[Artigo de José Sérgio Gabrielli e Rodrigo Leão (pesquisadores do INEEP) publicado originalmente pelo UOL]
A Petrobras anunciou a venda de campos terrestres na Bahia. Esse foi mais um passo dado pela estatal para sair completamente do nordeste. Processo que ganhou grande intensidade quando a refinaria do estado (RLAM) foi colocada no seu programa de desinvestimento.
Os defensores da venda da RLAM costumam dizer que esse processo trará benefícios tanto para a Petrobras como para os consumidores gerando um mercado mais dinâmico e competitivo.
Em primeiro lugar, a venda generalizada de ativos, embora traga recursos imediatos para a Petrobras, deve trazer dificuldades no médio prazo para a geração de caixa e, consequentemente, para financiar investimentos futuros. Em segundo lugar, o fundo Mudabala, provável comprador da refinaria, tem como prática adquirir ativos com dificuldades para depois revendê-los em outras circunstâncias e, por isso, não costuma realizar grandes investimentos nesse tipo de ativo. Em terceiro lugar, vários estudos têm apontado que, dadas as condições estruturais de abastecimento no Brasil, não haverá aumento da concorrência com a transferência de ativos da Petrobras para empresas privadas.
Recente estudo promovido pelo Departamento de Engenharia Industrial (DEI) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) considera que há uma perspectiva elevada de formação de um monopólio privado na região onde a RLAM atua. De acordo com o DEI/PUC-RJ:
“Há uma alta probabilidade de estabelecimento de monopólio regional privado no estado da Bahia. Restrições logísticas para ingresso na área de influência da Rlam de produtos de outras refinarias e/ou importados, com exceção do norte do estado da Bahia, que poderá sofrer pressões competitivas da Rnest”.
O Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) aponta que um outro limitador para um aumento da concorrência no mercado de refino é o perfil bastante diferenciado entre as refinarias da Petrobras. Isto é, cada refinaria da Petrobras tem um mix de produção de derivados diferente, o que impede a concorrências entre elas.
No Nordeste, as três refinarias colocadas à venda têm estruturas produtivas bem diferentes. Em 2019, a produção da Lubnor se concentrou em asfalto (45%). A produção da Rlam se dividiu em óleo diesel (35%) e óleo combustível. A produção da Rnest, por sua vez, se concentrou em óleo diesel (66%) e em nafta (15%). Além disso, existem derivados somente produzidos pela Rlam, como gasolina. Nesse quadro, para a grande maioria dos derivados não existiria competição pelo simples fato de algumas refinarias não produzirem determinados derivados ou pela estrutura das refinarias estarem concentradas na produção de diferentes tipos de derivados.
No caso da venda dos ativos terrestres, a justificativa seria de que empresas medias e pequenas alavancariam os investimentos dessas áreas. Para corroborar o argumento, a Petrobras alega que, no mercado americano, 25% da produção está mão dessas empresas, enquanto no Brasil apenas 5%. O que não é explicado é a diferença gigantesca das condições de mercado dos dois países.
Historicamente, as grandes empresas americanas voltaram-se, desde cedo, a buscar petróleo cru fora dos EUA, investindo no Oriente Médio, Ásia e América Latina, deixando a produção doméstica com pequenas e médias empresas. Com isso, as corporações menores dominaram os investimentos da produção terrestre dos EUA. Além disso, a infraestrutura logística, de dutos e ferrovias, foi regulada para uma maior abertura e redução do controle dos grandes compradores, criando-se um sistema que viabilizasse a entrega da produção de múltiplos produtores destinada a múltiplas refinarias, também de propriedade pulverizada. O sistema, portanto, tinha muitas pequenas empresas na produção, na logística e no refino. A indústria de operação de sondas e de fornecimento de insumos para a perfuração e produção também se pulverizou, dando uma grande flexibilidade para o fornecimento de equipamentos e serviços para a produção.
A história no Brasil é completamente distinta. A produção, desde o seu início dependeu da Petrobras que foi praticamente a única produtora por muitos e muitos anos. A estrutura logística foi inteiramente bancada pela Petrobras, que também controlava as refinarias e a comercialização dos derivados, em disputa com as grandes importadoras. Os dutos foram construídos de forma a integrar sistemas de produção médios e grandes, otimizando os poucos equipamentos existentes. A malha terrestre de escoamento foi planejada para otimizar o conjunto de poços e não cada um de por si. Sondas de perfuração sempre foram um equipamento escasso, com poucas firmas dedicadas ao investimento nesse setor. Insumos eram, na maior parte das vezes, importados, pois não havia produção nacional. Os sistemas de separação óleo-água, que se tornam cada vez mais importantes à medida em que os campos amadurecessem, eram também integrados e bancados pela grande Petrobras.
Para agravar esse cenário, com os preços atuais de petróleo, várias técnicas de recuperação avançada de campos maduros se tornam economicamente inviáveis. O custo dos investimentos necessários para a adoção dessas técnicas exigiria das pequenas e medias empresas do Brasil uma capacidade investimentos que elas não têm. Nesse sentido, a saída da Petrobras pode significar, ao invés de aumento, uma retração de recursos gastos com exploração e produção terrestre.
Dessa forma, os argumentos utilizados para a venda dos ativos da Bahia, do nosso ponto de vista, não dialogam com a realidade do mercado de E&P e de refino no Brasil. As comparações com casos internacionais não podem excluir diferenças tão gritantes que terão efeitos completamente distintos, caso estratégias semelhantes de outros países sejam aplicadas no Brasil.