A inegável redução da adesão popular aos protestos de rua contra a presidente Dilma Rousseff e seu governo, verificada no domingo 12 de abril em relação ao espantoso e surpreendente comparecimento popular aos atos de 15 de março, deve ser encarada com naturalidade e neutralidade. Naturalidade porque o Brasil não atravessa nenhum risco institucional – ao contrário, as instituições de Estado funcionam em sua plenitude; as oposições, que tiveram menos votos que os partidos de apoio ao Governo central nas eleições gerais de 5 de outubro de 2014 têm assegurado o direito de minoria no Parlamento; e é por causa do funcionamento pleno das instituições republicanas que as denúncias de desvios e de corrupção são levantadas, investigadas, apuradas e têm os réus levados a julgamento.
Com neutralidade porque há de se supor que o Brasil, terceira maior Democracia do mundo atrás da Índia e dos Estados Unidos em número de eleitores, não pode admitir o desvio das paixões no centro dos amplos debates e das graves decisões que precisa amadurecer e tomar para seguir crescendo. Em 30 anos, desde o 25 de janeiro de 1985, quando o Congresso brasileiro revogou a ditadura militar e devolveu o poder aos partidos políticos, assegurando a transição civil, construímos um processo sólido e rápido de consolidação do Estado de Direito.
Organizamos uma Assembleia Constituinte, promulgamos uma Constituição imperfeita, mas mutável e que molda nossa sociedade desde 1988, elegemos e impedimos, dentro das regras, o primeiro presidente eleito diretamente desde o golpe militar de 1964 (Fernando Collor, cassado por corrupção em 1992), aceitamos um governo frágil de um vice não eleito que se fortaleceu ao permitir o admirável trabalho liderado por Fernando Henrique Cardoso que redundou no Plano Real e no controle definitivo da inflação. Assistimos à vitória eleitoral de um líder popular, Lula, e a ascensão de um partido de raízes obreiras à Presidência.Testemunhamos o mais bem sucedido processo de incorporação de pobres e miseráveis à economia dinâmica e formal.
Entretanto, há quatro eleições gerais, presidenciais, um mesmo grupo político sai vitorioso das urnas, sinalizando uma mudança geracional no poder e indicando a necessidade de renovação dos projetos partidários nacionais.
A alternância de poder tem de ser encarada como curso natural dos rios democráticos. É salutar que ela ocorra de tempos em tempos. Contudo, é imprescindível que passe pelo crivo do voto popular. A utopia da Democracia Direta não cabe numa Nação de dimensões continentais como o Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes e cerca de 135 milhões de eleitores habilitados a votar. Logo, a forma de Democracia Representativa é a única que se ajusta à complexidade de nossa sociedade. E os atos democráticos dão trabalho, exigem respeito a regras e fundamentos e carecem de prazos. Creio que, aos trancos e barrancos, parte da população brasileira começa a descobrir as vicissitudes e os meandros dessa trajetória de lutas e talvez por isso as ruas do último domingo testemunharam um movimento minguante às teses golpistas do impeachment.
Resistir à ideia de pôr o impeachment em debate, nesse momento, não significa aderir ao governo, ou defendê-lo. Representa, porém, o amadurecimento da sociedade na compreensão do processo democrático. É possível reagir às vexaminosas denúncias de corrupção sem abrir mão da maturidade construída até aqui e do Estado de Direito que conquistamos a tão duras penas.
Quem desejar seguir nas ruas, acreditando ser esse o melhor caminho para uma vitória de suas teses, que siga assim – mas saiba que a trajetória democrática prevê eleições presidenciais a cada quatro anos, intercaladas por eleições municipais, e que a instauração de processos de impeachment exige um rito inapelável.
A História é implacável com os omissos e deixar de opinar sobre o curso do processo, agora, seria cometer desastrosa omissão histórica. Crer que a maioria é formada pelos estimados 400.000 que estiveram nas ruas no dia 12, numa Nação de mais de 200.000.000 de habitantes, seria olhar a realidade com as lentes de quem nos quer impor um viés tacanho. São poucos, e não passarão.
Luís Costa Pinto, 46, é jornalista. Foi repórter-especial e editor-executivo de publicações como Veja, Época, O Globo, Folha de S.Paulo e Correio Braziliense. Foi autor da entrevista com Pedro Collor, que ajudou a abrir caminho para o impeachment do irmão, Fernando Collor de Mello. É vice-presidente do Grupo PPG.