A ofensiva neoliberal contra o Brasil soberano

A Federação Única dos Petroleiros – FUP, a maior federação sindical petroleira do Brasil, esboça suas propostas para transformar o setor energético como uma força protagonista da soberania brasileira, do desenvolvimento e de uma transição justa.

Por Gerson Luiz Castellano, Secretário de Relações Internacionais da Federação Única dos Petroleiros

O mundo tem entendido nos últimos anos que a transição energética veio para ficar, e é uma necessidade urgente para preservar a vida no planeta. Porém, é impossível negar a importância que o petróleo ainda tem para a sociedade contemporânea. O combustível fóssil é fundamental para a fabricação de produtos de uso corrente e massivo no mundo inteiro, para transporte, alimentação, entre muitos outros usos.

O Brasil possui uma base natural estratégica enorme, rica em recursos petrolíferos, que poderia servir como base para um projeto nacional de desenvolvimento. Com isso entendemos, melhorar as condições de vida do povo brasileiro através não só da enorme massa de recursos gerada pela receita petroleira e seus possíveis efeitos em áreas essenciais como a Saúde e Educação públicas, mas também pela enorme importância da energia não só como uma mercadoria no mercado global, mas como um bem essencial para a vida do povo e da nação, tendo um papel extremamente relevante em toda a cadeia produtiva.

Nesse sentido, além das bases naturais estratégicas, o Brasil tem outra vantagem de extrema relevância: a Petrobrás. Empresa estatal de economia mista, é a maior empresa do setor de óleo e gás no país e uma das maiores da América Latina, possuindo uma estrutura poderosa para não só executar, mas para liderar o planejamento estratégico da política energética brasileira.

Atualmente a empresa produz cerca de 2,8 milhões de barris de petróleo e gás natural por dia, além de contar com uma capacidade de refinar 2 milhões de barris de derivados por dia. Mas todas essas vantagens estratégicas do Brasil vêm sendo apropriadas pelo capital internacional, num processo aceleradíssimo desde 2016, ano em que um golpe político-midiático derrocou a presidenta legítima Dilma Rousseff.

De lá para cá, o governo do Brasil iniciou o desmonte e privatização da empresa, com o objetivo de deixar nas mãos do capital o setor de petróleo e gás natural do país, bem como a nossa Petrobrás.

Os liberais contra a nação

Esse processo amplo de desmonte da Petrobrás não se sustenta nem de forma técnica nem de forma política. É pura ideologia. A ofensiva contra a Petrobrás iniciada no governo ilegítimo de Michel Temer e agravada no governo neo-fascista de Jair Bolsonaro tem várias frentes. Por um lado intensificou a entrada de petroleiras estrangeiras (até mesmo estatais de outros países) nas imensas reservas dos campos do pré-sal e, ao mesmo tempo, tem colocado à venda importantíssimos ativos do Sistema Petrobrás, como a BR Distribuidora, a Gaspetro, 8 das suas 13 refinarias, campos de petróleo, unidades de produção de fertilizantes, de biocombustíveis, entre outros tantos ativos.

Em relação ao papel estratégico no abastecimento de derivados aos brasileiros, a Petrobrás, desde outubro de 2016, tem praticado a política do Preço de Paridade de Importação, que atrela o preço dos derivados a custos internacionais de produção, custos de importação e outros custos que o Brasil poderia não incluir, já que é um grande produtor de petróleo.

Uma das consequências dessa política têm sido os sucessivos e abusivos aumentos dos preços dos derivados. Só durante o governo Bolsonaro, a adoção dessa política já resultou em aumentos de mais de 155% na gasolina e de 203% no diesel comercializados pelas refinarias da Petrobrás. Essa política representa uma verdadeira “farra dos dividendos” e está obrigando a Petrobrás a atuar como um “Robin Hood às avessas”, tirando dos pobres para dar aos ricos, e convertendo-a em um canal de transferência de renda entre a população e os acionistas nacionais e estrangeiros.

