana e evitar novos rompimentos de barragens.
E assim, as empresas vão negligenciando a segurança, com a certeza da impunidade. Ano após ano, acidentes ceifam vidas de trabalhadores e destroem o meio ambiente, sem que nenhuma lição seja aprendida. Só no Sistema Petrobrás, já são 364 mortos em vinte anos e a empresa nada faz para alterar a sua política de SMS, apesar de todas as mobilizações e alertas dos petroleiros. Quantos acidentes anunciados ainda ocorrerão impunemente sob as barbas da justiça e dos órgãos fiscalizadores?
“O que aconteceu no navio da BW foi um assassinato”
Segundo relatório da ANP, a explosão que matou os nove trabalhadores da BW teve como causa principal a estocagem indevida de condensado, que não estava prevista no contrato assinado com a Petrobrás e nem poderia ser feito pelo FPSO Cidade de São Mateus, pois embarcação não foi projetada para essa finalidade.
De forma irresponsável, a BW, com a conivência da Petrobrás, contrariou todas as normas de segurança para aumentar a sua margem de lucro. “O que aconteceu naquele navio foi um assassinato”, afirma o coordenador da FUP, José Maria Rangel, criticando a omissão da Petrobrás, que, como empresa contratante deveria ter conhecimento das irregularidades que aconteciam na FPSO e, portanto, é tão responsável pelas mortes quanto a BW. “Se a Petrobrás tinha conhecimento desse absurdo, por que se calou?”, questiona Zé Maria.
Lucro acima de tudo
O rompimento da barragem que dizimou o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, e matou 27 pessoas seguiu a mesma lógica da BW: o lucro compensa o risco. Apesar dos bilhões que ganha anualmente explorando os recursos naturais da região, a Samarco utilizava o modelo mais barato de construção de barragens e também o mais inseguro. Além disso, a empresa operava as minas sem plano de emergência.
Quanto vale a vida?
Os familiares dos nove trabalhadores mortos no acidente da BW, assim como das vítimas da Samarco estão buscando na justiça a responsabilização das empresas pela dor e prejuízos que causaram. Nenhum gestor sofreu qualquer sanção pelos acidentes. Para os que choram a perda de seus entes queridos, não há seguro algum que pague o preço da vida perdida. Por isso eles lutam por justiça e reparação.
É o caso dos irmãos de Tiarles Correa (foto), um dos trabalhadores mortos na explosão da FPSO Cidade de São Mateus. Meses após o acidente, eles sofreram uma outra tragédia ao perderem a mãe, vítima de depressão. “O acidente mexeu muito com ela e não resistiu”, declarou Tiago, irmão de Tiarles, em entrevista ao jornal A Gazeta, do Espírito Santo.
Outros familiares questionam a falta de transparência da BW. “Até hoje não sabemos o motivo do acidente. Ninguém da empresa nos procurou para esclarecer como tudo aconteceu”, lamentou Ayres de Oliveira Junior, cunhado de Alexsandro de Souza Ribeiro, outro trabalhador morto na FPSO.
O crime que compensa
A Samarco não pagou sequer uma das cinco multas aplicadas pelo Ibama após o acidente, que, juntas, correspondem a R$ 250 milhões e não chegam a 10% do lucro líquido registrado pela empresa em 2014. Por trás do descaso, novamente a certeza da impunidade. No Brasil, menos de 3% das multas ambientais são pagas pelas empresas infratoras.
Relatório do Ibama revela que de janeiro de 2011 a setembro de 2015, dos R$ 16,5 bilhões cobrados em multas, apenas R$ 494 milhões chegaram aos cofres públicos. O excesso de recursos judiciais é um dos motivos, o que acaba servindo como estímulo para as empresas continuarem desrespeitando as normas de segurança e o meio ambiente.
A Chevron, por exemplo, que em novembro de 2011 causou um acidente geológico de grandes proporções no Campo de Frade, na Bacia de Campos, pagou R$ 150 milhões à União, menos de 1% do valor que foi estipulado na época. A ANP propôs a suspensão de suas atividades e o Ministério Público, uma indenização de R$ 20 bilhões pelo estrago que fez. A empresa recorreu e terminou assinando um acordo de compensações socioambientais e ainda ganhou 30% de desconto no pagamento das multas.
Fonte: FUP