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Sob grande comoção e simbologia, o governo federal, na figura da Comissão de Anistia, promoveu nesta sexta-feira (15) na Faculdade de Geociências da USP (Universidade de São Paulo) o ato oficial de anistia a Alexandre Vannuchi Leme, assassinado pela ditadura militar em 1973, reconhecendo sua responsabilidade pela morte e pedindo desculpas à família.
A celebração fez parte da 68ª Caravana pela Anistia e integrou a semana de atividades em homenagem aos 40 anos da morte de Alexandre.
Visivelmente emocionada, a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse sentir-se envergonhada com as atrocidades cometidas pelo Estado durante o período da ditadura, “mas que numa sociedade democrática o Estado tem o dever de reconhecer que foi o responsável pelas mortes, torturas e assassinatos cruéis, ceifando vidas e acabando com famílias. Para ela, “se estamos vivendo o período mais longo da democracia, isso se deve a figuras como Alexandre Vannuchi, Vladimir Herzog e tantos outros que ousaram lutar e deram suas vidas por um ideal.”
Paulo Abrão, presidente da Comissão da Anistia e secretário nacional de Justiça, fez uma menção especial ao ex-ministro da Secretaria dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi e ao ex-presidente Lula, ao qual sem eles não seria possível iniciar essa política de reparação e resgate da memória. “É um gesto digno do Estado cumprindo a agenda de transição democrática de resgate da verdade e justiça, reconhecendo seus erros e pedindo desculpas às famílias das vítimas do regime militar. Isso é fundamental para não repetirmos no futuro as violações cometidas no passado”, enfatizou.
Aos 22 anos, estudante de Geologia da USP, Alexandre militava no movimento estudantil e na ALN (Ação Libertadora Nacional). Aprovado em primeiro lugar no vestibular, participava ativamente do cotidiano da universidade, sempre comprometido com a luta pela democracia no Brasil. Porém no dia 16 de março de 1973, mais um capítulo obscuro na história do Brasil foi escrito.
O estudante acabou sendo preso e levado para o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), órgão subordinado ao Exército e criado para combater os opositores do regime militar, onde foi torturado até a morte, fato que ocorreu no dia seguinte.
Seus pais receberam no dia 20 um telefonema informando sobre a sua prisão no Dops. A família foi ao Departamento, percorreu todos os órgãos policiais, mas não conseguiu sequer uma confirmação sobre seu paradeiro. Após dias de angústia, seu pai, que viria para São Paulo no dia 28, foi surpreendido com a notícia em um jornal de Sorocaba informando sobre a morte de Alexandre Vannuchi por atropelamento após tentativa de fuga.
Essa foi a versão forjada pelos agentes do DOI-CODI e amplamente aceita e difundida pelos veículos de informação. Seu corpo foi jogado numa vala comum no Cemitério de Perus e coberto com cal para apagar rapidamente os vestígios da tortura. Os órgãos de repressão chegaram a apresentar três versões diferentes para a sua morte.
À época, outros estudantes da USP também tinham sido presos. Houve uma grande mobilização nos centros acadêmicos como forma de repúdio aos desaparecimentos e para buscar a verdadeira causa da morte de Alexandre. Assim, os estudantes resolveram se organizar, paralisaram aulas e fizeram greves. Mas o grande momento foi a realização de uma missa celebrada pelo cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, no dia 30 de março, reunindo mais de três mil pessoas na Praça da Sé.
Naquele dia, a cidade foi tomada por um forte aparato policial, com bloqueios na ponte da Cidade Universitária para evitar que os estudantes viessem até a Sé e outras dezenas de barreiras espalhadas pela cidade. Julio Turra, diretor executivo da CUT e que na época acabará de ingressar na faculdade de ciências sociais da USP, esteve presente na missa e lembrou das dificuldades em promover o ato depois do silêncio imposto pelo AI-5, em 1968.
“Particularmente para mim, esse ato de anistia por parte do governo tem um grande significado, pois estava ingressando na USP quando ocorreu a morte de Alexandre. Como o atestado da Polícia indicava suicídio, a Igreja Católica impedia mobilizações pós-morte em casos como este. Mas foi construído um ato público em forma de missa, primeira manifestação fora da USP. Foi um ato de ousadia, uma manifestação silenciosa reunindo milhares em São Paulo, mas de grande repercussão e que causou uma trinca na repressão”, recordou.
Durante a solenidade de anistia, Maria Cristina Vannucchi Leme, irmã de Alexandre, aproveitou para fazer uma homenagem especial aos seus pais (que não puderam estar presentes por conta da idade avançada) que trilharam um caminho de luta árdua e incessante na busca pela verdade e justiça. “Para minha mãe o golpe de 64 foi um vendaval que deixou nossa família em frangalhos. Nunca na vida ela imaginou que um dia tivesse de proteger seus filhos contra os perigos causados pelo Estado”, lamentou, informando que a família também buscará a retificação do atestado de óbito de seu irmão, a fim de que constem o local exato e as verdadeiras causas de sua morte: assassinado pelas atrocidades cometidas por agentes da ditadura nas dependências do DOI-CODI e enterrado como indigente numa vala comum em Perus.
As homenagens a Alexandre Vannuchi se estenderam por toda essa semana. Primeiro, ocorreu um show com o cantor Sérgio Ricardo na quinta (14) no Centro Cultural São Paulo. Ricardo apresentou em São Paulo logo após a morte do estudante o seu espetáculo Conversação de Paz, que reunia canções emblemáticas da resistência à ditadura no Brasil.
Já nesta sexta (15), além da cerimônia de anistia política, uma missa na praça da Sé foi celebrada pelo bispo emérito Angélico Sândalo Bernardino que em 1973 era bispo auxiliar da arquidiocese e estava com Dom Paulo Evaristo Arns na missa.
Verdade estabelecida – também nesta sexta-feira, a esposa, o filho e o neto de Vladimir Herzog receberam pelas mãos de Rosa Cardoso, integrante da Comissão Nacional da Verdade, o novo atestado de óbito do jornalista.
A retificação foi acatada pela Justiça após pedido feito pela Comissão Nacional da Verdade. O novo documento rechaça a versão dos torturadores de ‘suicídio’. Constava no laudo da época assinado pelo legista Harry Shibata que Vlado, como era conhecido o jornalista, havia morrido “por asfixia mecânica”.
A versão oficial agora consta que Vladimir Herzog foi assassinado em decorrência de lesões e maus tratos sofridos nas dependências do 2º Exército de SP, acabando de vez com a farsa montada pela ditadura.
A ministra Maria do Rosário afirmou estar aliviada pela correção de uma injustiça histórica. Para ela, a transição democrática não pode parar um só dia. “Convivemos com a falsidade de causas e óbitos relacionados àquele período, o que revela que tantos outros atestados foram montados pela voz e caneta. Ainda existem documentos históricos oficiais com essas inverdades, mas hoje colocamos um ponto final no caso Vladmir Herzog ao realizar este ato de reparação ao seu atestado de óbito”, celebrou.
Para o deputado estadual e presidente da Comissão da Verdade de São Paulo, Adriano Diogo, “não podemos perder a nossa capacidade de nos indignar. Esse reconhecimento do Estado é importante, mas a partir do momento que temos nomes e sobrenomes dos agentes torturadores é preciso que haja o julgamento e condenação política. O crime de tortura não prescreve conforme a nossa Constituição.”
Posição compartilhada pelo secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, segundo o qual o relatório da Comissão da Verdade e outros movimentos de resgate da memória e verdade devem ser complementados com uma segunda ação que seria o julgamento jurídico daqueles que cometeram crimes de lesa-humanidade. “Esses agentes estão sendo moralmente julgados, mas em nosso país temos uma Lei de Anistia criada pelos ditadores que proíbe qualquer punição. Como o STF já se posicionou a favor da Lei, nossa esperança é que haja uma revogação total da Lei de Anistia e a constituição de uma Lei de Memória e Verdade ou que o Congresso aprove um projeto de mudança da Lei de Anistia que possibilite o julgamento político de agentes do Estado”, informou.