Cerca de 140 cidades mineiras estão em situação de emergência e mineradoras anunciaram a suspensão temporária das atividades
[Com informações da Rede Brasil Atual, do Jornal Brasil de Fato, do MAB e do Observatório da Mineração]
Os mineiros, que já sofreram nos últimos anos com os crimes ambientais causados pelas barragens em Mariana e Brumadinho, levaram um susto na manhã de sábado (8). Um dique da mina de Pau Branco, da mineradora francesa Vallourec, se rompeu em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. O acidente provocou a inundação e interdição da BR-040 na altura do KM 562. Imagens captadas das redes sociais mostram a lama de rejeitos que tomou a pista e impediu o trânsito no local que está sob chuvas intensas há semanas.
Na noite de domingo (9), a prefeitura de Pará de Minas, a 85 quilômetros a Oeste de Belo Horizonte, emitiu um alerta máximo por risco de rompimento da barragem da Usina do Carioca e orientou que os moradores dos municípios de Pará de Minas, Pitangui, Onça de Pitangui, São João de Cima, Casquilho de Baixo, Casquilho de Cima e Conceição do Pará deixem suas casas.
Até este domingo, a Defesa Civil registrou 138 cidades de Minas Gerais em situação de emergência neste momento e seis mortes desde o início do período chuvoso na região, em outubro de 2021. Outras duas mortes que ainda não foram incluídas, em Betim e Belo Horizonte, devem ser registradas no próximo boletim. No total, 3.374 pessoas estão desabrigadas e 13.723, desalojadas. Nestes dados, também não constam as 10 mortes ocorridas no desmoronamento de um bloco de pedras no lago de Furnas, em Capitólio (MG), que atingiu três lanchas, na manhã de sábado (8). O acidente também deixou pelo menos 32 feridos.
Nesta segunda, 10, a mineradora Vale SA paralisou as atividades dos Sistemas Sudeste e Sul, em Minas Gerais, e a CSN também informou que suspendeu as operações da mina de minério de ferro Casa de Pedra, em Congonhas, a 100 quilômetros ao Norte de Belo Horizonte.
Reportagem do jornal Brasil de Fato mostra que nas redes sociais, circula um vídeo de um bombeiro pedindo aos residentes que “sumam” do lugar, devido à chance de 99% de rompimento da barragem. “A informação é 99% de que a barragem pode romper. Se ela romper ela vai estourar Carioca, Onça de Pitangui, vai vir aqui nessa reta, vai chegar na faixa, no mínimo 60 metros de altura, com igarapé, planta, vai levar tudo isso que está aqui. Pelo amor de Deus, foi orientado que nem os militares vão poder ficar aqui mais. É subir todo mundo para a parte alta do Pitangui”, diz o militar no vídeo.
Represa em PARÁ DE MINAS com 99% de chance de romper
Prefeitura emite alerta de urgência para que moradores de Pará de Minas, Pitangui e Onça do Pitangui que moram abaixo da Usina do Carioca deixem suas casas imediatamente. pic.twitter.com/GIb5cYRZwz
— Brasil de Fato MG (@brasildefatomg) January 10, 2022
A coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Sonia Mara Maranho, alerta que o período chuvoso sempre coloca a população do entorno de barragens em risco por conta da possibilidade de novos rompimentos devido à falta de manutenção e segurança adequada das estruturas. “A segurança dos moradores precisa ser uma prioridade, tendo em vista o histórico criminoso das empresas controladoras de barragens no Brasil. Sabemos o que a falta de manutenção e fiscalização dessas estruturas pode causar e não podemos esperar que novos crimes se repitam”, afirma a militante.
Reportagem exclusiva do Observatório da Mineração revela que a ampliação da estrutura da mineradora francesa Vallourec, cujo dique de uma das minas se rompeu, inundando a região de Nova Lima, foi autorizada às pressas, em reunião extraordinária, com licenciamento expresso e alertas de ambientalistas.
Leia a íntegra:
Exclusivo: Estrutura da Vallourec que cedeu em MG teve reunião extraordinária, licenciamento expresso e alertas de ambientalistas em sua ampliação
[Por Maurício Ângelo, do Observatório da Mineração]
A reunião que garantiu a ampliação da pilha de estéril Cachoeirinha da Mina Pau Branco, em Nova Lima/Brumadinho (MG), de propriedade do grupo francês Vallourec, foi feita em janeiro de 2021 após uma convocação extraordinária em regime de urgência pedido pela própria mineradora.
Ambientalistas alertaram sobre os riscos do aumento da pilha que deslizou no último sábado (08) e provocou o transbordamento de um dique que atingiu a BR-040, interditou a rodovia, feriu uma pessoa e causou a remoção de moradores. As críticas foram ignoradas.
Para a expansão do projeto, a Vallourec entrou com pedido de licenciamento de várias estruturas, incluindo a Pilha de Rejeito/Estéril Cachoeirinha.
A urgência pedida pela Vallourec foi acatada pela Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), após recomendação da Secretaria de Meio Ambiente (Semad).
O licenciamento correu na modalidade concomitante, com Licença Prévia, de Instalação e de Operação ao mesmo tempo. Assista a um vídeo inédito sobre a situação da Mina Pau Branco em imagens registradas por drone na tarde de ontem (09) por Bruno Costalonga Ferrete, cedido com exclusividade ao Observatório da Mineração:
A Vallourec alegou que, se não fosse atendida nas primeiras semanas de janeiro de 2021, a produção da empresa precisaria parar porque a pilha de estéril já tinha alcançado o limite de área permitido.
