O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu hoje (27) uma liminar (decisão provisória) impedindo que o governo venda, sem autorização do Legislativo, o controle acionário de empresas públicas de economia mista, como é o caso de Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil.
A decisão também inclui empresas subsidiárias e controladas das estatais e abrange ainda as esferas estadual e municipal da administração pública. Com isso, na prática, ficam suspensas as privatizações de estatais de capital aberto no país.
Empresas públicas de economia mista têm capital aberto, podendo vender ações na bolsa de valores. A administração pública, no entanto, fica com mais de 50% de participação, mantendo assim o controle acionário e a gestão da empresa.
Lewandowski proferiu a decisão ao julgar uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) aberta em novembro de 2011 pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenaee) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf/Cut), questionando dispositivo da Lei das Estatais (13.303/2016).
Para o ministro, “a venda de ações de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas exige prévia autorização legislativa, sempre que se cuide de alienar o controle acionário”. Na decisão, Lewandowski disse ter interpretado, conforme a Constituição, o Artigo 29 da Lei das Estatais, que prevê dispensa de licitação para a venda de ações de empresas públicas.
Ele determinou que a dispensa de licitação só deve ocorrer no caso de venda de ações que não implique na perda de controle acionário.
Lewandowski mencionou “uma crescente vaga de desestatizações que vem tomando corpos em todos os níveis da Federação” para justificar a urgência da medida. Para o ministro, se privatizações forem efetivadas “sem a estrita observância do que dispõe a Constituição”, isso resultará em “prejuízos irreparáveis ao país”.
Outras duas ADI´s, abertas pelo PCdoB e pelo estado de Minas Gerais, também questionam dispositivos da lei e estão sendo julgadas em conjunto por Lewandowski. A decisão desta quarta-feira (27) é válida até que o mérito das ações seja julgado em plenário pelo STF.
“Sem ativos estratégicos, não há soberania”, afirma Lewandowski
“A Constituição vigente, logo no artigo 1º, consigna que o principal fundamento da República Federativa do Brasil é a soberania”. Assim, o ministro do STF (Supremo Tribuna Federal) Ricardo Lewandowski inicia seu artigo publicado nesta quarta-feira, 27, no jornal Folha de S. Paulo. Lewandowski alerta para o fato de as riquezas naturais do país estarem sob risco e que o gerenciamento qualificado desta questão é essencial tanto para a manutenção da democracia quando do equilíbrio entre poderes, grau básico para a ideia de soberania.
Leia a íntegra do artigo de Ricardo Lewandowski publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo:
“A Constituição vigente, logo no artigo 1º, consigna que o principal fundamento da República Federativa do Brasil é a soberania.
Trata-se de conceito desenvolvido de forma pioneira pelo jurista francês Jean Bodin (1530-1596), no século 16, que serviu de base para a consolidação dos Estados nacionais então nascentes.
Segundo Bodin, a soberania constitui um poder que não conhece outro superior no plano internacional, nem igual na ordem interna. O conceito foi desenvolvido originalmente para legitimar o poder dos monarcas absolutistas na Europa, correspondendo hoje à expressão da vontade do povo, vocalizada por meio de representantes eleitos ou, diretamente, mediante determinados mecanismos, como plebiscitos e referendos.
A soberania é, por definição, um poder incontrastável que só encontra limites na lei. No domínio externo é sinônimo de independência; na esfera doméstica equivale a supremacia. Segundo os teóricos, trata-se de um elemento essencial do Estado, sem o qual ele não sobrevive. Se vier a perdê-la ou, de alguma forma, permitir que fique esvaziada, deixará de ser um ente político autônomo, passando à condição subalterna de mera colônia de outra potestade.
Mas a existência do Estado —identificado como o monstro bíblico Leviatã por Thomas Hobbes (1588-1679)— só se justifica na medida em que seu enorme poder seja empregado em prol do bem comum do povo, que vive sob sua proteção, em uma dada extensão de terra na superfície do planeta.
O domínio que o Estado exerce sobre o seu território não se limita apenas ao solo propriamente dito, mas abarca também o subsolo, além de compreender o espaço aéreo e o denominado mar territorial, incluindo ainda todos os bens que neles se encontram.
Alguns desses bens são de caráter estratégico, essenciais para a própria sobrevivência do Estado, enquanto entidade soberana, a exemplo da fauna, da flora —especialmente da biodiversidade que abrigam—, das terras agricultáveis, das jazidas minerais, dos mananciais de água e dos potenciais energéticos.
A transferência do controle desses recursos a estrangeiros ou mesmo a nacionais, sem garantias sólidas de que sejam rigorosamente empregados em prol do interesse coletivo, acaba por minar os próprios fundamentos da soberania, não raro de forma irreversível.
Internacionalizar ou privatizar ativos estratégicos não se reduz apenas a uma mera opção governamental, de caráter contingente, ditada por escolhas circunstanciais de ordem pragmática. Constitui uma decisão que se projeta no tempo, configurando verdadeira política de Estado, a qual, por isso mesmo, deve ser precedida de muita reflexão e amplo debate, pois suas consequências têm o condão de afetar o bem-estar das gerações presentes e até a própria sobrevivência das vindouras.”
[Com informações das agências Brasil e Folha]