Uma proposta de cessar-fogo deveria ter entrado em vigor às 08h00 (02h00 em Brasília) desta sexta-feira (1º), para possibilitar negociações abrangentes, mas as forças israelenses mataram 16 palestinos durante a madrugada, quatro depois das 08h00 e 35 em confrontos subsequentes. O governo de Israel já anunciou o rompimento do acordo. Eis a breve história de outra “trégua” e a continuação do massacre que já vitimou 1.437 pessoas em menos de um mês.
Nos últimos cinco anos, a Faixa de Gaza foi alvo de três “operações militares” oficiais, assim como de ataques aéreos esparsos e inesperados. Nas três ofensivas (“Chumbo Fundido”, de dezembro de 2008 a janeiro de 2009; “Pilar de Defesa”, em novembro de 2012; e a atual, “Margem Protetora”), cerca de três mil palestinos foram mortos pelas forças israelenses, amplamente denunciadas por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, com a devastação da infraestrutura civil e a destruição de milhares de lares, centros de saúde, escolas, hospitais, mesquitas, igrejas, poços de água e centrais elétricas.
O secretário-geral da ONU Ban Ki-moon – que ainda ensaia declarações mais firmes diante dos crimes de guerra perpetrados pelas forças de Israel – e o secretário de Estado dos EUA John Kerry – dividido entre as práticas do seu governo de enviar armas, com apoio político à ofensiva israelense, e a encenação de uma “mediação” para o fim do massacre – propuseram uma “trégua” de três dias diante da “carnificina” em Gaza, como disseram os representantes da Agência das Nações Unidas para Assistência e Trabalhos (UNRWA) no território sitiado.
O passo seguinte seriam “negociações mais abrangentes” no Cairo, Egito, entre Israel, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP) Mahmoud Abbas e o Hamas. Envolver o partido à frente do governo de Gaza, taxado por Israel e pelos EUA de “organização terrorista”, é algo paradoxalmente raro, ainda que a “guerra” israelense contra Gaza seja apresentada como uma guerra contra o próprio Hamas, ou mais precisamente, a sua “infraestrutura do terror”, como afirmado pelo Exército de Israel, que também já convocara mais 16 mil reservistas para a ofensiva, nesta semana.
De acordo com o jornal israelense Haaretz, uma reunião do gabinete de segurança de Israel terminou com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu braço direito no massacre em Gaza, o ministro da Defesa Moshe Ya’alon, autorizados pelo resto do governo para decidir sobre um “cessar-fogo humanitário”. Entretanto, ressalva o jornal, na coletiva de imprensa subsequente, a impressão transmitida foi a de que a ofensiva seguiria, sem qualquer mudança, enquanto ainda se noticiava que até quinta-feira (31), desde que a invasão terrestre ordenada em 17 de julho, 61 soldados israelenses morreram em confrontos com a resistência palestina e um foi capturado. A página oficial das Brigadas Ezedin Al-Qassam ligadas ao Hamas ainda não estava atualizada para informar se capturaram o soldado.
Um vídeo divulgado pelo jornal The New York Times na quarta-feira (30) também já mostrava Netanyahu afirmando taxativamente que, mesmo com um cessar-fogo, as forças israelenses “cumpririam o seu objetivo”, atualmente apresentado como o de destruir túneis subterrâneos que serviriam para transporte de armas e a incursão em território israelense pela resistência palestina. Mesmo assim, as notícias são abundantes sobre as mortes de civis – a ONU voltou a afirmar que eles são cerca de 80% das 1.437 vítimas fatais, que incluem centenas de crianças – e da destruição de milhares de lares, hospitais, escolas, mesquitas, igrejas, e outros componentes da estrutura civil.
Por “negociações abrangentes”, Israel entende que merece “garantias securitárias”, inclusive, de preferência, a reocupação efetiva da Faixa de Gaza, de onde retirou milhares de soldados e colonos em 2005, mas deixou um cerco completo imposto pouco depois. Gaza continua “ocupada”, de acordo com o direito internacional, devido ao estado de sítio mantido por Israel e à prisão massiva de uma população de 1,8 milhão de palestinos, majoritariamente refugiados já expulsos dos seus lares uma ou mais vezes.
Para o líder do Hamas, Khaled Meshaal, as “negociações abrangentes” precisam significar, primeiro de tudo, o fim do bloqueio e outros pontos essenciais para tirar a população do empobrecimento imposto pela ocupação. Ele tem repetido isso também aos meios de comunicação que se dão ao trabalho de entrevistá-lo, ainda que com perguntas capciosas como “você reconheceria o Estado judeu de Israel?”, feita por Charlie Rose, entrevistador da emissora estadunidense CBS, aparentemente menos preocupado com os bombardeios que se repetem diariamente em Gaza. Meshaal esforçou-se por deixar claro que o Hamas não luta contra os judeus, mas contra os “ocupantes”, embora esta posição seja deliberadamente ignorada por Israel e seus aliados.
Segundo o Haaretz, a negociação pelo “cessar-fogo humanitário” foi iniciada por Kerry e o enviado da ONU para o Oriente Médio, Robert Serry, ainda na segunda-feira (28), em contato com o Egito, Israel e o Catar, onde está Meshaal e outros líderes do Hamas. Segundo fontes diplomáticas dos EUA citadas pelo jornal israelense, a proposta de 72 horas serviria para lançar negociações mais abrangentes e seria mais curta do que um período em que o Hamas se sentisse novamente encurralado.
Tanto o partido palestino quanto o governo israelense teriam aceitado a proposta, mas o plano, novamente, foi derrotado pelas forças israelenses na fronteira. A questão se coloca: ou o governo de Israel está mais uma vez representando uma posição falsa, sem base de sustenção, a da negociação, ou o seu Exército tem vontade própria, a da continuidade do massacre. De qualquer forma, o governo de Israel já anunciou formalmente o rompimento de outro "cessar-fogo" natimorto.
FONTE: Vermelho, por Moara Crivelente