O evento reuniu 26 especialistas em comunicação e produtores de conteúdo do campo da esquerda, de diferentes plataformas digitais. Cerca de 150 pessoas participaram dos debates e das oficinas
[Por Alessandra Murteira, da imprensa da FUP]
Com a provocativa temática “Redes, Riscos e Ruas: A nova (des)ordem da informação”, o Sindipetro ES e a agência de comunicação Pulso Conteúdo reuniram nos dias 22 e 23 de junho, em Vitória, um elenco de 26 especialistas em comunicação, influenciadores e produtores de conteúdo do campo da esquerda, de diferentes plataformas digitais. O objetivo foi trocar experiências e debater novas estratégias de ocupação das redes, como tática fundamental no processo de mobilização da classe trabalhadora.
Dirigentes e jornalistas da FUP, do Sindipetro PR e SC e do Sindipetro PE e PB estiveram presentes, junto com outros 150 comunicadores e ativistas digitais que participaram dos dois dias do evento. “Esse encontro é uma sementinha que estamos plantando e queremos que se espalhe por todo o país, envolvendo mais e mais sindicatos”, afirmou o coordenador do Sindipetro ES, Nísio Hoffmann.
Além de discutir a batalha das ideias na internet e a construção de um ecossistema do campo da esquerda nas redes, o Encontro de Ativistas Digitais debateu a necessidade de regulação das plataformas, o fortalecimento das comunidades e redes de afeto, coletivos alternativos de comunicação, o marketing de influência como catalisador de uma rede de produtores de conteúdo progressistas e a necessidade de organização e mobilização para além das redes sociais.
“Nenhum outro evento no Brasil reuniu tantos produtores de conteúdo, intelectuais, ativistas e comunicadores para falar sobre comunicação, redes e atuação política. O que fizemos foi muito importante e especial. Espero, realmente, que esse tenha sido apenas um primeiro passo. Que venham outros, maiores e melhores”, destacou Lui Machado, estrategista de mídia da Pulso.
Durante o evento, foram realizadas sete oficinas com comunicadores, produtores de conteúdo e ciberativistas do campo da esquerda que compartilharam informações e dicas sobre produção de podcasts, mobilização popular nas redes, como criar audiência no TikTok e no Instagram, produção de storytelling para alavancar conteúdos, estratégia de anúncios para aumentar o engajamento e alcance nas redes, marketing de influência e utilização de dados nas plataformas.
As oficinas foram ministradas por comunicadores com vasta experiência e engajamento nas redes, como Laura Sabino, Humberto Matos (Coletivo Soberana), Cristiano Botafogo (Medo e Delírio em Brasília), Dimitra Vulcana, Carolline Sardá, Josué Alves, Henrique Parra (Boca de Lobo), entre outros.
Regular as plataformas
O painel que abriu o Encontro na última quinta (22/06) discutiu os desafios táticos e políticos da comunicação de rede para o campo progressista. Marina Pita, coordenadora-geral de liberdade de expressão e combate à desinformação da Secretaria de Políticas Digitais do Governo Federal, alertou para os riscos da falta de regulamentação da comunicação digital no Brasil, principalmente em uma conjuntura permeada por ataques à democracia e avanço do analfabetismo funcional e dos “desertos de notícias”, regiões onde não há veículos de comunicação para informar a população local. Ela destacou que, enquanto vários países estão criando mecanismos regulatórios para as redes sociais, no Brasil isso ainda é muito difícil, vide a campanha que as grandes corporações que controlam as plataformas fizeram para impedir a votação do Projeto de Lei 2.630/2020.
Também conhecido como “PL das Fake News”, o projeto propõe diretrizes para a Lei Brasileira de Liberdade na Internet, Responsabilidade e Transparência Digital e, por conta de seu caráter regulatório, tem sofrido ataques das chamadas “big techs” que controlam a internet no Brasil: Alphabet (Google e Youtube), Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp), Twitter, Byte Dance (TikTok) e Telegram.
Dever de cuidado
“Hoje, as plataformas digitais não podem ser responsabilizadas judicialmente pelo conteúdo que terceiros produzem e isso está sendo questionado pelo governo federal. Queremos que a regulação estabeleça o dever de cuidado sistêmico”, afirmou Marina, ressaltando a urgência de ações de prevenção à desinformação, de prestação de contas e de proteção ao usuário, através da criação de um órgão de supervisão e governança das plataformas, além da necessidade de regulação da publicidade na internet.
