“A Anistia é a correção de uma grande injustiça”
O ex-coordenador da FUP, Antônio Carlos Spis, teve a sua anistia publicada no Diário Oficial da União do dia 18/03/2004, nove anos após ter sido arbitrariamente demitido pela Petrobrás. Spis, que atualmente integra a Executiva Nacional da CUT, soube através da imprensa que havia sido demitido junto com outros 24 petroleiros. O sindicalista relembra aqui os principais momentos da histórica greve de maio de 1995, fala das vitórias da categoria e dos desafios atuais.
É a correção de uma grande injustiça! Sempre que o patronato enfrenta uma Greve, logo fica imaginando que não conseguirá mais conviver com aqueles trabalhadores. No nosso caso foi pior: tínhamos um acordo assinado com o então Presidente da República, Itamar Franco, que não foi cumprido.
Além do mais, é um absurdo que uma empresa pública não tenha se apresentado para negociar durante as mobilizações e a Greve. Pior: Por que elencar 85 petroleiro(a)s para punir (os que foram demitidos durante a mobilização), numa Greve que foi de toda a Categoria? E para você, que liderou as greves de 94 e 95?
Bem, nunca me preocupei muito com Anistia. Anistia pra mim é perdão e concedido por parlamentares que raramente viveram aquele momento. Felizmente, tanto da Greve de 83 e a de 95, negociei meu acordo em “mesa de negociações”, com a presença da CUT e da FUP. Mas longe de ser contra, é um instrumento que deve ser buscado quando há intransigência da Empresa em negociar, como neste caso.
Além do mais, meu caso teve momentos muito particulares, como na negociação para a Anistia das multas. Eu e o Companheiro Maurício França Ruben (hoje na direção da Petros), ouvimos de Antonio Carlos Magalhães, que negociava pelo governo FHC:
“Anistia das multas tudo bem, extrapolou, mas você Spis,… você deu muito problema, Anistia dos Grevistas nem pensar,…você não volta mais!”
No mínimo traz uma satisfação pessoal.
A principal vitória, com certeza absoluta, foi ter iniciado um processo de desgaste do governo FHC, o que o obrigou a “comprar” a reeleição em 98 e não teve nem candidato à altura para enfrentar o LULA em 2002. Outras forças que se levantaram neste período tiveram um respeito muito grande pela nossa grande Greve.
Um deles foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, que tem uma história toda própria no movimento social, e que nos respeita muito. O Companheiro Zé Rainha dizia a toda hora na grande “Marcha dos 100 mil sobre Brasília/99”: Spis foram vocês que começaram tudo isso!!!
Criamos estratégias que fortaleceram as Bases na necessidade de continuar o movimento, mesmo com duras adversidades. Uma foi a posição de desmoralizar o TST nos julgamentos(quem não se lembra do jegue na porta do TST e togado?). Outra foi a “demissão coletiva” que freou a estratégia do governo de demissões diárias pela TV.
Houve também as Assembléias logo após a decisão de bloqueio das contas bancárias que reduziram a mensalidade sindical para R$ 0,01 (um centavo de real), para não caracterizar fraude à execução da sentença e remeter a diferença para as contas dos fundos de greve(ABCP’s).
Aqui cabe uma reflexão importante: só encontrei nestes meus sete anos de CUT, mais uma categoria que mantém fundo de greve permanente – os Aeronautas. Não podemos deixar cair esta estratégia… Fico triste ao saber que alguns(mas) Companheiro(a)s que fizeram acordo com a empresa e/ou ganharam ações de reintegração na justiça (e recebem seus passivos), “não têm devolvido aos sindicatos o dinheiro das ABCP’s”.
É um absurdo que tenha havido a sustentação econômica/jurídica/política, etc e tal do companheiro (as) durante o afastamento da empresa e agora o(a) Anistiado(a) não devolva o dinheiro para a continuidade da luta. Que “raio de anistiado(a) é esse(a)?” Quer ganhar duas vezes?
O Tasso Gereissati, então governador do Ceará, me ligou durante a Greve dizendo que tinha uma proposta para encerrar o movimento e que estava à minha disposição num hotel de Brasília. Avaliamos na FUP e decidimos ir encontrá-lo pelo fato dele ser do PSDB e ser um dos formadores de opinião ouvidos por FHC.
A imprensa tinha um plantão permanente defronte à FUP, em Brasília, e por menor movimento que fizéssemos, saía a nos seguir. Pegamos um taxi e orientamos o motorista a despistá-los. Nós éramos conhecidos de todos em Brasília e o motorista acabou “comprando a idéia” e fez loucuras, tipo entrar em ruas contra-mão, etc e tal.
A proposta apresentada pelo Tasso foi uma “M”, ou seja: coloquem uma refinaria para operar como demonstração de boa vontade, que eu falo com FHC… Bem, não preciso completar a “M”. Interessante foi que ele nos garantiu que, em hipótese alguma, FHC chamaria o Exército.
No dia seguinte, o Companheiro Sampaio (então Presidente do Sindipetro PR/SC) me liga por volta das 23:30h, dizendo: “Spis, tem uma movimentação muito grande de tropas do Exército aqui em Curitiba e estamos com receio de que invadam a Refinaria de Araucária”. Disse a ele “fique tranqüilo que o Tasso acabou de nos garantir que FHC não fará esta loucura”.
Por volta das 2h da madrugada, começaram a pipocar as invasões. Toda a Direção da FUP permaneceu reunida e em vigília na sede de Brasília, fazendo contatos com nossas Bases e com Companheiros da CUT, do Movimento Sindical e Partidos Políticos para denunciar…
Montamos neste momento as estratégias de como as Direções dos Sindicatos das Bases invadidas deveriam se portar diante de tal truculência e como nos posicionaríamos na coletiva à imprensa, pela manhã.
