Movimentos repudiam redução da maioridade penal

 
“As conquistas democráticas, a partir da Constituição de 1988, estão sendo colocadas em xeque por forças conservadoras como não se havia visto nos últimos anos. O debate hoje é político”. Esta é a avaliação do representante do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, Marcos Souza, o Marquinhos, um dos muitos militantes presentes nesta terça (13) em frente à Catedral da Sé, no centro de São Paulo.
 
“Quando se vê a esquerda se manifestando no Brasil todo, você se pergunta: por que a direita não está se manifestando pra dizer não à redução? É uma luta política e ideológica”, observa Souza, na data em que se comemora os 25 anos do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), paradigma conquistado a partir da luta por direitos humanos no Brasil.
 
Os atos contra a redução da maioridade penal, organizados pela Frente Nacional Contra a Redução, que marcaram os 25 anos do ECA aconteceram em todos os Estados brasileiros.
 
Em São Paulo, discursos e apresentações culturais marcaram o dia que se iniciou no Anhangabaú e teve o desfecho com uma marcha dos movimentos sociais.  Para o secretário de Juventude da CUT Nacional, Alfredo Santos, faltou a aplicação do ECA. Para ele, se o estatuto tivesse sido aplicado ao longo dos 25 anos, hoje não haveria demandas nem mesmo da extrema direita para discutir o tema.  “Com crianças na escola, com direito à educação e à saúde e com todos os demais direitos sendo verdadeiramente implementados, teríamos uma criminalidade muito mais baixa não só entre jovens, inclusive entre os adultos”, afirma. 
 
Professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Jacqueline Sinhoreto avalia como retrocesso a possibilidade de a PEC 171, de 1993, que reduz a idade penal de 18 para 16 anos, ser votada em segundo turno nesta semana. “É uma afronta à democracia e inclusive à democracia parlamentar porque foi feita uma manobra para votar de novo a mesma matéria, no mesmo ano legislativo, o que contraria o próprio regimento interno”, diz ao se referir às articulações feitas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), nos últimos dias. 
 
Periferia será a mais atingida
 
O vice-presidente da CUT São Paulo, Douglas Izzo, reforça o discurso ao afirmar que a diminuição da idade penal não resolverá o problema da violência. “A argumentação de quem defende está na criminalidade, na segurança, o que é um argumento frágil. O problema da violência se dará com distribuição de renda, com educação pública de qualidade, com oportunidade iguais para jovens da elite e da periferia. É preciso construir políticas sociais que deem condições dignas aos jovens, com perspectiva de futuro”.
 
O jovem Everton da Cruz, da Coordenação Nacional de Entidades Negras, acredita que as mazelas do Brasil estão carimbadas na história do povo brasileiro. Recém-chegado da Bolívia, do encontro com o papa Francisco e movimentos sociais latino-americanos, ele mostra a indignação com as manobras feitas no Congresso. Para ele, a periferia é quem arcará com as consequências. “Filho de burguês não costuma sofrer intervenção militar nas ruas, nem ser preso. A periferia não se engana com o que está acontecendo e a juventude pobre e negra será a mais afetada”.
 
Izzo também observa esta realidade na região onde mora, na zona leste de São Paulo, bem como nas escolas onde sempre deu aula. O dirigente acredita que o caminho se dará com a implementação efetiva dos direitos garantidos. 
 
“Os 25 anos do ECA representam uma conquista importante dos movimentos sociais. As medidas socioeducativas já existem, mas o Estado não está preparado para aplciar. É isso que estamos cobrando: a efetivação do estatuto”, explica.
 
Representante da Frente Nacional Contra a Redução da Maioridade Penal, Leonardo Duarte acredita, assim como Izzo, que a diminuição dos índices de violência está relacionada ao fortalecimento do sistema socioeducativo. “O ECA não funciona porque não tem força política dos nossos governantes para aplicar de fato o que se determina como a obrigação do Estado, da família, da comunidade, de garantir os direitos básicos das crianças e dos adolescentes, como saúde, educação, moradia, lazer, cultura e esporte”, diz. 
 
Obstáculos adiante
 
Para o advogado Ariel de Castro Alves, que já foi do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o Congresso Nacional deveria se preocupar com as crianças e os adolescentes que estão morrendo nas periferias, ao contrário do que vem fazendo. “A redução da maioridade penal não fica só no debate de colocar na cadeia, mas gera uma reinterpretação do ECA podendo fragilizar vários direitos. O direito, por exemplo, à proteção do adolescente trabalhador”, alerta.
 
Jacqueline traz ainda um novo elemento. “O Supremo Tribunal Federal disse que não vai se pronunciar. Então a redução pode ser votada e se não passar pode sofrer outra manobra”, afirma.Outra questão, salienta a professora, é que se a medida for aprovada, ela será sentida daqui alguns anos somente. “Os adolescentes que cometerem algum crime serão julgados no Tribunal do Júri, o que leva muitos anos. O que pode acontecer é que esses adolescentes fiquem presos provisoriamente em estabelecimentos penitenciários junto com outros adultos até terem a condenação. Isso costuma demorar de três a oito anos para crimes de homicídio, por exemplo”.  
 
Para Ariel, a conjuntura aponta que não se pode aceitar uma sociedade que enfraquece os direitos sociais e amplia a legislação penal para fazer o controle social das classes excluídas. “No fundo, é isso que está por trás da redução da maioridade penal”, conclui.
 
Fonte: CUT/SP