“Se mexerem com um petroleiro será como se tivessem mexido com todos”. Essa frase foi dita 25 anos atrás pelo então coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Antônio Carlos Spis, em resposta às demissões de petroleiros que participavam de uma greve exigindo o cumprimento de acordos pactuados em 1994.
O ano era o de 1995 e a greve, que teve inicio no dia 3 de maio, se transformou no mais longo movimento paredista da categoria petroleira. De inicio, os petroleiros aderiram à greve geral dos servidores públicos federais e de empresas estatais por reposição salarial, contra as reformas constitucionais e contra o programa de privatização do governo de FHC (PSDB), que enviou ao Congresso um projeto de emenda constitucional que visava acabar com o monopólio da Petrobrás sobre a exploração e produção de petróleo. FHC também queria a quebra do monopólio das telecomunicações.
Mas pouco a pouco as outras categorias a exemplo dos eletricitários, telefônicos, trabalhadores dos Correios e servidores federais, encerraram os seus movimentos, ficando apenas os petroleiros que acabaram por se transformarem em símbolo de resistência ao permanecerem durante 32 dias de braços cruzados, em greve, enfrentando corajosamente o governo de FHC, que reprimiu duramente o movimento.
O objetivo final do governo neoliberal de Fernando Henrique sempre foi o de privatizar a Petrobrás. Isto ele não conseguiu. A greve e outras lutas protagonizadas pelos petroleiros deram fim ao ideal entreguista do presidente tucano. Hoje, 25 anos depois, os petroleiros continuam à frente dessa trincheira em defesa da Petrobrás, mas com agravantes, pois a luta é mais árdua. Vivemos sob as “ordens” de um governo que flerta com o fascismo e que desde o seu inicio deixou claro que não veio para construir. O foco é a destruição. E que tem sido feita de forma competente. A Petrobrás é um dos alvos principais e a tática do governo Bolsonaro e da atual gestão da estatal é a de “comer pelas beiradas”, fechando unidades como a Fafen, paralisando sondas e campos de petróleo, reduzindo e encerrando contratos, implementando programas de demissão voluntária (um atrás do outro), reduzindo direitos e demitindo. Além de ter colocado à venda 8 refinarias e campos de petróleo, que ainda não foram vendidos por causa da crise do petróleo e do coronavírus.
Diante desse quadro caótico aumenta a responsabilidade e também a necessidade de intensificar a luta que hoje não é só em defesa da Petrobrás ou contra o arrocho salarial e perdas de direitos, mas em defesa dos empregos.
Em respeito à história dos petroleiros, em respeito a todos aqueles que perderam seus empregos ou morreram para garantir muitos dos direitos que a categoria tem hoje, temos de dar continuidade a essa luta e ampliá-la. Apesar do desrespeito da atual gestão da Petrobrás com os trabalhadores, FUP e Sindipetros, apesar das atitudes antissindicais da estatal e da perseguição e assédio moral da gerência, apesar da proibição para realizar atos e mobilizações devido ao coronavírus, temos que encampar essa luta. Temos de nos reinventar. Temos de ter consciência que a maior das lutas agora é pelos empregos que estão sendo perdidos. Sem petroleiros, não há Petrobrás. É o que eles querem que aconteça. Mas como em 1995, não vão conseguir.
Resistência e união foram marcas da greve
A greve de 1995 ficou na história não só pela sua grande duração, mas também pela resistência e união dos petroleiros e petroleiras, que chegaram a organizar um documento com a demissão coletiva da categoria para ser entregue à direção da Petrobrás.
A repressão lembrava os tempos da ditadura militar. FHC, revelando o seu estilo autoritário, enviou o Exército com tanques e metralhadoras para ocupar as refinarias da Petrobrás. Os grevistas não se intimidaram. A mídia jogava contra, fazia terrorismo, acusando a categoria pela falta de derivados de petróleo e, principalmente, do gás de cozinha. Narrativa que veio abaixo em novembro de 1995, quando o Tribunal de Contas da União concluiu que as distribuidoras foram responsáveis pelo desabastecimento de gás durante a greve dos petroleiros.
Por duas vezes, apesar da legitimidade das reivindicações da categoria, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), julgou a greve abusiva, acabando por impor à FUP e aos sindicatos uma multa de R$ 100 mil por cada dia não trabalhado, uma decisão claramente política que levou os petroleiros a endurecer o movimento, que ganhou apoio de diversas categorias que realizaram passeatas no Dia Nacional de Solidariedade à greve dos trabalhadores da Petrobrás, instituído pela CUT.
A greve foi suspensa após uma frente parlamentar formada por representantes de vários partidos intermediar pela reabertura das negociações com a empresa. A direção da Petrobrás aceitou voltar à mesa de negociação e comprometeu-se a cancelar as punições e a parcelar o desconto dos dias parados. A FUP indicou a suspensão da greve no dia 02 de junho, o que foi aprovado pela categoria em todo o país, com exceção dos 300 trabalhadores que ocupavam a RPBC, em Cubatão. Eles só deixaram a refinaria no dia seguinte (3 de junho),cantando o hino nacional e cobertos pela bandeira brasileira, em uma das mais emocionantes cenas da greve de 1995.
Mesmo com o fim da greve, os sindicatos e a FUP tiveram suas contas bloqueadas, o repasse das mensalidades dos associados retido e os bens penhorados. Cada um dos 20 sindicatos que participaram do movimento recebeu multas de R$ 2,1 milhões. Ao todo, 73 trabalhadores foram demitidos, entre eles vários dirigentes sindicais, sendo que na Bahia aproximadamente 22 petroleiros perderam seus empregos. Mais de mil petroleiros foram punidos, a maioria com suspensões de até 29 dias. Para manter-se na luta, alguns sindicatos foram obrigados a atuar quase que em clandestinidade. Tamanha repressão sofrida pelos trabalhadores e pela organização sindical só havia ocorrido no Brasil durante a ditadura militar.
Somente em 2003, após as mudanças políticas que aconteceram em função da eleição do presidente Lula, é que as demissões e punições começaram a ser revistas pela Petrobrás. A FUP, através de participação em comissões interministeriais e da postura firme nas campanhas reivindicatórias, garantiu a anistia de 88 demissões, 443 advertências, 269 suspensões e 750 punições de trabalhadores que participaram das greves de 94 e 95. Além disso, a luta pela anistia trouxe de volta aos quadros da Petrobrás mais de mil trabalhadores das extintas Interbrás, Petromisa e Petroflex.
Anistia das multas impostas aos sindicatos
Após ter vetado em abril de 1996 o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional de anistia das multas arbitrárias impostas pelo TST, o tucano FHC tentou, mais uma vez, barrar a anistia, dois anos depois. Alguns sindicatos já estavam na iminência de terem seus bens leiloados pelo Tribunal, em mais uma das explícitas demonstrações de abuso de poder por parte do governo do PSDB/DEM. Prevendo o desgaste político que sofreria, o presidente Fernando Henrique recuou e sancionou, parcialmente, alei de anistia, em julho de 1998, vetando o artigo que dava direito aos sindicatos de receberem de volta os valores retidos pelo TST desde 1995.
[FUP e Sindipetro-BA]