Hora do Povo
Diretora da ANP puniu fiscais que se atreveram a multar a empresa OGX, de Eike Baptista, por irregularidade
Os leilões da 11ª Rodada, na qual a Agência Nacional do Petróleo (ANP) pretende colocar a retalho 289 blocos para exploração petrolífera, estão marcados para os próximos dias 14 e 15. Às vésperas da hora, disse a senhora Magda Chambriard, diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP): “Na última reunião de diretoria, vimos os planos de avaliação da Petrobras, que são longos, enquanto os da OGX levam 5, 8 meses. Gostaria de ter mais Eikes’ nos leilões, ele pelo menos entrega produção“. Magda considera a empresa do sr. Eike Batista um verdadeiro fenômeno: “a OGX já furou mais de cem poços. Ela investe mais do que as outras, até mais do que devia, e faz as coisas mais rápido que as outras”.
Comparar a OGX com a Petrobrás é como comparar a Enterprise, nave estelar do capitão Kirk, com a carroça de boi que o Mazzaropi arrumou para alguns dos seus filmes. O leitor poderia perguntar se a senhora Magda sabe que a Petrobrás perfurou e mantém funcionando 15.437 poços produtores de óleo e gás, tal a fascinação da senhora diretora diante dos cem furos do Eike, quase todos, se verdadeiros, mal sucedidos. Será que a senhora Magda acha que o mais importante é furar e não achar petróleo? Ou será que ela acha que o objetivo da perfuração é não achar petróleo para manter a atmosfera limpa? Infelizmente, leitor, não é apenas ignorância ou estupidez – embora estas não sejam pequenas.
Resumindo: a OGX extrai 8.027 barris de petróleo por dia, sendo 6.000 barris no mesmo poço (v. SDP/ANP, Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural, março 2013, pág. 15).
Agora, o que diria a senhora Magda se existisse uma multinacional que – como a Petrobrás – extraísse, em média, 2.598.000 barris de óleo equivalente (isto é, petróleo e gás) por dia (cf. Petrobras, Relatório de Sustentabilidade 2012, pág. 3)? Se existisse uma multinacional que produzisse – como a Petrobrás – 97% do petróleo extraído no Brasil (cf. SDP/ANP, Boletim cit., pág. 16)? Se essa multinacional tivesse desenvolvido – como a Petrobrás – os 20 campos petrolíferos de maior produção, os 20 campos com maior produção total de óleo e gás, os 30 poços com maior produção de petróleo, os 30 poços com maior produção de gás natural e os 30 poços com maior produção total do país em barris de óleo equivalente (cf. SDP/ANP, Boletim cit., págs. 18 a 22)?
Não é evidente que – se fosse uma multinacional – a senhora Magda estaria pulando e babando (desculpem-nos a imagem) diante de tanta eficiência? Não é óbvio que, se fosse uma multinacional que tivesse – como tem a Petrobrás – 16,4 bilhões de barris de reservas provadas, 109 sondas, 137 plataformas, 31.265 km de dutos, 237 navios, 15 refinarias, 18 termelétricas e 8.507 postos de distribuição de derivados do petróleo, a senhora Magda e outros capachos estariam em êxtase?
Mas, como é a Petrobrás, até o arremedo de petroleira do Eike é mais eficiente – pois foi isso o que disse a diretora-geral da ANP. Mas para impor esse estupro ideológico, político e moral, mesmo dentro da ANP está sendo preciso perseguir e eliminar quem não aceita ser estuprado.
PERSEGUIÇÃO
O que é mais surpreendente na rancorosa perseguição ao funcionário Pietro Adamo Sampaio Mendes – movida com rara ferocidade pela senhora Magda e seus pares – é o próprio funcionário. E não somente porque não se intimidou, entrou na Justiça – e publicou sua defesa no site da Associação dos Servidores da ANP (ASANP).
