Sergio Gabrielli, professor de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ex-presidente da Petrobras, avalia que a aprovação do Projeto de Lei (PL) 4567/2016 enfraquece a capacidade da Petrobras atuar como indutora da economia brasileira. O projeto básico, aprovado na Câmara dos Deputados no início de setembro, retira da estatal a exclusividade na exploração do pré-sal, abrindo a possibilidade para empresas estrangeiras atuarem no setor.
“Não vai gerar emprego e renda no Brasil, porque vai se importar sondas, equipamentos, serviços. Ela vai abandonar o papel de centro de uma política desenvolvimentista nacional”, critica.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ele afirma que os argumentos que embasaram a proposta não se sustentam, já que não há necessidade, do ponto de vista da economia brasileira, para tal modificação.
“Por que nós temos que acelerar a descoberta de reservas nesse momento? A necessidade é de quem? O mercado internacional está olhando para a partir de 2020, quando a produção americana tende a começar a declinar, buscando alternativas de produção, para os EUA importarem. É muito mais um interesse da economia americana de acelerar agora do que da economia brasileira”, diz.
Além disso, argumenta, parte dos recursos gerados com a exploração do petróleo não estaria mais nas mãos do Estado. “Vai se reduzir o volume de recursos que a sociedade brasileira pode utilizar. A parcela que o governo vai obter do pré-sal novo é menor do que se a Petrobras fosse operadora. Com isso, se reduz o volume de recursos destinados ao Fundo Social, reduzindo, portanto, os recursos destinados à educação e à saúde”, afirma.
Confira a íntegra da entrevista abaixo.
Brasil de Fato – Quais os efeitos da aprovação do PL 4576?
Sergio Gabrielli – Diretamente, é difícil prever o impacto apenas com a votação de ontem. Porém, a retirada da Petrobras da operação única, [se deu] pelas justificativas usadas pelo senador [José] Serra [PSDB-SP] e pelo apoiadores, como o deputado [José Carlos] Aleluia [DEM-BA], de acelerar os novos leilões das novas áreas do pré-sal.
Se você acelera os novos leilões, as empresas internacionais vêm para o Brasil. Consequentemente, vai ter múltiplos operadores nos diversos campos [de exploração de petróleo], de forma diferente. É uma operação com riscos distintos, porque cada operador tem uma cultura de risco de acidente e risco ambiental distinta.
O principal efeito negativo para o Brasil que é cada um deles vai ter uma escolha tecnológica e uma cadeia de fornecedores próprias, que serão, provavelmente, internacionais. Eles vão importar sondas, plataformas, equipamentos submersos e, portanto, inviabilizar a expansão da indústria nacional de equipamentos para o setor de petróleo.
O problema central, para mim, não está, necessariamente, na operação da Petrobras, mas na velocidade que isso vai se dar para os novos leilões. Isso remete a outra questão: a Petrobras tem um problema de curto prazo, que é de dívida. Ela, nos próximos três anos, provavelmente, não teria condições de entrar em novos leilões. O volume de dívidas que vence em 2016, 2017 e 2018 é muito grande. Ela não teria condições de, além de fazer seus investimentos, viabilizar sua participação em novas áreas do pré-sal a serem abertas.
Porém, essa é uma questão de curto prazo, porque, a partir daí, seja pela estratégia adotada pelo plano de negócios da empresa (que é vender os ativos não ligados diretamente à exploração de petróleo), seja por uma estratégia alternativa (de tentar equacionar o processo de dívida com renegociação, em uma visão de mais longo prazo), a Petrobras sairia dessa crise financeira nos próximos três ou quatro anos.
Ou seja, está se trocando um problema pontual pelo risco de o país perder a capacidade de gerenciar o desenvolvimento tecnológico e uma cadeia de fornecedores de longo prazo. Porque, quando se fala em um leilão de uma área de petróleo, está se falando de um contrato de 30 anos.
Eu acho que o grande problema é a velocidade dos novos leilões e a garantia da continuidade da política de conteúdo nacional.
Qual o risco para a política de conteúdo nacional?
O problema é o seguinte: quando se tem um operador único, você dá a esse operador uma escala que permite viabilizar o aparecimento de novas empresas que vão fornecer equipamentos para o setor de petróleo. Se você tem cada operador fazendo um contrato separado, não há escala.
Por exemplo: se vão ser contratadas 20 sondas [enquanto operador único], pode-se viabilizar a construção de um estaleiro. Mas, se vai se contratar 20 sondas de diferentes fornecedores, você não viabiliza um estaleiro.
O fato de a Petrobras não ser a operadora única significa que você perde escala e inviabiliza, portanto, a construção de uma nova capacidade de produção de equipamentos críticos para o setor de petróleo no Brasil.
A mudança é desnecessária?
Eu acho que não há necessidade de nós acelerarmos novos leilões do pré-sal nos próximos três anos. Nós temos hoje reservas suficientes para 15 anos de produção e temos potencialidade de aumentar essas reservas rapidamente, transformando recursos que já existem, como a cessão onerosa e os excedentes da cessão onerosa, em reservas. Então, nós temos 20 ou 25 anos de garantia de produção no Brasil.