O prazo exíguo para análise dos documentos e manifestação oficial foi alvo de críticas da Promutuca e da MovSam, entidades ambientalistas da sociedade civil. Julio Grillo, ex-superintendente do Ibama em MG e representante da Promutuca, registrou em parecer que, no status da época, o empreendimento da Vallourec já representava um caminhão por minuto na BR 040, com alto risco de “desastres, mortes e poluição”.
Os ambientalistas repudiaram a convocação da reunião extraordinária de 14 de janeiro de 2021 em 30 de dezembro de 2020, após as 18 horas, época de recesso, alegando que precisariam analisar 412 páginas de processo no total da pauta da reunião em pouco tempo, incluindo apenas 5 dias úteis para os licenciamentos pedidos.
No fim, Grillo registrou que, caso o processo não fosse retirado de pauta diante dos problemas, a sua posição era pelo indeferimento. A reunião foi mantida, as críticas foram contemporizadas pela maioria dos presentes e a CMI aprovou por 11 votos favoráveis e 1 abstenção – da Promutuca – em 14 de janeiro de 2021 a expansão da Pilha de Estéril que, em parte, desabou dia 08 de janeiro de 2022, menos de 1 ano depois.
“A sociedade não pode ser míope ao analisar estes empreendimentos com rebaixamentos de lençol freático. Eles são divididos em pequenas partes e obtêm licenças sem que possamos analisar as consequências cumulativas e sinérgicas do que estamos licenciando”, diz o parecer de Grillo da época.
A CMI é formada por diversos representantes do poder público mineiro, pelo Ibama, ANM e representantes da sociedade civil como a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), a Sociedade Mineira de Engenheiros e a já citada Promutuca. Ambientalistas costumam ficar isolados nas decisões da CMI.
Antes desses desdobramentos, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), celebrou em 23 de janeiro de 2019 a expansão da Mina Pau Branco em reunião com os representantes da Vallourec. Por coincidência, dois dias antes do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que completa três anos no próximo dia 25 de janeiro.
Exaltando a previsão de investimento de R$ 220 milhões na ampliação das instalações do grupo francês em Brumadinho e Nova Lima, Zema afirmou em post no Twitter e no Instagram que o governo iria “trabalhar para trazer investimentos, gerar emprego e renda aos mineiros”.
Pilha de estéril está interditada pela ANM. Obras tentam conter novos impactos.
A Pilha Cachoeirinha foi interditada pela Agência Nacional de Mineração, que exige um certificado de estabilidade e o restabelecimento das condições de segurança. O Dique Lisa foi elevado para a classificação 3 de risco pela ANM, o que requer a implementação do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM).
Na tarde de domingo, a ANM rebaixou o risco do Lisa – chamado de barragem pela agência – para nível 2 dizendo não haver “iminência de ruptura”. A BR 040 foi liberada.
Procurado para comentar o licenciamento, a reunião de Zema e a situação atual, o governo de Minas Gerais não se manifestou até a publicação desta reportagem. Caso o faça, a matéria será atualizada.
A Vallourec não respondeu as perguntas específicas da reportagem sobre o processo de licenciamento acelerado e a relação da empresa com o governador Romeu Zema e se limitou a enviar uma nota atualizada sobre a situação do transbordamento. “Neste momento, a Vallourec está com todas as equipes e recursos focados na adoção de providências e na realização das ações necessárias. Por isso, não conseguiremos dar um retorno sobre os seus questionamentos”, disse a mineradora.
Além da remoção das pessoas na mancha prevista de inundação e o transporte dos animais silvestres para outros viveiros, a Vallourec afirmou que “reforça que o Dique Lisa e a Barragem Santa Bárbara são estruturas distintas e localizadas em pontos diferentes da Mina Pau Branco. O dique em questão, localizado em Nova Lima, operava normalmente, em nível zero de criticidade e dentro dos parâmetros previstos na legislação vigente”.
“Desde o transbordamento do Dique Lisa, no dia 8/1/22, a Vallourec não poupou esforços para, em conjunto com os órgãos e autoridades competentes, minimizar os transtornos ocorridos e restabelecer a normalidade da situação. Na manhã de hoje, o tráfego na BR-040 foi liberado nos dois sentidos conforme os protocolos de segurança assinados com as autoridades e a Via 040”, completou a mineradora.
A justiça acatou em parte os pedidos da ação movida pelo Ministério Público de Minas Gerais e a Advocacia-Geral do Estado. Foi negado o bloqueio de bens da Vallourec no valor de R$ 1 bilhão, mas o juiz determinou a suspensão de toda e qualquer atividade de disposição de material de qualquer natureza, incluindo estéril e rejeitos na Mina de Pau Branco, na Pilha Cachoeirinha e a execução de todas as medidas emergenciais previstas no Plano de Ação, como base no pior cenário, inclusive contemplando a mancha de inundação na totalidade e potenciais efeitos cumulativos e sinergéticos com outras estruturas, com conferência e adequação de rotas de fuga, pontos de encontro, sinalização de campo e sistemas de alarme.
A expansão da Mina Pau Branco contou também com obras da estatal de energia Cemig, que Zema tenta privatizar, em março de 2021. Uma nova linha de distribuição foi construída para atender a mineradora.
De acordo com a Cemig, ao garantir disponibilidade de sistema para a expansão da Vallourec, o empreendimento “reforça a parceria entre as empresas e contribui para o desenvolvimento econômico do estado”.