Não há clareza sobre o futuro da soberania energética no Brasil, avaliam pesquisadores do INEEP

 

O Sindipetro CE/PI entrevistou os economistas Eduardo Costa Pinto e Rodrigo Leão sobre os rumos da política energética e da Petrobrás no governo de Jair Bolsonaro. A conversa foi feita durante participação dos pesquisadores do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP) na conferência “A geopolítica ambiental das nações e seus impactos no Brasil”, realizada pela Universidade Federal do Ceará, no dia 31 de outubro. Confira a íntegra da entrevista:

Sindipetro CE/PI: Qual o projeto de Paulo Guedes e de Bolsonaro para a Petrobrás?

Rodrigo Leão: Muito difícil saber. As notícias que temos hoje é que há uma disputa entre a os militares e o Paulo Guedes. Ele [Bolsonaro] tem falas soltas, como ‘o miolo da Petrobrás será preservado’, mas o que seria ‘miolo’? Na minha concepção, o ‘miolo’ é do E&P até a distribuição. Poderia dizer que ele privatizaria fertilizante, petroquímica, agora já tenho ouvido que ele privatizará a BR Distribuidora, que para mim é ‘miolo’. Então existe essa dificuldade, pois até a terminologia é superficial. Com essa disputa interna pelo comando da Petrobrás, entre militares e liberais, não há clareza nenhuma.

Eduardo Costa: A verdade é que ele não tinha nenhum programa, nada setorial para a discussão da questão energética. Se for na linha mais liberal, provavelmente seguirá o que está agora [governo Temer], pois o governo Bolsonaro tende a ser um Temer 2, com quadros piores, pois parte dos liberais que estão agora no governo Temer não topam ir para o governo Bolsonaro. A Petrobrás é central para a ala militar, tanto é que o Mourão [vice-presidente de Bolsonaro] já deixou claro que Minas e Energia será um Ministério separado, mostrando que os militares tem interesse na questão energética. Se for uma linha Paulo Guedes vai ser o mesmo projeto em curso atual, de privatizações e dos preços de combustíveis acompanhando a tendência internacional, gerando inflação e tensão nos combustíveis.

Por outro lado se o comando ficar realmente com os militares a gente também não tem clareza pois a experiência que temos deles nesse comando é dos anos 80, e será a primeira vez que teremos como primeiro presidente um militar.

Não é a toa que Bolsonaro não foi aos debates, porque ele não tinha programa de governo.

Sindipetro CE/PI: Um dos argumentos usados pelos liberais para justificar privatizações é que quando as estatais tem prejuízo, o povo tem prejuízo, como se o governo salvasse os prejuízos dessa estatal. Como desconstruir de forma simples?

Rodrigo Leão: Primeiro que a Petrobrás não tem prejuízo.

Eduardo Costa: Ela teve prejuízo em 2015 e 2016, mas todas petroleiras mundiais tiveram.

Rodrigo Leão: É preciso ter clareza que a Petrobrás é uma empresa de capital aberto, ela não tem dinheiro do tesouro, ele não desembolsa dinheiro da Petrobrás. É diferente do BNDS, da Embrapa, que o Tesouro vai lá e aporta dinheiro, a Petrobrás não, é uma empresa de capital aberto que está na bols [de valores], então esse discurso é errado e tecnicamente equivocado.

Eduardo Costa: Na realidade é o contrário, quem recebe dinheiro da Petrobrás é o Tesouro. Outro ponto é que o prejuízo contábil também é impactado pelo preço do petróleo.

Rodrigo Leão: Teve prejuízo em 2015 por causa do preço do barril e no outro ano por questões contábeis. A avaliação que o INEEP faz disso é que o preço do petróleo deveria ser contabilizado como de longo prazo, pois não se pode chegar num momento em que o preço cai para fazer uma baixa contábil. Nos anos 70 o preço subiu, nos 80 caiu muito. O preço do Barril caiu para 40 dólares e agora já voltou para $ 80, e a Petrobrás pegou um momento para se subvalorizar e facilitar sua própria venda.

Eduardo Costa: Esse tipo de estratégia é muito usado por gestores que gostam de dizer que pegaram a empresa ruim, desvalorizada e entrega como uma gestão melhorada, ‘consertada’. Pensando no seu passe para a próxima empresa.

Rodrigo Leão: Temos que deixar claro o seguinte: os liberais sempre condenaram as gestões do PT de fazer uma gestão política da empresa. A gestão de uma empresa pública é política por natureza, o papel dela é um papel político do ponto de vista social.

Eduardo Costa: Para complementar a fala do Rodrigo: quem é dono da empresa pública é a população, portanto ela tem que gerar benefícios não só para o acionista minoritário.

Rodrigo Leão: Vamos pegar a exemplo da Chevron, para quem acha que ela faz o que ela quer e o Ministério de Minas e Energia norte-americano não influencia nela. Quando ela vem ao Brasil, ela vem com uma diretriz clara do governo para vir. Essas petrolíferas do mundo inteiro, seja privada ou estatal, também seguem lógica do ponto de vista dos preços internacionais, da estratégia governamental, segurança energética, etc. A natureza de empresas desse setor seguem essa linha.

Eduardo Costa: Esse debate de que a Petrobrás deveria ser menor para gerar concorrência está na origem da fundação da Petrobrás. Parte da elite acredita que não temos capacidade, nem financeira, nem tecnológica. E como não teríamos essa capacidade de gestão, teríamos que diminuir a Petrobrás, e isso é uma falácia. Pois a gente desenvolveu tecnologia que descobrimos o pré-sal e isso é central. As grandes petrolíferas mundiais querem a tecnologia que temos.

Sindipetro CE/PI: O que seria necessário afirmar para enterrar de vez o argumento usado por liberais que reivindicam o  ‘fim do monopólio da Petrobrás’?

Rodrigo: O problema dessa discussão, o que me incomoda neste debate é que, se você é liberal do ponto de vista ideológico, você acredita que é melhor um mercado aberto, isso é uma visão sua, tudo bem você escolher e seguir com isso. Mas [liberais] dizer que existe monopólio? Deixou de ser há 20 anos, é preciso ser honesto nesse debate.

Liberais acham que a Petrobrás funciona como uma padaria, onde a concorrência vai baixando o preço do pão. Mas a lógica de mercado petroleiro é completamente diferente, quem define o preço do petróleo é um grupo da Arábia.

Deixando bem claro que o mercado de petróleo no Brasil nunca foi monopolizado, você tinha no refino e no E&P, a distribuição era livre. Em 1997 abriu tudo, todos os setores foram abertos. O que acontece é que as empresas não tem interesse em investir nesses setores. As estrangerias querem as reservas de petróleo, só isso.

[Via Sindipetro-CE/PI]