Pietro Mendes – citado nominalmente 10 vezes na nota da ANP, em que é tratado como “servidor”, em tom de inconformismo por não ser um serviçal -, apesar de relativamente jovem (30 anos), é um pesquisador, ex-professor universitário da UFF, autor de vários trabalhos em sua especialidade, detentor de alguns prêmios profissionais, químico com especialização em petróleo e gás na Coppe/UFRJ, doutorado na Escola de Química da UFRJ (EQ/UFRJ) e cursos na Associação Brasileira de Química, no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, na Fundação Getúlio Vargas, na Escola de Administração Fazendária, no Institut Français du Pétrole, no American Bureau of Shipping, na Escola Nacional de Administração Pública e no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, entre outras instituições.
Pietro trabalhava há sete anos na Superintendência de Segurança Operacional e Meio Ambiente (SSM) da ANP, quando foi afastado da fiscalização por ter autuado a OGX, que operava sem uma válvula de segurança, a Downhole Safety Valve (DHSV), cuja função é fechar a saída de petróleo do poço, se houver algum acidente durante a extração.
“Eu estou aqui para fiscalizar. Se não puder fazer isso é melhor ficar em casa“, disse Mendes, que recebeu o apoio dos colegas da SSM/ANP. Um deles, Kerick Robery Leite de Sousa, também foi afastado da fiscalização – por apoiar Mendes. No caso de Kerick, segundo este declarou à imprensa, foi a própria diretora-geral, Magda Chambriard, que tentou coagi-lo, após sua defesa do colega. “Eu vi que Pietro estava sendo pressionado e não apenas eu, toda a nossa área considerou que a autuação de Pietro estava correta“, disse Kerick, químico que trabalha na ANP há três anos.
Por que essa perseguição a funcionários que só exerceram as suas funções – e estão sendo punidos apenas por exercerem as suas funções? Por que o assessor de imprensa da ANP publicou, na revista Época (24/04/2013), uma nota que termina com a ameaçadora frase “A ANP apurará a conduta do servidor“, como se o problema fosse a autuação – e não a falta da válvula de segurança? Por que a senhora Magda disse, pelo contrário, que o problema não foi a autuação, mas, sim, que “era outro fiscal que estava responsável pela fiscalização. Não tinha por que outro funcionário interferir” – quando, na verdade, Pietro Mendes recebeu o pedido de análise da OGX no dia 12 de novembro de 2012? Por que não foi concedido direito de defesa ao funcionário (cf. nota da Associação dos Servidores da ANP, ASANP, 24/04/2013)? Por que a diretora-geral não responde às solicitações da Associação dos Servidores da ANP, que desde o dia 10/04 solicita uma entrevista para discutir, entre outros, o caso dos funcionários afastados?
LIMA
Há poucas semanas, a HRT, uma empresa controlada por dois fundos especulativos – o Discovery Capital Management LLC, com sede nos EUA, e o Southeastern Asset Management, com sede em Singapura – e que age como fachada da BP, conseguiu ser classificada como “operadora A” – para poder operar em águas profundas – pela ANP. A experiência da HRT nesse assunto, segundo a própria diretora-geral, é ter cavado “meio poço na Namíbia”: “Estou discutindo com a Comissão Especial de Licitação esta questão. Questionando a minha área de segurança operacional para saber se perfurar meio poço é ou não considerado experiência. Isso é experiência no mar? O tempo é muito curto“.
A HRT tem como consultor o sr. Haroldo Lima, que antecedeu Magda na diretoria-geral da ANP. Lima deve ter usado poderosos argumentos para convencer a ANP e a senhora Magda, pois, em seguida, disse ela que “o que houve foi uma diferença de interpretação do edital do leilão feita pela CEL (Comissão Especial de Licitação)”. Quanto ao lobby de ex-diretores, como Lima, diz Magda que é natural:“Eu também, daqui a algum tempo, vou estar em alguma petroleira“.