Por Renato Rovai, editor da Revista Forum
Gushiken foi uma das lideranças sindicais mais capazes da história recente do Brasil. Acha exagero? Pergunte ao Lula qual é a opinião dele acerca dessa frase. Sua liderança não estava apenas associada ao seu carisma ou à sua capacidade de articulação. E ele tinha os dois. Mas Gushiken era maior que isso. Era um intelectual.
Sua morte aos 63 anos me faz lembrar de um tipo de sindicalismo que está em falta atualmente, o dos líderes brilhantes. Daqueles que se sobrepunham aos grupos e às disputas comezinhas. Que conseguiam reverter a decisão de uma assembléia, mesmo quando suas posições eram polêmicas e minoritárias.
Tive o prazer de conhecer Gushiken. Mas não o de desfrutar de sua amizade. Achava-o bastante reservado. E nunca ousei passar dos cumprimentos formais. Mas quando ele decidiu que não buscaria a reeleição a deputado federal, fui entrevistá-lo. Era editor da Revista dos Bancários, atual Revista do Brasil. Aquela seria sua primeira entrevista sobre o tema e só depois da divulgação da edição ele trataria do assunto com a imprensa tradicional.
Encontrei um Gushiken um tanto aliviado. Ele dizia que era hora de dedicar tempo à família. Que tinha perdido boa parte da infância e adolescência dos filhos vivendo em ponte aérea. E que, ao mesmo tempo, era hora de parar de passar medo. Pois é, Gushiken tinha medo de avião. E me falou uma frase que invariavelmente me recordo ao entrar num. Quanto mais você anda de avião, maior é a chance de dar algo errado num deles.
Naquela entrevista, anunciou que apoiaria o então presidente do Sindicato dos Bancários, Ricardo Berzoini, para sucedê-lo. Em tese, seria a saída do talentoso bancário da vida política.
Berzoini saiu candidato em 1998 e se elegeu. Lula perdia mais uma eleição. Mas em 2002 quando decidiu disputar de novo, o ex-operário foi buscar Gushiken para trabalhar no seu comitê. Ele já estava doente. E as previsões era de que não teria muito tempo de vida. Mas, encarou o desafio. Levava sua comida macrobiótica para o comitê e deu conta do recado. Lula, então, convocou para ser um dos homens fortes do seu governo. Gushiken participou do núcleo duro da primeira fase. E com a sua força, peitou Daniel Dantas.
Até as esquinas inexistentes de Brasília sabem disso. Ele impediu que o orelhudo (na definição de Mino Carta) influenciasse na escolha dos Fundos de Pensão. Ao contrário, chamou para si a responsabilidade e colocou pessoas da sua confiança tanto na Previ, quanto na Petrus. E para o ministério da Previdência, indicou Berzoini, aquele que havia escolhido como seu sucessor na Câmara. Ao invés de ficar por perto dessas áreas, foi para a Secom, onde tirou a publicidade de uma vala de favores, centralizou as contas do governo, negociou descontou nas compras de veiculação e moralizou a relação com as agências.
A comunicação não era a praia do japonês, mas ele sabia que ali era preciso mais do que comunicar, gerenciar. Mas de lá, ele olhava para o futuro. Queria pensar o Brasil de 2020, de 2050. E convenceu Lula de que era necessário ter um Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE). E para lá ele foi pensar o Brasil.
Quando estava nesta empreitada, veio o mensalão. E como Gushiken era um dos homens da confiança de Lula, não podia ficar de fora da tsunami. Daquele episódio recordo-me de dois momentos. Um deles, foi a sua ida à CPI dos Correios. Antes de Gushiken, todos os que eram chamados chegavam de cabeça baixa. Gushiken, não. Abriu sua fala pedindo ao senador Álvaro Dias que se retratasse por tê-lo acusado de participar de uma quadrilha em sessão anterior. E politizou o debate, dizendo que “forças da direita” estavam se aproveitando da atual crise para fazer disputa política. Ou seja, para tentar travar um terceiro turno eleitoral.
Recordo-me também de uma matéria da revista Veja, onde ele, junto com Lula, era acusado de ter contas em uma desses paraísos fiscais. Quando um amigo preocupado me ligou lendo trechos da matéria. Tranquilizei o interlocutor. Tinha certeza da impossibilidade de Gushiken estar envolvido com algo assim. E, claro, não tinha. A Veja apenas aprontava mais uma das suas.
Mas mesmo sem que houvesse prova alguma contra ele, Gushiken teve de sair do governo e foi acusado no episódio do mensalão. Os acusadores precisavam de 40 nomes, para recriar a história de Ali Babá. E Gushiken entrou na conta. Mas, por falta de provas, seu processo não teve continuidade. O próprio Joaquim Barbosa decidiu inocentá-lo. Gushiken foi inocentado ainda em vida. E agora pode viajar tranquilo. Para o futuro. Para um lugar que ele sempre acreditou que poderia ir.
Gushiken era alguém de fé. E sua fé também lhe permitiu ser o que foi.
Boa viagem, companheiro.
*Publicado originalmente no Blog do Rovai, na Revista Fórum