FUP reforça luta por Memória, Verdade, Justiça e Reparação contra violações cometidas por Petrobrás na ditadura

Entidades sindicais e de anistiados foram comissão para encaminhar ao MPT e ao MPF demandas por reparação aos crimes cometidos pela empresa durante a ditadura civil-militar

[Da comunicação da FUP]

A FUP participou na quinta-feira, 08, de uma audiência com representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério Público Federal (MPF), de organizações e de entidades de trabalhadores e trabalhadoras que lutam pelo direito à memória, verdade, justiça e reparação. Trata-se de um Procedimento Promocional instaurado pelo MPT para apuração de violações trabalhistas e contra a liberdade sindical durante a ditadura militar na Petrobrás.

“A audiência é um processo que busca, a partir da escuta de representantes das federações e de associações de atingidos pela ditadura da categoria petroleira, construir uma proposta de reparação às violações sofridas por trabalhadores e trabalhadoras petroleiras, entidades sindicais, comunidades, assim como, por toda a população brasileira atingida no período nefasto que se estendeu por mais de 20 anos após o golpe de 1964”, explica Juliana Ferreira, assessora da FUP, cujo projeto de doutorado investiga os impactos da ditadura sobre os trabalhadores da Petrobrás.

Ela destaca que, após o golpe civil-militar, a Petrobrás e outras estatais que eram pilares do desenvolvimento nacional passaram a sofrer um controle violento do regime, que teve por alvo central o movimento de trabalhadores e as ações coletivas da categoria petroleira. “Isso implicou na atuação imediata golpista de um sistema planificado de monitoramento, repressão e disciplina dos trabalhadores dentro da empresa, servindo como “laboratório” de sistema de controle e repressão fabril”, lembra Juliana, recorrendo ao relatório da Comissão Nacional da Verdade.

“Petrobrás precisa reconhecer e reparar os crimes cometidos”, afirma coordenador da FUP

Em sua participação na audiência, o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar, enfatizou a necessidade da Petrobrás reconhecer que foi um agente de repressão durante a ditadura civil-militar. “A Petrobrás precisa, no mínimo, reconhecer os crimes que cometeu e reparar os trabalhadores, dirigentes sindicais e até mesmo os sindicatos que sofreram violações diversas durante a ditadura civil-militar”, afirmou.

Ele lembrou que as conquistas da classe trabalhadora organizada antes do golpe de 1964 fizeram dos trabalhadores e do movimento sindical os principais alvos dos militares e das elites econômicas nacionais e multinacionais da ditadura.

Deyvid ressaltou ainda a que a ditadura impôs uma relação trabalhista militarizada que foi exagerada pelos agentes que estavam na gestão da Petrobrás, o que implicou numa disciplina fabril que violou a segurança e a saúde dos trabalhadores no cotidiano. Além disso, muitos deles foram perseguidos, presos, torturados e demitidos, em função da construção de uma paranoia antissindicalista que passou a imperar na empresa.

Um dos exemplos citados foi o do petroleiro Carlos Geraldo Marighella, filho do líder revolucionário, que foi demitido, pouco mais de um ano após ter começado a trabalhar como técnico na Rlam, mesmo tendo sido aprovado em concurso público. Até hoje, Carlinhos, como é conhecido, luta por reparação.

“Obviamente, ele foi demitido por conta de seu sobrenome e, assim como esse, temos inúmeros casos. Então, o reconhecimento (da Petrobrás) e a reparação para esses trabalhadores e trabalhadoras é extremamente importante”, afirmou Bacelar, lembrando que os trabalhadores que ainda lutam por reparação já têm mais de 70 anos e alguns já não estão vivos.

Os relatos de trabalhadores que participaram da audiência revelam que as perseguições políticas que sofreram na ditadura se estenderam para além dos portões da Petrobrás, atingindo também suas famílias. Houve ainda episódios de prisões e torturas de trabalhadores, inclusive dentro das unidades da empresa, como no caso da Rlam, onde um alojamento foi adaptado como centro de torturas, como lembrou Raimundo Lopes, presidente da Associação dos Anistiados Políticos do Sistema Petrobrás (Abraspet). Ele revelou que não sofreu torturas, mas foi preso em uma corveta, utilizado como navio-prisão, logo após o golpe.

Esse e outros relatos de trabalhadores são evidências de que a Petrobrás participou ativamente da repressão após o golpe de Estado de 1964, como revelam as pesquisas sobre as graves violações cometidas pela estatal.

“Se compararmos com outros países da América Latina que sofreram com ditaduras em períodos e com modelos muito semelhantes à ocorrida aqui, a institucionalização dos trabalhos que buscam o direito à Memória, Verdade e Justiça foi tardiamente implementada no Brasil”, explica Juliana Ferreira.

A pesquisadora e assessora da FUP lembra que a Comissão Nacional da Verdade foi instituída somente em 2011 e o Grupo de Trabalho que pesquisou as violações sofridas pelos trabalhadores e movimento sindical foi o último a integrar as pesquisas da Comissão, não sem pressão e árduos debates. “Além da Comissão ter sido instituída tardiamente, as pesquisas e revelações das investigações sobre as violações padecidas por trabalhadores e movimento sindical sofreram interrupções, boicotes e apagamentos”, revela.

O coordenador da FUP cita o exemplo do projeto Memória dos Trabalhadores da Petrobrás. “A companhia, a partir de 2003, durante os governos do presidente Lula, organizou um memorial a partir da coleta de depoimentos de trabalhadores e trabalhadoras da empresa, que ficava disponível num portal da internet e, após o golpe de 2016, foi tirado do ar e o acervo físico ‘desapareceu’ de dentro da Petrobrás”, denunciou.

Outro ponto destacado por ele na audiência foram as arbitrariedades cometidas contra os sindicatos na ditadura. “Todos os nossos sindicatos sofreram intervenção militar. Tiveram as diretorias destituídas e substituídas por militares e por dirigentes pelegos alinhados aos golpistas”, afirmou, ressaltando que essa prática também contaminou a cultura organizacional da Petrobrás, que, ainda hoje utiliza termos da hierarquia militar, como chefe de divisão, gerente de linha, entre outros.

Bacelar enfatizou que é preciso acabar com esses resquícios do período repressivo. “Mais uma ação que a Petrobrás precisa ter é desimpregnar a cultura militarizada que ainda repercute dentro da companhia”, afirmou, propondo que a estatal realize reparações que envolvam também os sindicatos, como a construção de memoriais em parceria com as entidades, entre outros projetos relacionados ao resgate da memória dos trabalhadores e das trabalhadoras.

A audiência realizada no dia 08 de agosto foi um passo importante para a luta da classe trabalhadora por direito à Memória, Verdade, Justiça e Reparação. Fruto desse debate foi instituída uma comissão formada pela FUP, pelo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisa), FNP, Abraspet, Relute, Astape, entre outras entidades, para debater e encaminhar ao MPT e ao MPF as demandas por reparação aos crimes cometidos pela Petrobrás durante a ditadura civil-militar.