Julgamento de ação da OAB pelo Supremo acende nova luz pela reforma política

Rede Brasil Atual

Parada no Congresso por força do poder econômico, a reforma política pode ganhar fôlego decisivo graças a uma outra frente aberta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em 2011, bem antes das manifestações que mudaram o rumo dos ventos no país, em junho deste ano, a OAB apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para que declare inconstitucional o financiamento privado de campanha nos moldes atuais.

“Empresa não é povo e financiamento eleitoral não pode ser investimento econômico”. A frase, repetida várias vezes pelo ex-presidente da OAB Cezar Britto, traduz bem o clima de expectativa da sociedade civil organizada com a pauta desta quarta-feira (11) no Supremo. Passados dois anos da apresentação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, o pleito da entidade ganhou novo significado com o pedido de Dilma Rousseff e a campanha encabeçada por várias organizações para garantir a aprovação de uma reforma política que limite o poder das corporações sobre o processo eleitoral e sobre a atuação de detentores de mandatos.

A ADI foi apresentada com o argumento de que a Constituição estabelece o exercício do poder democrático por meio de escolha popular. E o financiamento feito por empresas privadas aos candidatos termina afunilando esse processo e fazendo com que tais empresas sejam quem escolhe, de fato, a maioria dos parlamentares que desejam ver assumindo cadeiras no Congresso Nacional em defesa dos seus interesses. “Há uma troca de papeis terrível e o domínio do poder econômico nas eleições de uma forma que consideramos inconstitucional”, enfatizou Britto.

Na prática, o pedido consiste na alteração parcial de duas legislações: a Eleitoral (Lei 9.504/97) e a Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95) nos trechos em que é abordada a questão. Para o presidente nacional da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coelho, o financiamento privado de campanhas cria distorções diversas. Dentre estas, tanto a desigualdade política, na medida em que aumenta a influência dos mais ricos sobre o resultado dos pleitos eleitorais e, consequentemente, sobre a atuação do próprio Estado, como também pelo fato de impedir a vitória de candidatos que não possuem patrimônio para suportar os gastos de campanha.

“A elite econômica se mantém como tal não pela via da concorrência legítima no mercado econômico, mas através da conversão dos governos em instrumentos de realização de seus interesses”, é o argumento central da ação, de 36 páginas. “Se não há igualdade política entre os cidadãos, o sistema político se constitui não como democracia, mas como aristocracia, como governo de elites.”

Período de adaptação

No texto da ADI, a Ordem destaca que, diante de princípios constitucionais como a igualdade, a democracia e a República, cabe aos legisladores o dever constitucional de disciplinar o financiamento de campanhas eleitorais e evitar esse tipo de prática destoante. Mas a OAB não apresenta uma posição radical sobre o assunto e enfatiza, mais adiante, que seu pedido não significa dizer que a única opção possível para os legisladores deve ser impor o financiamento público. E, sim, que se deve estabelecer o que a entidade chamou de “limites e restrições significativas ao financiamento privado”, como forma de “proteger a democracia de uma influência excessiva e deletéria do poder econômico”.

A Ordem também pediu ao STF que, no caso da ADI ser considerada procedente, a prática não seja vetada em caráter imediato no país, mas só após serem definidas novas regras de transição, em um prazo de 18 meses, pelo Congresso. Caso deputados e senadores continuassem a atuar para barrar mudanças, caberia ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a definição de novas regras, de forma a evitar que se crie uma lacuna jurídica sobre o assunto. Embora a ADI tenha recebido anteriormente parecer positivo para a OAB – pela inconstitucionalidade do financiamento privado, por parte do então procurador-geral da Republica, Roberto Gurgel – o tribunal aguarda novo parecer do atual procurador-geral, Rodrigo Janot.

A relatoria está nas mãos do ministro Luiz Fux. Como a própria ação da OAB recorda, dois dos integrantes da Corte já se manifestaram contra os efeitos negativos provocados pelo financiamento privado: José Antonio Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso.

Para os representantes de entidades da sociedade civil que formam o movimento intitulado Coalizão pelas Eleições Limpas, bem como os parlamentares que reclamam da falta de estímulo, no Congresso Nacional, para ver aprovadas novas regras políticas no país, a votação do STF consiste em mais uma forma de aumentar a pressão contra o financiamento privado de campanhas e pela reforma política.

Anteprojeto sem novidade

A reforma política foi objeto de um grupo de trabalho instituído seis meses atrás pela Câmara dos Deputados, com representantes de cada um dos partidos com assento na Casa. O grupo concluiu um anteprojeto no início de novembro, para que seja iniciada tramitação no Congresso, mas o texto terminou sendo amplamente criticado por não apresentar grandes mudanças. Em torno do financiamento de campanha, o relator do colegiado, Cândido Vaccarezza (PT-SP), propõe a coexistência de um modelo misto, em que partidos poderiam optar se preferem o financiamento público ou o privado, proposta criticada por integrantes do partido do parlamentar e elogiada pelo PMDB.

Além disso, o projeto de decreto legislativo apresentado pelo líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), pedindo a realização de um plebiscito para discutir o tema com a população, também aguarda, em ritmo mais do que lento, votação quanto ao mérito na Comissão de Constituição e Justiça da Casa – mesmo com pedido de urgência feito pelo parlamentar.

Desde o final dos trabalhos do grupo técnico, parlamentares como Luiza Erundina (PSB-SP), presidente da Frente Parlamentar pela Reforma Política, e Henrique Fontana (PT-SP), afirmam em pronunciamentos e entrevistas que não acreditam mais na aprovação de um projeto de reforma consistente e que acabe com o financiamento privado de campanhas se não houver pressão popular. No último dia 27, com a participação do secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Raymundo Damasceno, 92 entidades da sociedade civil realizaram um ato público no país ampliando a coleta de assinaturas pelo projeto de iniciativa popular que trata do tema.

“O que se espera é que a votação da ADI da OAB pelo Supremo, na quarta-feira, seja um novo incentivo para fazer esse projeto, tão aguardado sair do papel”, afirma Sandro Fernandes, representante da União Nacional dos Estudantes, que também faz parte da coalizão. A UNE, ao lado de representantes da CNBB e diversas outras entidades, promete ir até a sede do tribunal para acompanhar o julgamento – que está previsto para ser iniciado na primeira parte da sessão, às 14h.