A advogada Flávia Lefèvre, especialista em direitos digitais, lembrou que, há pelo menos 20 anos, a direita se utiliza da internet para turbinar suas ações políticas e antidemocráticas no mundo. Ela enfatizou que a desinformação e o discurso de ódio não dependem só da regulação das plataformas digitais, pois a direita conta também com o apoio da mídia tradicional para reverberar pautas de interesse comum.
É o caso, por exemplo, da CPI que tenta criminalizar o MST. “Não dá para jogar todas as expectativas na lei”, afirmou Lefèvre, que defende o PL 2.630, porém cobra melhorias no texto. “O poder oligopolista das plataformas precisa ser debatido e questionado, mas não podemos perder de vista que é no campo digital que o debate público tem avançado no contraponto às pautas da extrema direita”, alertou.
Fortalecer os afetos
O historiador e youtuber Rodrigo Kenji, explicou que quando criou há cinco anos o canal Normose, quis levar a sua experiência de sala de aula para o streaming, com o objetivo de combater, da forma mais didática possível, a desinformação. Ele foi então percebendo que, além do conteúdo, “era preciso olhar para os afetos e a atenção”, pois na internet “tudo funciona dentro do medo, da paranoia, da insegurança”.
Kenji destacou que para enfrentar esse desafio de comunicação é preciso falar de afetos, lembrando que o medo e a paranoia são instrumentalizados pela extrema direita como afetos que geram imobilização. “A esquerda fica paralisada no contraponto à desinformação e não age, nem mobiliza as agendas de transformações”, ressaltou.
Redes alternativas
Para ele, a disputa por corações e mentes nas redes deve ser feita de forma organizada e coletiva, como aconteceu durante a cobertura da CPI da Covid. “Atuamos como uma comunidade e isso fortaleceu os afetos”, o que fez com que as pessoas se reconhecessem na mesma luta e saíssem da passividade. “Não adianta um ou dois youtubers criarem conteúdos isolados. É dentro dos coletivos organizados que está a saída. Precisamos investir em comunidades de comunicadores, com uma ação coletiva nas redes”, afirmou.
Na parte da tarde, o Encontro de Comunicadores e Ativistas Digitais do Espírito Santo aprofundou o debate sobre a construção de redes alternativas de comunicação, com uma mesa dedicada ao tema. O jornalista Fausto Salvatori, criador da Ponte Jornalismo, a comunicadora Dríade Aguiar, fundadora do Mídia Ninja, e Thainã de Medeiros, do coletivo de comunicação popular Papo Reto, do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, falaram sobre suas trajetórias e trocaram experiências com o público.
Galo: “A internet é a nova rua”
O segundo dia do evento (23/06) reuniu na mesa da manhã Paulo Galo, líder do Movimento dos Entregadores Antifascistas, o historiador João Carvalho, youtuber do canal Assim disse João, o coordenador de comunicação do MST, Wesley Lima, e a deputada estadual Camila Valadão (PSPL/ES). Galo falou sobre a importância do jaleco laranja como identidade visual dos trabalhadores petroleiros e como isso dá pertencimento à categoria e aos aliados na luta em defesa da Petrobrás. Ele comentou sobre a necessidade dos entregadores terem também uma identidade coletiva, de modo que possam se enxergar como classe trabalhadora e não empreendedores. “A internet é a nova rua, a greve não tem condições de parar a esteira, mas pode gerar uma imagem nas redes que faça o capitalista estremecer”, afirmou.
João Carvalho chamou atenção para a necessidade de resgate da sociabilidade do ser humano, que atualmente se torna cada vez mais atomista e individualizante. “Nosso desafio é retomar a sociabilidade de todos para todos, a internet é uma Ágora que precisa ser tomada e subvertida. A ideologia e a alienação trabalham juntas e o sujeito alienado se vê sozinho. Isso que temos que conter e o desafio da internet é isso. Somos influencers para abrir caminho para a construção de uma teia que organize a massa dos trabalhadores, pois quando nos organizamos, nos tornamos perigosos”, afirmou.