Acelerar as novas áreas do pré-sal significa ter produção em 2020, 2021, a partir de cinco ou seis anos. Interessa principalmente aos Estados Unidos ter novas ofertas de petróleo nesse período.
Novos leilões para novas áreas exploratórias: eu não vejo necessidade. Por que nós temos que acelerar a descoberta de reservas nesse momento? A necessidade é de quem?
O mercado internacional está olhando para a partir de 2020, quando a produção americana tende a declinar, buscando alternativas de produção para os EUA importarem. É muito mais um interesse da economia americana acelerar agora do que da economia brasileira. Não vai gerar emprego e renda no Brasil, porque vai se importar sondas, equipamentos, serviços.
Mas aumentar o ritmo não está definido em lei…
A votação, se você não acelera os leilões, tem pouco efeito. Se acelera, tem outro.
Está previsto para 2017 um leilão das chamas áreas unitizáveis, ou seja, vizinhas de áreas hoje já existentes. Se for só isso, menos mal. Mas vão colocar novas áreas exploratórias, para encontrar novas fronteiras de produção do pré-sal? Isso não está definido pela lei aprovada. Tudo indica que sim, porque a lógica da aprovação é abrir para as empresas internacionais.
A lei atual –e essa é a questão importante– diz o seguinte: a velocidade dos leilões do pré-sal brasileiro vai ser determinada pela capacidade da indústria brasileira de fornecer equipamentos para o setor de petróleo e gás. A lei modificada acaba com isso.
Se não vai ter refinaria nova, também não precisa de mais petróleo no Brasil. Para fornecimento do mercado brasileiro, não precisa aumentar a produção até 2020.
E o impacto sobre a educação e a saúde?
Ninguém, hoje, tem condições de produzir no pré-sal brasileiro a custos mais baixos do que a Petrobras. Portanto, elas vão produzir a custo maior. Produzindo a custo maior, o que resta para pagar ao governo no contrato de partilha é menor. A parcela que o governo vai obter do pré-sal novo é menor do que se a Petrobras fosse operadora. Com isso, se reduz o volume de recursos destinados ao Fundo Social, reduzindo, portanto, os recursos destinados à educação e à saúde – à transformação da sociedade brasileira. Vai se reduzir o volume de recursos que a sociedade brasileira pode utilizar.
Por outro lado, dificilmente se poderá manter a política de conteúdo nacional do jeito que está, porque não vai ter escala. Consequentemente, vai ter efeitos como a aceleração dos leilões sem a Petrobras como operadora.
O volume de recursos [destinados ao Estado] vai ser menor do que fosse com a Petrobras. [Entretanto] vai ter geração de recursos, a não ser que eles mudem a lei, o que pode acontecer também.
Há risco de privatização da Petrobras?
O plano de negócios da Petrobras é um plano de encolhimento. A empresa vai ficar focada nas áreas que ela já tem do pré-sal. Dificilmente vai se expandir em outras áreas. Vai se desfazer de grande parte dos ativos das áreas de refino e de transportes, seja por duto ou marítimo. Vai se desfazer também do setor petroquímico, de fertilizantes. Vai ser uma empresa muito menor do que é hoje.
Se ela vai ser privatizada nisso que resta, eu acho mais difícil. Provavelmente, a privatização vai ser o fatiamento da empresa e a venda para o setor privado dos setores não centrais para a exploração.
Há Petrobras enfrenta uma crise. Por quais razões?
É importante chamar a atenção de que a Petrobras está vivendo uma situação conjuntural que não é só dela, é geral. O preço do petróleo caiu drasticamente em 2014. Essa queda afetou o setor em geral.
Casos específicos da Petrobras: houve uma grande desvalorização do real no último ano, e isso impacta a dívida da companhia; a empresa, de 2011 a 2014, com os preços abaixo do preço internacional, teve grande parte do seu caixa drenado, reduzindo a capacidade de endividamento; a Lava Jato teve efeitos sobre a reputação, o que dificultou, por um período, a captação de recursos; há atrasos em projetos de investimentos da área de refino que tiveram impactos econômicos –não no caixa. Esse conjunto de questões levou a empresa à situação na qual ela precisa cuidar do financiamento no curto prazo.
Toda vez que ela foi pro mercado financeiro ela conseguiu levantar recursos, ampliando e alongando sua dívida, ainda que a um custo mais alto. Ela não está em uma situação de crise dramática, pré-falimentar. Pelo contrário: a Petrobras está com a produção crescente, e as condições de lucratividade estão aumentando. Ela tende a superar essa crise em dois ou três anos.
Se seguir o caminho do PL aprovado, qual papel a Petrobras vai desempenhar na economia brasileira?
Acho que há uma clara modificação do papel. Durante o período do monopólio estatal do petróleo, a Petrobras tinha um papel central de uma política de desenvolvimento industrial no país. As compras da empresa sempre foram fundamentais para impulsionar a indústria brasileira, principalmente a naval e de engenharia pesada. Durante o período Lula e Dilma, isso [a relevância das compras] cresceu muito.
Agora, está se revertendo. A Petrobras está deixando de ser esse centro de aglutinação de investimentos desse setor, e vai abandonar o papel de centro de uma política desenvolvimentista nacional.
Fonte: Brasil de Fato