MST ocupa Incra em SP e cobra avanço na reforma agrária

Foto: Gabriela Moncau/Brasil de Fato

Ação faz parte da jornada nacional ‘Por terra e comida de verdade para o povo’, com atos previstos ao longo da semana

[Texto e fotos Gabriela Moncau, do Brasil de Fato]

Na manhã desta segunda-feira (16), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou a sede da Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em São Paulo, na região central da cidade. A ação integra uma jornada de mobilizações do MST em todo o Brasil para pressionar o governo Lula (PT) a avançar nas políticas de implementação da reforma agrária e encorpar o orçamento voltado ao tema.

Com caixa de som, bandeiras e faixas penduradas no portão do órgão, cerca de 200 sem-terra de diferentes regiões do estado reivindicam, entre outros pontos, a regularização de cerca de 1,5 mil famílias que vivem acampadas em São Paulo e a suspensão de despejos iminentes em quatro ocupações do movimento.

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“A gente está fazendo esse movimento de pressionar o governo para que atenda à nossa pauta, que não é nova: estamos falando de uma demanda atrasada há pelo menos 10 anos. Principalmente em relação aos acampamentos, mas os assentamentos também, que estão muito precarizados pela falta de políticas públicas, de crédito e de condições econômicas de viabilizar o trabalho e a produção de alimentos”, expõe Gerson Oliveira, da direção do MST.

“Os acampados também já não aguentam mais. São alguns aqui que estão há mais de 12 anos embaixo de lona, aguardando uma sinalização do governo”, descreve Oliveira.

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Neste ano, não houve nenhum assentamento regularizado no estado de São Paulo, nem destinação de créditos ou contratos de compra de alimentos por parte do governo via Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Entre os manifestantes no Incra, muitos vivem nas áreas que enfrentam atualmente o risco de reintegração de posse: os acampamentos Marielle Vive em Valinhos (SP), Ilda Martins em Apiaí (SP), Luiz Beltrame em Gália (SP) e a Comuna da Terra Irmã Alberta em São Paulo (SP). Esta última já existe há 21 anos.

“A gente foi surpreendido com uma ação para reintegrar a área da Irmã Alberta, que seria um lixão e hoje há mais de 18 anos as famílias estão plantando”, afirma Gerson. Na avaliação do movimento, o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem interesse em despejar as famílias para que o litígio não dificulte os planos de privatizar a Sabesp, em cujo nome está o terreno.

“Além da morosidade do governo federal com a reforma agrária, aqui em São Paulo vivemos uma ofensiva do governo que tem tentado fazer avançar o bolsonarismo por meio das privatizações e da venda de 400 mil hectares de terras públicas devolutas na região do Pontal do Paranapanema, a preço de banana, para os latifundiários da região”, denuncia Oliveira.

Lentidão e insuficiência

A jornada “Por terra e comida de verdade para o povo” do MST acontece no dia em que o governo federal anuncia novos recursos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), gerido pela Conab.

A data, além do Dia Mundial da Alimentação, marca os 20 anos do programa, que foi relançado em março pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A expectativa é que a Conab assine contratos com cinco organizações da agricultura familiar, beneficiando 94 famílias fornecedoras.

A previsão do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) é assentar cerca de 7,2 mil famílias até março de 2024 / Gabriela Moncau/Brasil de Fato

Para Claudete Pereira de Souza, também da direção do MST, no entanto, os últimos anúncios do governo federal sobre o tema são “irrisórios” e “insuficientes”.

“As nossas famílias não acessam esses créditos. Essas políticas não estão tirando os assentados da situação em que estão, nos lotes, mas sem acesso a crédito, à estrada, à água”, exemplifica.

“As medidas anunciadas até agora não nos contemplam e essa jornada nacional de luta cumpre o objetivo de denunciar a morosidade e a incapacidade do Incra de gerir essas políticas públicas”, destaca Claudete.

Com orçamento de 2023 herdado do governo Bolsonaro, a previsão do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) é assentar cerca de 7,2 mil famílias até março de 2024. O MST, por sua vez, demanda que o governo assente aproximadamente 65 mil famílias que vivem em acampamentos atualmente no país. Para isso, o movimento reivindica um investimento de R$ 2,8 bilhões de reais.

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Ao Brasil de Fato, João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, afirmou que a complexa burocracia de programas de crédito e compra de alimentos da agricultura familiar tem dificultado a oferta dessas refeições de qualidade nas escolas e o abastecimento de cozinhas solidárias.

Nas palavras de Rodrigues, um dos principais desafios para o avanço na reforma agrária no país atualmente é a falta de orçamento. A projeção do movimento é de que ao menos R$ 3 bilhões sejam destinados à criação de assentamentos da reforma agrária, para beneficiar cerca de 60 mil famílias que vivem acampadas no país.

O que se espera, salientou o dirigente, não é que o governo federal responda positivamente com um valor ou o anúncio de um volume de crédito para agricultores, “mas a disponibilidade para construir uma agenda de negociação”. O tema da alimentação, avalia Rodrigues, é central, sua importância equivale, para o MST, a das questões climáticas, ambientais e de segurança pública.

“A jornada tem como principal objetivo fazer um grande debate com a sociedade e com os governos sobre o tema da alimentação saudável. É o Dia Internacional dos Alimentos, e nós queremos aproveitar para fazer uma mobilização no país inteiro para cobrar o governo federal, o Governo Lula, que avance na política de reforma agrária”, afirmou Rodrigues.

Para o dirigente do MST, “os recursos estão mais ou menos sendo disponibilizados, mas é um processo de burocratização muito grande. Nós teríamos condições hoje de abastecer praticamente todas as escolas, e tem uma quantidade imensa de produto disponível para a Conab.”