Pelo povo, com o povo e para o povo
O coordenador de comunicação do MST falou sobre a importância da massa de trabalhadores ser protagonista dos processos de comunicação, com criatividade e o exercício constante de olhar para a atualidade, mas também de resgatar os saberes populares. “Uma comunicação que seja construída pelo povo, com o povo e para o povo e que atue em três dimensões que não podem ser dissociadas: o anticapitalismo, o antipatriarcado e o antirracismo”, afirmou Wesley.
A deputada Camila Valadão destacou a luta de seu mandato por realizar uma comunicação coletiva, onde as redes sejam entendidas para além do reforço das personalidades. “Estamos fazendo na prática uma disputa sobre concepção da comunicação nas redes, buscando sempre a construção coletiva, pensando nossa linguagem e nossas imagens como símbolos que evocam e convocam”, explicou.
Estourar ou fazer a bolha crescer?
O quarto e último painel de debate do encontro “Redes, Riscos e Ruas – A nova (des)ordem da informação” discutiu o marketing de Influência a partir da criação de uma rede de produtores de esquerda, usando como estudo de caso o projeto Arrastão Digital que a Agência Pulso realizou para o Sindipetro ES. Para falar sobre o tema, foram convidadas a diretora de Conteúdo da Agência NMA, Maristela Vasconcelos, a consultora e pesquisadora de mídia digital e de escuta social, Mariana Antoun, e o estrategista de Mídia da Pulso, Lui Machado.
Especialista em gestão de imagem e reputação online, Mariana Antoun pautou sua fala em como fazer o ecossistema das redes ser ocupado de forma justa pelos comunicadores e dominar o uso das plataformas de forma estratégica, buscando “hackear os algoritmos”. “É preciso saber se é mais importante fazer a bolha crescer ou estourar a bolha. É legal quando a bolha estoura, mas é muito mais bacana quando a bolha cresce, foi o que aconteceu com o Arrastão Digital dos petroleiros”, destacou.
Com vasta experiência em marketing de influência, Maristela Vasconcelos lembrou que para trabalhar com as plataformas digitais tem que saber que não pode ser só emissor da comunicação. “Há bolhas e bolsões onde podemos construir comunidades e alcançar as pessoas, criar sentimentos de pertencimento”, explicou.
Influenciadores decodificaram o PPI
Lui Machado lembrou que o Arrastão Digital surgiu de uma situação bem difícil para os petroleiros, em um contexto político onde a categoria estava sendo atropelada pelo desmonte do governo Bolsonaro e pelas privatizações da Petrobrás. “Os conteúdos sobre a empresa que eram mais compartilhados nas redes eram todos defendendo a privatização”, lembrou.
Ele explicou que o Arrastão surgiu em abril de 2022, quando um dos ativos da Petrobrás no Espírito Santo, o Polo Golfinho, foi vendido pelo valor equivalente a três meses de produção. “Era preciso denunciar esse desmonte de forma que chegasse nas pessoas, pois a população, de uma forma geral, não sabe a importância da Petrobras e, após os ataques que a Lava Jato fez na imagem da empresa, ficou ainda mais difícil defende a necessidade da manutenção do controle do Estado sobre ela”, comentou. “O PPI foi uma forma de fazer chegar esse debate na população”, explicou Lui, referindo-se à campanha contra o preço de paridade de importação, que fez os combustíveis dispararem.
32 milhões de usuários alcançados
A campanha trabalhou em parceria com 14 perfis do campo da esquerda com influência e engajamento nas redes sociais e plataformas, como YouTube e TikTok. “Conseguimos colocar o PPI no debate público, fazendo com que esse assunto chegasse com mais facilidade nos nossos, porque a esquerda não sabia como debater isso”, contou. “O resultado foi muito importante e conseguimos vincular o aumento dos combustíveis ao governo Bolsonaro, mesmo quando ele tentava mudar a narrativa, como, por exemplo, culpar os presidentes da Petrobrás”.
O Arrastão Digital promovido pelo Sindipetro ES contou com apoio de outros sindicatos petroleiros e chegou a ter 32 milhões de usuários alcançados. “Através dele, conseguimos capacitar nossa militância para discutir o PPI com o taxista, o motorista do Uber, os vizinhos, enfim, foi um debate fundamental, principalmente durante as eleições”, afirmou o estrategista da Pulso.