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Do modo como funciona, o Mercosul tem valorizado praticamente apenas os aspectos comerciais que regem o bloco. As trocas e projetos realizados entre os países-membros andam muito à frente de medidas e políticas que promovam, de fato, integração social e política das populações. Isso ocorre porque as instâncias e mecanismos que deveriam promover essa integração não têm financiamento, estrutura ou equipes que lhes garantam institucionalidade, ou seja, capacidade de ação.
Esse é o resumo das intervenções feitas pelos movimentos sociais durante o seminário internacional “Desafios da Construção da Democracia no Mercosul”, evento paralelo realizado ontem (4), antes da abertura oficial da Cúpula Social do Mercosul, em Brasília. Os encontros reuniram lideranças e militantes de diversos movimentos brasileiros, argentinos, colombianos, venezuelanos, uruguaios e paraguaios (embora o País esteja suspenso do bloco em virtude do golpe contra o presidente Lugo), e de representantes dos governos dos países-membros.
O Mercosul já aprovou instrumentos como seu Estatuto da Cidadania e o Plano Estratégico de Ação Social, mas a aplicação deles e o funcionamento de instâncias como o Observatório do Mercado de Trabalho, por exemplo, não acontece. Ao comentar o tema, durante sua intervenção em uma das mesas do Seminário, o secretário-adjunto de Relações Internacionais da CUT, Artur Henrique, descreveu um dos resultados práticos desse descompasso entre a integração social e os processos comerciais: “Quando os países dos blocos discutem questões de comércio e infraestrutura, partem sempre do teto, da melhor referência que existe na região. Quando se discute direitos, discute-se o piso, e isso está errado”.
Sinais de que essa situação pode mudar foram dados na abertura da Cúpula, no final da tarde, no auditório do Museu da República, pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antônio Patriota.
Diante de um auditório lotado e repleto de bandeiras de países como Equador e Bolívia, que ainda não integram o bloco, mas que estão a caminho, o ministro prometeu que a realização semestral das Cúpulas Sociais do Mercosul serão regulamentadas. Essa periodicidade já é praticada desde 2006, mas, sem regulamentação, poderia ser abandonada quando de uma mudança na presidência temporária do bloco, atualmente ocupada pelo Brasil.
Patriota também acenou que os governos vão se empenhar para que nesta Cúpula, que se encerra na próxima sexta-feira (7), sejam dados passos concretos para dar início a alguns dos eixos centrais que compõem o Estatuto da Cidadania do Mercosul: uma política de livre circulação entre os países para os cidadãos do bloco, igualdade de direitos e liberdade e igualdade de condições de acesso ao trabalho, à saúde e à educação.
Não se faz revolução sem movimentos sociais
Também durante a solenidade de abertura da Cúpula, o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, apontou os avanços do Mercosul, mas destacou a necessidade de governos populares se manterem próximos aos movimentos sociais para efetivar as transformações.
“Houve um tempo em que os países da América do Sul se reuniam para planejar a Operação Condor, ataques à liberdade e hoje celebramos a democracia. Mas, é necessário que a democracia rompa limites meramente representativos e construa um modelo de atuação. E sabemos que falta muito para isso. Muitas vezes, os próprios governos populares, quando chegam ao poder, não chamam os movimentos sociais para a efetiva participação”, avaliou.
Carvalho apontou que as transformações pelas quais passa o continente enfrentam resistência da burguesia e que só uma aliança com o povo é capaz de vencê-la.
“As elites não estão paradas e nem olhando com prazer para os nossos avanços. A cada dia somos atacados por quem não quer uma alternativa popular nos países e quem tem dúvida basta olhar o golpe que aconteceu no Paraguai, que não é o um caso isolado. O antídoto é tomar um “banho de povo”, trazer o povo para uma parceria”, disse, resumindo a seguir o modelo de transição que os países sul americanos devem seguir. “Não se faz revolução sem que os movimentos sociais do Mercosul estejam bem articulados.”
Requião quer ruptura
A intervenção de Carvalho respondeu, em parte, o discurso do presidente da seção brasileira do Parlamento do Mercosul (Parlasul), senador Roberto Requião (PMDB-PR), que a retirada de milhões de brasileiros não é suficiente porque pode haver retrocesso diante de um revés da economia. Para ele, é preciso uma “ruptura” com os modelos de troca comercial e de sistema financeiro ditados pelo neoliberalismo.
Se os conceitos que guiam a política econômica continuam os mesmos, o que mudou? Sem revolução não há salvação”, defendeu
O parlamentar também seguiu o discurso das demais lideranças e defendeu a unidade latinoamericana para redução do que classificou de subdesenvolvimento, dependência aos países europeus e norte-americanos e do atraso.
Requião também criticou a imprensa que trata com deboche o sentimento de latinoamericanidade e, na outra ponta, destaca como avançado os países quando se portam como meros produtores de matéria-prima e escravos de acordos bilaterais, onde exercem o papel de consumidores de produtos importados.
Lula presente– Impossibilitado de participar da abertura, o ex-presidente Lula enviou um vídeo em que defende a integração entres os países da América do Sul como condição básica para levar dignidade aos povos.
“Será isso que garantirá discutir em pé de igualdade com os países do Norte. Junto, podemos garantir que não desperdiçaremos o século 21 como desperdiçamos o 20. Seremos o que quisermos e não o que os outros querem que a gente seja”, concluiu para reação de uma plateia que o aplaudiu de pé e entoou os gritos de “olê, olé, olá, Lula, Lula.”
Vice-ministra da Venezuela para Caribe e América Latina, Veronica Guerrero, falou da entrada recente do país ao Bloco e afirmou que o objetivo é trazer a experiência da revolução bolivariana. Enquanto o coordenador das Centrais Sindicais do Cone Sul, Valdir Vicente, citou o papel social que sempre deve estar presente, exemplificando com a defesa do Estado palestino.
Nicolas Cabrera representou a sociedade civil do Paraguai, mesmo com o país suspenso do Mercosul após o golpe de estado contra o presidente Fernando Lugo, em junho deste ano.
“Estamos duplamente agradecidos por estar aqui porque os meios de comunicação não refletem a voz de 90% da população paraguaia”, afirmou.
O encontro continua nesta quarta-feira (5) com a realização de oficinas temáticas nas quais os movimentos sociais definirão as prioridades que irão constar no documento a ser entregue para os chefes de Estado no encerramento da Cúpula, no dia 7.