Essa política penaliza o povo brasileiro, que paga altíssimos valores pelos combustíveis, enquanto enche os bolsos dos acionistas, que têm lucrado bilhões com essas tarifas. No primeiro semestre deste ano de 2022, a gestão da Petrobrás entregou R$136,3 bilhões aos acionistas, representando 138% do resultado líquido da empresa (R$98,8 bilhões) e 34% de todo o seu valor de mercado. Esse pacote inclui outros elementos, como a drástica redução dos investimentos percebida entre 2013 e 2021, passando de R$104 bilhões para R$47 bilhões, com queda de 55% no período. O resultado é uma cada vez maior dependência do Brasil em relação ao mercado internacional, e uma maior subserviência ao capital local e mundial.

Soberania em xeque

A dependência do Brasil ao mercado internacional não para por aí. A sanha entreguista dos neoliberais que tomaram o Estado Brasileiro por assalto tem outra grande vítima: o pré-sal. Descoberto com investimento, pesquisa e know how da Petrobrás durante o governo do ex-presidente Lula, é uma das maiores reservas de petróleo do mundo. Logo depois que foi anunciada sua descoberta, começaram as articulações imperialistas das grandes potências petrolíferas do mundo para apropriar-se do recurso, principalmente uma: os EUA. O governo americano estava preocupado porque com a lei do pré-sal e o regime de partilha, as petroleiras deveriam entregar pelo menos 30% das concessões à União, e a Petrobrás seria a operadora exclusiva. Em 2010, uma filtração de Wikileaks afirmou que José Serra, então candidato à presidência, tinha prometido a uma executiva da multinacional Chevron, que caso eleito mudaria as regras: “Deixa esse caras do PT fazer o que eles quiserem, as licitações não irão acontecer, e nós mudaremos de volta”. O lobby estava instalado.

Deste momento em diante, uma série de ataques no congresso nacional sobre a soberania nacional e a Petrobrás passaram a acontecer, como a retirada da obrigatoriedade da empresa coordenar a operação dos campos do pré-sal em 2016. Vale ainda destacar todos os efeitos da chamada Operação Lava-jato sobre a empresa, colocando em xeque a credibilidade da empresa frente à opinião pública, bloqueando a continuidade de seus investimentos na finalização das obras (como a refinaria do Comperj no Rio de Janeiro, por exemplo) e, em complô com os grandes veículos de comunicação nacional, justificando a entrega da gestão da empresa para os acionistas privados nacionais e estrangeiros.

A privatização e entrega do pré-sal além de tirar recursos de áreas essenciais como saúde e educação, ataca a soberania brasileira e mina a capacidade da nação de planejar o uso de um dos seus principais ativos, colocando a maximização do lucro como meta imediata. Todo esse processo vem acompanhado de outras medidas absurdas como a privatização da Eletrobrás, coração do Sistema Elétrico Brasileiro, que o governo Bolsonaro e seus aliados no Congresso e no Senado entregaram de bandeja.

O gigante apequenado

Todo esse processo descrito anteriormente tem um efeito gravíssimo ao Brasil: apequenar a Petrobrás. A gigante estatal, está sendo obrigada a abrir mão não só de recursos e ativos estratégicos, mas da sua própria essência. Os neoliberais já não querem que ela cumpra o papel que a ela foi outorgado pela histórica luta do povo brasileiro: o de ser uma empresa estatal a serviço da nação, e uma indutora do desenvolvimento do país. Para eles também já não existe a palavra de ordem que marcou a história: “O petróleo é nosso”. Os governos antinacionais instalados após o golpe de 2016 estão obrigando a Petrobrás a negar sua própria história e, com isso, deixar de ser uma importante ferramenta de distribuição de riquezas para a população brasileira.

É preciso recuperar e reconstruir a Petrobrás

Por tudo isso, a categoria petroleira segue mobilizada na luta em defesa da Petrobrás e da exploração equilibrada do petróleo e gás natural no Brasil, garantindo o desenvolvimento da indústria nacional e a geração de mais e melhores empregos em nosso país. Nossa luta é também por uma transição energética justa, que garanta que todos os brasileiros e brasileiras tenham acesso à energia a um preço justo, bem como a criação de empregos de qualidade nos segmentos produtores de renováveis, para que possam aumentar a sua participação na matriz energética nacional e, assim, mitigar os efeitos do aquecimento global.

