Sergio Gabrielli, professor de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ex-presidente da Petrobras, avalia que a aprovação do Projeto de Lei (PL) 4567/2016 enfraquece a capacidade da Petrobras atuar como indutora da economia brasileira. O projeto, aprovado na Câmara dos Deputados na última quarta-feira (5), retira da estatal a exclusividade na exploração do pré-sal, abrindo a possibilidade para empresas estrangeiras atuarem no setor.
“Não vai gerar emprego e renda no Brasil, porque vai se importar sondas, equipamentos, serviços. Ela vai abandonar o papel de centro de uma política desenvolvimentista nacional”, critica. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele afirma que os argumentos que embasaram a proposta não se sustentam, já que não há necessidade, do ponto de vista da economia brasileira, para tal modificação.
“Por que nós temos que acelerar a descoberta de reservas nesse momento? A necessidade é de quem? O mercado internacional está olhando para a partir de 2020, quando a produção americana tende a começar a declinar, buscando alternativas de produção, para os EUA importarem. É muito mais um interesse da economia americana de acelerar agora do que da economia brasileira”, diz.
Além disso, argumenta, parte dos recursos gerados com a exploração do petróleo não estaria mais nas mãos do Estado. “Vai se reduzir o volume de recursos que a sociedade brasileira pode utilizar. A parcela que o governo vai obter do pré-sal novo é menor do que se a Petrobras fosse operadora. Com isso, se reduz o volume de recursos destinados ao Fundo Social, reduzindo, portanto, os recursos destinados à educação e à saúde”, afirma.
Quais os efeitos da aprovação do PL 4576?
Diretamente, é difícil prever o impacto apenas com a votação de ontem. Porém, a retirada da Petrobras da operação única, [se deu] pelas justificativas usadas pelo senador [José] Serra [PSDB-SP] e pelo apoiadores, como o deputado [José Carlos] Aleluia [DEM-BA], de acelerar os novos leilões das novas áreas do pré-sal.
Se você acelera os novos leilões, as empresas internacionais vêm para o Brasil. Consequentemente, vai ter múltiplos operadores nos diversos campos [de exploração de petróleo], de forma diferente. É uma operação com riscos distintos, porque cada operador tem uma cultura de risco de acidente e risco ambiental distinta.
O principal efeito negativo para o Brasil que é cada um deles vai ter uma escolha tecnológica e uma cadeia de fornecedores próprias, que serão, provavelmente, internacionais. Eles vão importar sondas, plataformas, equipamentos submersos e, portanto, inviabilizar a expansão da indústria nacional de equipamentos para o setor de petróleo.
O problema central, para mim, não está, necessariamente, na operação da Petrobras, mas na velocidade que isso vai se dar para os novos leilões. Isso remete a outra questão: a Petrobras tem um problema de curto prazo, que é de dívida. Ela, nos próximos três anos, provavelmente, não teria condições de entrar em novos leilões. O volume de dívidas que vence em 2016, 2017 e 2018 é muito grande. Ela não teria condições de, além de fazer seus investimentos, viabilizar sua participação em novas áreas do pré-sal a serem abertas.
Porém, essa é uma questão de curto prazo, porque, a partir daí, seja pela estratégia adotada pelo plano de negócios da empresa (que é vender os ativos não ligados diretamente à exploração de petróleo), seja por uma estratégia alternativa (de tentar equacionar o processo de dívida com renegociação, em uma visão de mais longo prazo), a Petrobras sairia dessa crise financeira nos próximos três ou quatro anos.
Ou seja, está se trocando um problema pontual pelo risco de o país perder a capacidade de gerenciar o desenvolvimento tecnológico e uma cadeia de fornecedores de longo prazo. Porque, quando se fala em um leilão de uma área de petróleo, está se falando de um contrato de 30 anos.
Eu acho que o grande problema é a velocidade dos novos leilões e a garantia da continuidade da política de conteúdo nacional.
Qual o risco para a política de conteúdo nacional?
O problema é o seguinte: quando se tem um operador único, você dá a esse operador uma escala que permite viabilizar o aparecimento de novas empresas que vão fornecer equipamentos para o setor de petróleo. Se você tem cada operador fazendo um contrato separado, não há escala.
Por exemplo: se vão ser contratadas 20 sondas [enquanto operador único], pode-se viabilizar a construção de um estaleiro. Mas, se vai se contratar 20 sondas de diferentes fornecedores, você não viabiliza um estaleiro.
O fato de a Petrobras não ser a operadora única significa que você perde escala e inviabiliza, portanto, a construção de uma nova capacidade de produção de equipamentos críticos para o setor de petróleo no Brasil.
VIA Brasil de Fato e Brasil 247