A atuação direta do Estado na atividade econômica só é legítima quando se direciona aos fins econômicos de interesse geral, afirma pesquisador do Ineep
Por André Tokarski*, em artigo publicado originalmente na Carta Capital
As mudanças institucionais implementadas no país desde 2016 deram causa a um conjunto de anomalias no funcionamento da administração pública. Uma delas diz respeito aos critérios para nomeação de dirigentes das empresas estatais.
A Petrobras integra a administração pública indireta e, como tal, deveria ter nas posições de comando dirigentes alinhados com o programa político eleito pelo voto popular. As empresas estatais são instrumentos da administração pública para a viabilização dos objetivos constitucionais de direção e planejamento do desenvolvimento nacional.
Até 2016, o procedimento de escolha dos dirigentes da Petrobras deveria estar alinhado à Lei das Sociedades Anônimas, seguindo os mesmos critérios das empresas privadas de capital aberto. Após a promulgação da Lei nº 13.303/2016, passaram a vigorar regras mais restritivas para a nomeação de dirigentes das empresas estatais.
» Leia também outros artigos sobre Gestão e governança. Clique aqui.
A pretexto de buscar uma gestão técnica, o art. 17 da Lei 13.303/2016 define um extenso rol de exigências para a composição dos quadros diretivos das estatais. As sociedades de economia mista submetem-se, no geral, às normas do direito privado e, tal qual nas companhias privadas de capital aberto, seus administradores estão sujeitos à fiscalização e controle por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Em verdade, as exigências e proibições elencadas na Lei das Estatais mostram-se abusivas e antidemocráticas, uma espécie de controle prévio que visa restringir indevidamente as possibilidades de escolha por parte da autoridade pública que foi eleita para tal função. Em última instância, é uma ingerência às atribuições do acionista controlador e em seu poder de dirigir as atividades sociais da empresa. Tal situação não encontra paralelo ou precedente no caso de companhias privadas, ainda que, nos dois casos, os atos dos administradores estejam sujeitos aos mesmos mecanismos legais de fiscalização e controle.
A Lei das Estatais surgiu como uma tentativa de responder à comoção causada pelos escândalos de corrupção exaustivamente explorados pela denominada “Operação Lava Jato”. A despeito da nova norma induzir a uma conduta desabonadora aos ocupantes de funções de direção superior na administração pública, de cargos diretivos em partidos políticos ou organizações sindicais, os dirigentes da Petrobras responsáveis pelos atos de corrupção apontados pela “Operação Lava Jato” eram todos técnicos com extensa carreira na empresa.
Representantes de investidores no mercado de capitais atuam abertamente para impedir qualquer mudança na Lei 13.303/2016. Posição alinhada com o ex-juiz federal, Sérgio Moro, que em seu discurso de estreia no Senado Federal, no último dia 14 de março, exaltou as restrições a nomeações “políticas” nas estatais. A motivação implícita seria ampliar a participação deste segmento nas decisões estratégicas das sociedades de economia mista e, por consequência, reduzir a margem de atuação do acionista controlador, um verdadeiro “golpe dos minoritários”.
Em paralelo, a Petrobras direcionou seu Plano Estratégico (2016-2021), alinhado com a nova política de governança corporativa, para a geração de valor aos acionistas, adotando uma forte redução de investimentos, colocando à venda um conjunto expressivo de ativos da empresa, adotou uma nova política de preços de combustíveis (PPI – Preço de Paridade de Importação) e realizou uma distribuição recorde de lucros e dividendos.
O contexto que deu origem à Lei 13.303/2016 expôs uma aliança tácita entre a “Operação Lava Jato” e os interesses dos investidores minoritários, permeada pela importação de modelos jurídicos cujos “bons padrões” de governança corporativa são notórios em reforçar o poder decisório dos acionistas minoritários.
No último dia 16 de março, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu, em caráter cautelar, trechos da Lei da Estatais que restringem as indicações de conselheiros e diretores que tenham atuado, nos três anos anteriores, em órgãos diretivos de partidos políticos e participado de campanhas eleitorais, que sejam dirigentes de organizações sindicais ou ocupem função de assessoramento superior na administração pública. A decisão, que ainda precisa ser referendada pelo Plenário do STF, foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7331, proposta pelo PCdoB (Partido Comunista do Brasil).
O debate sobre eventual conflito de interesses reunidos em uma sociedade de economia mista ocorre há décadas e pode ser sintetizado na dicotomia entre o direcionamento da empresa para a viabilização do interesse público que justificou sua criação e/ou o foco na maximização do lucro dos acionistas privados.
A atuação direta do Estado na atividade econômica só é legítima quando se direciona aos fins econômicos de interesse geral. As políticas de governança da Petrobras devem estar alinhadas ao interesse público que justificou sua criação, não devem ser instrumentalizadas pelos acionistas minoritários da empresa, que buscam, por todos os meios, ampliar a apropriação sob a renda petrolífera nacional.
*André Tokarski é professor do curso de mestrado em Direito Constitucional Econômico (MADIR) da UNIALFA, coordenador do curso de Direito da UNIALFA e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep)