Ao permitir que o acordo coletivo se sobreponha à CLT, o Estado abre mão de um instrumento para fazer a mediação nesse conflito entre classes sociais. Não podemos admitir que os setores empresariais aproveitem a crise política para impor seu programa e jogar a crise sobre os ombros dos trabalhadores
Por Lindbergh Farias
O Brasil passa por uma avassaladora ofensiva dos setores neoliberais e conservadores, que ameaça os avanços do governo Lula, as garantias de cidadania promulgadas na Constituição de 1988 e os direitos trabalhistas conquistados na Era Vargas.
O poder econômico, que não perde uma oportunidade para impor seu programa, aproveitou a discussão em torno da Medida Provisória 680 para desmantelar a nossa legislação trabalhista.
Diante do quadro de crise econômica e crescimento do desemprego, o governo federal editou essa MP para instituir o Programa de Proteção ao Emprego. A proposta foi discutida na Comissão Mista e sofreu alterações importantes. Uma delas, que foi incluída de contrabando na MP, que trata de um programa específico e temporário, ataca a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O artigo 11 do relatório aprovado na comissão mista inclui o seguinte item no artigo 611 da CLT: “As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem ou inviabilizem direitos previstos na Constituição Federal, nas convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificadas pelo Brasil, e as normas de higiene, saúde e segurança do trabalho”.
A aprovação de contrabando desse artigo que modifica a CLT consolida o “negociado sobre o legislado”, como dizem os juristas. Assim, os acordos coletivos entre as empresas e os sindicatos, que não estão regulamentados, passam a prevalecer e a CLT não será mais aplicada nesses casos.
Apenas sindicatos fortes, com alto nível de organização dos trabalhadores, conseguem negociar com os patrões de igual para igual, o que se restringe a poucas categorias na atualidade. A maior parte dos sindicatos, infelizmente, não tem essa condição. Além disso, muitos deles são dirigidos por pelegos, dispostos a “trocar” os direitos da categoria por benefícios escusos dos patrões.
Ao permitir que o acordo coletivo se sobreponha à CLT, o Estado abre mão de um instrumento para fazer a mediação nesse conflito entre classes sociais. Não podemos admitir que os setores empresariais aproveitem a crise política para impor seu programa e jogar a crise sobre os ombros dos trabalhadores.
Essa manobra faz parte de uma ofensiva neoliberal para enfraquecer o Estado brasileiro, privatizar os nossos recursos naturais (como o petróleo e os minérios) e flexibilizar a legislação trabalhista.
Em abril, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 4330/2004, que libera a prática da terceirização. Agora, os representantes dos empresários no Congresso aproveitam uma MP do governo para lançar mais um petardo contra o povo brasileiro.
Sob o falso argumento de aumentar a produtividade e diminuir o chamado “Custo Brasil”, as entidades empresariais atuam em diversas frentes para diminuir salários, aumentar a carga de trabalho e eliminar as garantias trabalhistas.
A CLT é um patrimônio dos trabalhadores, que conquistaram direitos civilizatórios com organização, lutas e greves no começo do século 20, depois de três séculos de escravidão. Se os acordos coletivos prevalecerem diante da lei, os trabalhadores perdem um patamar mínimo de direitos, enquanto os patrões poderão avançar sem limites e retirar conquistas históricas.
Esses acordos não são firmados entre patrões e trabalhadores com base em questões objetivas, mas se configuram como desfecho de um processo de enfrentamento entre dois lados que têm propósitos opostos.
Enquanto os trabalhadores lutam por melhores salários e condições para exercer suas atividades, os patrões querem ampliar seus lucros e diminuir os gastos com a força de trabalho. Todo trabalhador sabe bem que patrão e empregado não negociam em igualdade de condições.
O mais grave é que a MP 680 está na pauta do Plenário da Câmara dos Deputados e pode ser votada ainda neste mês. A inclusão de contrabando desse artigo em uma MP não foi gratuita, porque se sabe que os prazos impostos pelo regimento aceleram a votação.
Vamos atuar no Congresso Nacional para suprimir o artigo que entrou de contrabando no PPE, porque acreditamos que a CLT é uma garantia fundamental de direitos dos trabalhadores. Essa luta tem uma dimensão estratégica, já que o capital faz uma brutal ofensiva para suprimir conquistas para diminuir o custo da força de trabalho.
Por isso, precisamos de uma grande mobilização nacional dos sindicatos, movimentos populares, entidades estudantis, igrejas, coletivos de juventude, cultura e comunicação para barrar essa ofensiva, que quer impor ao país um retrocesso em relação à Era Vargas.
*Senador pelo PT do Rio de Janeiro