Me prendi a este fato porque foi um grande momento onde tivemos um encaminhamento numa situação dramática e que teve resultado positivo. Mas, na verdade, a Direção da FUP sempre teve muita tranqüilidade para decidir sobre os fatos da Greve, porque as Direções todas dos Sindipetros, sem exceção, estavam num momento de muita maturidade política e garantiram a sustentabilidade e a continuidade da Greve.
Outro momento importante e grave foi quando, também através de um telefonema, Clotário, o RH da Empresa, me ligou e, como se estivesse querendo bater papo, seguramente preocupado com seu cargo, me disse: “Pô Spis, vamos resolver isso. Mas, você sabe que o ministro só me deixa negociar se você suspender a Greve…”.
Disse a ele: “Me manda um documento de que vocês estão abertos à negociar…”. Ele enviou! Liguei então para o senador Eduardo Suplicy e montamos a seguinte estratégia:
O Suplicy solicitaria uma reunião com o Rennó (então presidente da Petrobrás), o que aconteceu. Fomos ao Rio com o Suplicy, mais 3 diretores da FUP, mais a Cristiane Luchese, então repórter da Folha de São Paulo. O Suplicy subiu ao 24º andar do Edise (a Presidência da Petrobrás) e eu, os Companheiros da FUP e a Cristiane, que se passava por assessora parlamentar, iniciamos um debate no 7º andar (RH), com o Clotário e Cia.
No dia seguinte, saiu estampado na primeira página da Folha e São Paulo de que tinha havido uma negociação da Petrobrás com a FUP. O então ministro de Minas e Energia, Raimundo Brito, ficou possesso. Foi ao Rio e enquadrou o Clotário…
De volta à Brasília, ainda no aeroporto, o Companheiro David (Diretor da FUP) me liga no celular e diz: “Sabe da maior? O Clotário morreu!”
A Categoria, bem como as Direções Sindicais, ficou mais exigente. Me lembro que inventei o termo “qualificação de Greve” logo ao final do movimento, porque avaliei que seria muito ruim não apontar nada de mobilização e só ficar dando resposta às perguntas capciosas da grande imprensa, que fazia análise de uma Greve derrotada.
Por mais que falássemos das estratégias da Greve, de que ela foi vitoriosa, de que não deixamos de produzir gás de cozinha em respeito às donas de casa, de que o TCU comprovou esta produção de gás, etc … Nossos argumentos não eram divulgados. Saímos, então, pelos Estados fazendo a tal “qualificação de Greve”.
As cobranças daquela época perduram até hoje. A categoria cobra: “não queremos fazer uma Greve tão longa assim, temos que resolver a mobilização em menor tempo…”
Após a greve de 95, foi natural que proliferassem as estratégias de defesa nos processos jurídicos(trabalhistas e federais), mas, sinceramente, apesar das adversidades – demissões, afastamentos, corte do salário, férias, 13º, etc – não senti uma categoria revoltada com as direções, mas sim com o governo FHC e a direção da Petrobrás.
De início, a CUT e diversos Sindicatos faziam avaliação negativa da greve também. Mas, com o tempo, essa posição foi mudando e hoje a história registra a nossa greve como um grande momento da Classe Trabalhadora Brasileira. Me impressiona a quantidade de teses que são embasadas na Greve de 95. De lá para cá, seguramente, já dei mais de 20 entrevistas para o meio acadêmico.
O principal desafio da Classe Trabalhadora é conseguir inserir no projeto de política econômica do Governo Lula dispositivos de geração de emprego e renda. Estamos num governo de disputas e se os “Sem Terras” deixarem de ocupar terras; os “Sem Tetos” deixarem de ocupar espaços urbanos e os “Sem Emprego” deixarem de ocupar fábricas falidas e de fazerem propostas que gerem emprego, seguramente não teremos a Reforma Agrária, nem a Reforma Urbana e muito menos os empregos tão esperados.
Infelizmente, o primeiro ano do governo Lula gerou mais 700 mil desocupados…Neste embate, só existe a perspectiva de vitória se sensibilizarmos a sociedade para as nossas propostas. Como não temos meios de comunicação de massa à disposição do movimento sindical e do movimento social (uma TV por exemplo), temos que sair às ruas e levar nossas bandeiras, aproveitando momentos marcados no calendário, como o “Primeiro de Maio” e/ou criando momentos específicos.
A UNE e a UBES estão criando um calendário para debates com a sociedade sobre ensino público gratuito de qualidade, bem como a “Reforma Universitária sob a ótica dos estudantes”.
Após a vinheta de abertura do Jornal Nacional da TV Globo, entra a primeira notícia:
“Começaram as demissões dos Petroleiros em Greve – o líder Antonio Carlos Spis e mais 24”.
No dia seguinte, a imprensa à FUP dizer os nomes dos 24 demitidos. Meu nome foi colocado no ar, ao vivo…
Sinceramente, depois de todo o alarde que o governo FHC tinha feito, de que estava preparando uma punição exemplar, eu esperava muito mais demissões. Esperava, por exemplo, umas 5.000 de cara, para que não tivéssemos a mínima chance de lhes garantir assistência através dos fundos de greve. Senti até um alívio, porque já tínhamos passado com sucesso por situações muito mais adversas.
A publicação da anistia no Diário Oficial servirá como registro histórico. Não traz nenhuma emoção maior. Como já disse, Anistia é perdão. Vale mais as negociações de mesa, garantidas pelos Sindicatos e a FUP e, de preferência, com a base mobilizada.