Greve geral da Grécia: o povo não quer se sacrificar pelos banqueiros

A Grécia foi paralisada nesta quarta-feira (5) por uma greve geral da classe trabalhadora contra o novo pacote





Vermelho

A Grécia foi paralisada nesta quarta-feira (5) por uma greve geral da classe trabalhadora contra o novo pacote negociado pelo governo social-democrata liderado pelo primeiro-ministro George Papandreou com o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia. O protesto foi temperado por manifestações de rua e confrontos com a polícia. Pelo menos três pessoas morreram.

Por Umberto Martins

Houve uma adesão generalizada ao movimento. O país amanheceu sem transportes, o comércio fechou a partir das 12 horas, as escolas não abriram, os serviços públicos não funcionaram, os navios permaneceram imobilizados nas docas, hospitais operaram em esquema de emergência, as máquinas ficaram ociosas nas fábricas, jornalistas, advogados e médicos também decidiram cruzar os braços.

Contra o FMI

Pela manhã, cerca de 60 mil pessoas marcharam no centro de Atenas portando faixas e gritando palavras de ordem contra o governo e o FMI. Em mais de uma ocasião, a polícia reprimiu o povo com gás lacrimogêneo e cassetetes. Alguns manifestantes revidaram e houve confrontos.

A greve envolveu trabalhadores e trabalhadoras de setores públicos e privados, evidenciou o poder da classe unida (nenhum país funciona e nada se produz sem a força de trabalho) e foi mais um vigoroso pronunciamento popular em defesa de direitos e conquistas arrancados com muita luta no passado, assim como contra as falsas soluções para a crise que o governo quer impor por determinação do FMI e da cúpula da União Europeia.

Partido Comunista

O Partido Comunista da Grécia (KKE) esteve à frente dos protestos e fez um apelo ao conjunto dos trabalhadores europeus para unificar forças com os gregos e enfrentar a ofensiva reacionária das classes dominantes no contexto da crise fiscal provocada pela dívida externa.
A mensagem rebelde dos grevistas transpareceu nas faixas e cartazes exibidos nas ruas de Atenas: “taxem os ricos”, “não pagaremos pela crise dos ricos”, “não toquem nas nossas pensões”, entre outras do mesmo gênero.

As razões dos trabalhadores e trabalhadoras, apoiados por mais de 50% da nação, segundo pesquisas recentes, são fortes. O pacote sugerido pelo FMI e acatado pelo governo social-democrata prevê redução e congelamento de salários, corte de benefícios e direitos como 13º e 14º salários, flexibilização da legislação trabalhista, elevação da idade mínima para aposentadoria e aumento de impostos. Tais medidas devem ser analisadas nesta quinta-feira (6) pelo Parlamento, onde o governo tem maioria.

O pensamento das classes dominantes, transmitido pelo FMI, pelos analistas e porta-vozes dos mercados e reiterado ad nauseam pela mídia, sustenta que não há outra saída, mas isto não é verdade, ou melhor, é a verdade do capitalismo neoliberal. O pronunciamento do social-democrata Papandreou pedindo o “sacrifício” do povo, por sinal, soa patético no eco da greve.

Filme antigo

Para a oligarquia financeira, fração hegemônica da classe capitalista na economia moderna, certamente o pacote do FMI é a melhor e quem sabe a única solução possível. Afinal, todo o “plano de austeridade” foi bolado precisamente para impedir a moratória e garantir o pagamento dos juros, embora seja cinicamente apresentado como a “salvação da pátria”.

O povo brasileiro já viu este filme. A intervenção intermitente do FMI na política econômica a partir de janeiro de 1983 até o último governo FHC viabilizou o pagamento dos juros da dívida externa contraída pelo regime militar, mas resultou em mais de duas décadas perdidas, redução substancial da participação dos salários no PIB, precarização das condições e relações de trabalho, desemprego em massa, desnacionalização, privatização e outras misérias.

Dois pesos e duas medidas

A perspectiva para a Grécia não é diferente, talvez seja pior. Estima-se que o país não retomará os níveis nominais do seu PIB antes de 2017. Como todas as amargas receitas do FMI, a que está sendo sugerida aos gregos tem um nítido caráter recessivo e um sentido oposto ao que foi e ainda vem sendo feito pelas potências capitalistas para reverter a crise irradiada pelos EUA.

Obama incorreu num déficit público superior a 1,6 trilhão de dólares em 2009, a dívida pública americana se aproxima de 15 trilhões de dólares, Tio Sam vive muito além dos seus meios e isto cria sérios desequilíbrios para a economia mundial. Mas o FMI não ousa dar palpites, ninguém recomenda aos norte-americanos gastar menos e poupar mais para pagar a dívida.

Crise do capitalismo

A Grécia não é um caso isolado, constitui um elo frágil do imperialismo europeu, a exemplo de Portugal e Espanha. A crise no país helênico é sintoma de uma patologia mais profunda cuja raiz remete ao processo de reprodução do capital no interior da ordem imperialista e de valorização do capital na esfera financeira.

É uma crise do capitalismo neoliberal e da atual ordem imperialista. Uma solução justa e progressista não será alcançada nos marcos deste sistema. Esta é a mensagem de fundo que deve ser percebida na greve geral que paralisou a Grécia nesta quarta-feira. O protesto que abalou o euro e a Europa é um grito indignado contra aqueles que dizem que não há outra solução fora da racionalidade irracional do capital financeiro. A luta da classe trabalhadora e dos povos há de abrir novos caminhos para a sociedade humana e não só na Europa.