Rede Brasil Atual
O plenário da Câmara aprovou na noite desta terça-feira (25) o Projeto de Lei 2.126, de 2011, que cria o Marco Civil da Internet. A votação foi simbólica, em que não há contagem de votos, apenas abrem-se espaços para eventuais manifestações contrárias e quem está a favor que fique como está. Nem DEM e PSDB se mexeram. Da oposição assumida, só o PPS se manifestou. O projeto segue agora para o Senado. A aprovação foi possível depois que a bancada do PMDB aceitou mudanças sutis feitas pelo relator, Alessandro Molon (PT-RJ), em suas justificativas em defesa da lei. O Palácio do Planalto acompanhou o acordo, negociado exaustivamente com líderes partidários para tentar desfazer polêmicas.
O tratamento dado a um dos pontos considerados chave – o da neutralidade na rede – ainda deverá ser objeto de muitas explicações para o entendimento dos leigos em matéria legislativa. Isso porque tanto os defensores intransigentes do princípio, capitaneados pelo relator, como os representantes das empresas de telecomunicações, na voz do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), celebraram o texto final, cuja justificativa do projeto traz exatamente o mesmo trecho que as teles diziam ter sido quebra de acordo em relação ao que estava escrito no ano passado.
“O que não pode ocorrer, sob risco de se prejudicar a estrutura aberta da Internet, bem como a inovação e os consumidores, é aumentar o controle sobre o uso do meio, da infraestrutura física. Modelos diferenciados de cobrança e tratamento dos pacotes podem resultar no fim do modelo descentralizado da Internet, e o início da oferta de pacotes fatiados por tipos de serviços, o que não seria aceitável, por ir contrariamente à inovação, aos direitos do consumidor, bem como à arquitetura aberta, livre e descentralizada da Internet, propensa a novos entrantes no mercado”, dizia o parágrafo lido no dia 11 de fevereiro, e tido como razão do chilique da bancada liderada por Eduardo Cunha. Tudo isso está mantido no texto votado ontem.
Mas os gregos falavam e aplaudiam os troianos. Ainda ontem o sindicato das empresas de telecomunicações emitiu parecer celebrando o resultado, por permitir pacotes diferenciados de serviços: “O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) recebeu de forma positiva a aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto de lei do Marco Civil da Internet O texto aprovado, mesmo não sendo em sua totalidade a proposta que o setor considera ideal para a sociedade, assegura que seja dada continuidade aos planos existentes e garante a liberdade de oferta de serviços diversificados, para atender aos diferentes perfis de usuários… Dessa forma, preservando democraticamente a liberdade de escolha dos consumidores, fica preservada também a oferta de pacotes diferenciados, como os de acesso gratuito a redes sociais, que hoje são utilizados por dezenas de milhões de usuários, especialmente nos celulares…”, diz o comunicado da teles.
Eduardo Cunha, que afirmava que um excesso de “intervencionismo” poderia criar empecilhos a negócios, desagradar as empresas e encarecer os serviços prestados, disse que seguiu o entendimento da bancada.
Antes da votação, um grupo de manifestantes havia levado ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), uma petição com mais de 340 mil assinaturas a favor do Marco Civil. Na ocasião, Alves disse que o projeto já estava “amadurecido” para ir à votação.
Molon insistia no argumento que conduziu a tramitação do projeto por dois anos, depois de uma longa temporada de debates, desde 2009, entre governo, legislativo e sociedade. “Hoje em dia, precisamos de lei para proteger a essência da internet que está ameaçada por práticas de mercado e, até mesmo, de governo. Assim, precisamos garantir regras para que a liberdade na rede seja garantida”, disse o relator.
A essência da mudança na justificativa está na forma como eventuais práticas consideradas como exceções à neutralidade serão aceitas. Antes, bastaria um decreto presidencial. Agora, um decreto desses dependerá de consulta junto à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ao Comitê Gestor da Internet (CGI), órgão com participação de governos, sociedade civil e empresários.
Outra mudança importante, ponto de resistência dos opositores do texto, foi a retirada do artigo que previa que as empresas estrangeiras fossem obrigadas a manter em território brasileiro centrais de armazenamento de dados. A questão havia sido inserida no texto a pedido do Executivo depois de denúncias mostrando que Dilma e empresas públicas foram alvo de espionagem dos Estados Unidos. Mas, por fim, o governo acabou convencido de que essa não é uma questão central para evitar a repetição desse tipo de situação.
Também se destaca no projeto o artigo que isenta os provedores de conexão à internet de serem responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros. Isso só ocorrerá se, após ordem judicial específica, o provedor não tomar as providências para retirar o conteúdo da rede. Alguns partidos chegaram a ameaçar brigar por uma emenda autorizando a remoção de conteúdo por simples notificação extrajudicial.
Desde outubro o texto do Marco Civil da Internet travava a pauta da Câmara devido a um pedido do Executivo para apreciação em caráter de urgência. O governo tem expectativa de apresentar a nova legislação durante a conferência multissetorial, a NetMundial, que será realizada em 23 e 24 de abril, em São Paulo, para debater a partilha da gestão global da rede, hoje, muito concentrada em mãos norte-americanas. Na visão do governo, o projeto representa um exemplo em nível mundial. O fato de ainda ter de ser votado pelo Senado não diminui o alívio. Mesmo que não ande a tempo na Casa vizinha, a aprovação de ontem tem força para embelezar a vitrine.
A página virada não diz respeito apenas aos interessados no Marco Civil da Internet, que sob regime de urgência trancava a pauta de votações da Câmara. Agora a fila vai andar.