Indignados da Espanha já discutem nova Constituição

 

Carta Maior, reportagem é de Guilherme Kolling e Naira Hofmeister

Impulsionados pela repercussão positiva dos protestos diante do Congresso no mês passado – apoiados por 77% dos espanhóis – representantes de assembleias cidadãs constituintes de todo o país se reuniram em Madri para organizar a discussão de uma nova Carta Magna a partir da participação popular. Parlamento voltará a ser rodeado por manifestantes na próxima semana, durante votação do orçamento.

A luta dos Indignados da Espanha por um novo sistema político avançou mais uma etapa. Representantes de assembleias cidadãs de todo o país passaram o sábado reunidos, em Madri, para organizar um novo processo constituinte. Foi o segundo encontro do ano – o primeiro levou 200 pessoas a Cádiz, em março.

A mudança nesses sete meses é o apoio popular ao movimento, depois dos protestos do final de setembro no Congresso, quando dezenas de milhares criticaram o modelo vigente e pediram uma nova Constituição.

“Há poucos meses, falar em um processo constituinte era algo quase inatingível. Hoje em dia já é bem aceito por grande parte das pessoas. O 25-S (referência a 25 de setembro, data em que o Congresso foi rodeado por manifestantes) deu respaldo à proposta e repercussão ao movimento”, observou o representante de Valência na reunião – embora recordem o tempo todo que o que estão fazendo não é ilegal, sempre há reticências entre esse militantes de que se publique seus nomes, razão pela qual a reportagem os identificará apenas com a região que representam.

A Carta Magna da Espanha é de 1978, foi elaborada pouco depois do fim da ditadura do general Francisco Franco. Diversos setores da sociedade, inclusive partidos políticos e sindicatos já falam da necessidade de reformas pontuais. Entretanto, os Indignados cobram a elaboração de um texto completamente novo a partir de um processo popular, “de baixo para cima”, exaustivamente debatido antes de ser aprovado.

O grupo de trabalho ainda é pequeno e busca agregar a maior quantidade possível de atores sociais. Por isso, uma preocupação é não tomar decisões que afastem de antemão outros segmentos. Por exemplo, a maioria desse núcleo que iniciou a discussão defende um Estado republicano – a Espanha é uma monarquia –, mas muitos consideram que não é apropriado definir esse ponto agora, já que poderia prejudicar a participação de monarquistas ou anarquistas.

“Somos apenas uma parte da população. Muita gente não pensa como nós pensamos. Então, devemos ter uma visão de integrar o povo nesse processo e aceitar ideias opostas. Nosso papel como cidadãos constituintes é impulsionar essa discussão”, sustentam vários ativistas.

A busca de consensos mínimos ainda vai ser longa. Os cerca de 80 representantes de assembleias cidadãs de 15 províncias do país ibérico não conseguiram eleger uma plataforma comum entre todos durante a reunião deste sábado no Centro Autogestionado Tabacalera, em Madri. Ficaram de organizar um novo encontro em breve.

Alguns saíram frustrados com a falta de definições e nem esperaram o final dos debates. Mas a maioria segue acreditando que o formato escolhido é o correto. “Devemos entender que a evolução de um debate como esse é lenta. Ainda mais se for feita de baixo para cima como queremos, vai demorar mais ainda. O importante é que seja com a maior participação popular possível”, reforçou o representante de Sevilha.

Pesquisa confirma que população quer mudanças

A bandeira da nova constituinte foi formalizada durante o protesto de 25 de setembro em frente ao Congresso, mas o tema saiu do foco por alguns dias em função dos confrontos entre policiais e manifestantes. Políticos, especialmente do conservador Partido Popular, criticaram o ato, casos do presidente do governo da Espanha, Mariano Rajoy, e de sua vice, Soraya Sáenz de Santamaría. Ambos bateram na tecla de que preferem a maioria silenciosa, que não saiu às ruas.

Entretanto, pesquisa do instituto Metroscopia, divulgada pelo jornal El País no início de outubro, mostrou que 77% dos espanhóis apoiam o 25-S. E um número ainda mais expressivo, 93%, estão de acordo com mudanças na Constituição.

Há muitos coletivos no país trabalhando por plataformas distintas, mas que são complementares: os que lutam pelo fortalecimento dos serviços públicos, os que defendem uma política habitacional que proteja aos mais pobres, aqueles que pregam mudanças urbanísticas com base em debates entre vizinhos. Todos entretanto estão insatisfeitos com os canais abertos pelo governo para que os cidadãos atuem na política.

Um dos participantes da reunião de sábado, que pertence a diversos coletivos, lembrou a importância de integrar as reivindicações para permitir uma ação coordenada entre todas as organizações que apoiam uma mudança no sistema. “Eu participo de pelo menos outros dois grupos que tratam exatamente do mesmo tema que estamos discutindo aqui. É preciso agregar todas essas pessoas para unir forças.”

Deputados alemães dialogam com o 15-M

A luta por mudanças no sistema político tem respaldo popular Espanha, mas é quase ignorada no âmbito governamental. Entretanto, no exterior há grande interesse. Além do destaque dado pela mídia internacional, os Indignados – que rechaçam os partidos políticos locais – são procurados por governos e políticos de outros países. Em maio, por exemplo, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, se reuniu com ativistas em Madri.

Na semana passada, foi a vez de uma comitiva do Bundestag, o Parlamento da Alemanha. Os deputados tiveram encontros com diversos setores da sociedade espanhola para falar sobre a crise e a agenda incluiu uma reunião com o 15-M, como o movimento é conhecido, por ter nascido em 15 de maio de 2011. “Infelizmente, aqui no nosso país o governo não nos ouve”, reclamaram aos alemães.

Resta saber até quando, porque os protestos continuam. No sábado, atos do globalnoise – uma rede internacional que questiona o poder estabelecido – aconteceram em Madri, Barcelona, Valência, Málaga e Sevilha, além de dezenas de outras cidades do mundo. Com o lema “Não devemos, não pagamos”, uma marcha contra os cortes nos gastos públicos percorreu a avenida Castelhana entre a sede da União Europeia na capital espanhola e o Congresso.

E o Parlamento nacional vai ser cercado pelo povo mais uma vez, em 23 de outubro, quando será votado o orçamento de 2013. Uma das principais críticas é de que um de cada quatro euros previstos nos gastos do próximo ano será utilizado para pagar juros da dívida.

Enquanto isso, até a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, admitiu que o ajuste fiscal na Espanha, Grécia e Portugal, passou do ponto, prejudicando a economia desses países. A executiva do FMI defendeu que haja mais tempo para que os governos atinjam as metas de déficit. Ponto para a tese dos Indignados.