Sabemos que os desafios dessa luta são enormes, pois os interesses do capital financeiro de curto prazo têm contaminado a atuação da Petrobrás. Se nos tempos dos governos do PT, a estatal brasileira se consolidou como uma empresa integrada de energia, atuando do poço-ao-poste, com investimentos crescentes em renováveis, atualmente tem priorizado a remuneração do capital financeiro, se desfazendo de ativos para pagar altos dividendos aos grandes fundos de investimento nacionais e internacionais. A Petrobrás vem sendo preparada para atuar quase que exclusivamente como uma produtora de petróleo e gás natural, principalmente na província do pré-sal.

Temos consciência de que o processo de desmonte da Petrobrás – iniciado com a Lava Jato e o posterior golpe contra a presidenta Dilma Rousseff – coloca um grande desafio para a empresa voltar a esse patamar, mas os trabalhadores petroleiros discutiram profundamente este tema em uma Plenária Nacional promovida pelo FUP nos anos de 2021 e 2022. Deste debate, entendemos que é possível e necessário recuperar paulatinamente o protagonismo da estatal na indústria nacional, e elencamos algumas propostas para que isso aconteça.

As principais propostas são:

  1. A Petrobrás deve implantar uma política de preços justos para os combustíveis, inclusive a gasolina, adotando como parâmetro para definição dos preços não só o mercado internacional, mas também os custos e a sustentabilidade da indústria. Com base na experiência dos governos do PT, entendemos que o gás de cozinha, a gasolina e o óleo diesel devem ter tratamento diferenciado, devido a importância destes itens no custo de vida da família brasileira;
  2. Interromper, imediatamente, todos os leilões de campos de petróleo em curso (em especial o 17ª leilão da ANP, em atenção aos riscos ambientais). É fundamental condicionar a realização de novos leilões às necessidades de abastecimento interno e ao desenvolvimento da cadeia de prestadores de bens, serviços e fornecedores de máquinas e equipamentos, de modo que o ritmo dos leilões seja determinado pela capacidade dos fornecedores nacionais suprirem as necessidades nas etapas de exploração, desenvolvimento e produção, contribuindo efetivamente para o aumento do conteúdo nacional;
  3. Resgate da empresa integrada, com atuação em todo o território nacional. Para tanto, é necessário o retorno dos investimentos em tecnologia, pesquisa e inovação, privilegiando as parcerias com as universidades públicas, bem como a retomada dos investimentos na Universidade Petrobrás. Também é importante a retomada dos investimentos sociais, em cultura, meio ambiente e esportes, como forma de contribuir para o desenvolvimento social e cultural da sociedade e recuperar o prestígio da marca da empresa junto aos brasileiros;
  4. O Estado brasileiro deve retomar a construção de uma Petrobrás 100% pública em que a União detenha a totalidade do capital social, tendo como foco principal a retomada das ações alocadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Esta situação compromete nossa soberania energética, pois submete a Petrobrás às leis de outra nação, condição que dificulta, em muito, a atuação como indutora do desenvolvimento nacional.
  5. A Petrobrás deve paralisar todos os processos de privatização de ativos em andamento e constituir um processo de investigação com ampla participação da sociedade para analisar todos os movimentos de venda de ativos realizados nos últimos cinco anos, com o objetivo de reestatizar o que for possível, principalmente ativos considerados estratégicos para o futuro da empresa e para sua contribuição no crescimento econômico do país.
  6. A Petrobrás pode contribuir muito para um processo de transição energética justa. Para tanto, propomos a revitalização do programa de biocombustíveis, com a preservação da PBio (Petrobras Biocombustíveis) e a retomada de suas plantas de produção de biocombustíveis. Nesse ponto, entendemos ser estratégico o retorno da atividade da Petrobrás na geração de energia por meio de usinas eólicas e solares, assim como o investimento em pesquisas para o desenvolvimento do hidrogênio verde. Ainda sobre o tema da transição energética, entendemos que a produção de energia elétrica por meio de termelétricas a gás natural será uma necessidade do país nos próximos anos, inclusive como preparação para uma transição energética efetiva, com o fechamento das termelétricas movidas a carvão e óleo diesel. A perspectiva de barateamento do gás natural no curto/ médio prazo amplia essa oportunidade.

Recentemente, estas propostas foram entregues ao candidato Lula da Silva e têm servido de parâmetro para suas propostas de políticas de governo para o setor de energia, em especial do petróleo.

Ilustrações: Gabriel Silveira