Dallagnol cobrou até jabá pra família no Beach Park em troca de palestra sobre Lava Jato

 

O coordenador da Operação Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol, pediu passagem e hospedagem no parque aquático Beach Park, em Fortaleza, para ele, a mulher e os dois filhos como condição para dar palestra sobre combate à corrupção na Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), em julho de 2017. E cobrou cachê.

“Posso pegar [a data de] 20/7 e condicionar ao pagamento de hotel e de passagens pra todos nós”, disse o procurador à esposa dele. O teor dos diálogos foi obtido pelo site The Intercept Brasil em parceria com o jornal Folha de São Paulo e publicado pela coluna de Mônica Bergamo.

Um mês depois, o procurador fez propaganda da Fiec para convencer o então juiz Sérgio Moro a aceitar um convite da entidade. “Eu pedi pra pagarem passagens pra mim e família e estadia no Beach Park. As crianças adoraram”, disse Dallagnol. “Além disso, eles pagaram um valor significativo, perto de uns 30k [R$ 30 mil]. Fica para você avaliar.”

Outro detalhe é que, na conversa com Moro, Dallagnol festejou o fato de não ter sofrido punição de órgãos de fiscalização por dar palestras. “Não sei se você viu, mas as duas corregedorias —[do] MPF [Ministério Público Federal] e [do] CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público]— arquivaram os questionamentos sobre minhas palestras dizendo que são plenamente regulares”, disse.

No domingo (14), reportagem da Folha de São Paulo e do The Intercept Brasil revelou que Deltan Dallagnol e outro procurador da Lava Jato, Roberson Pozzobon, discutiram um “plano de negócios para lucrar com a fama” da operação. O objetivo era criar uma empresa em nome de terceiros para ganhar dinheiro fazendo eventos e palestras sobre a Lava Jato, além de se beneficiar com os contatos obtidos durante as investigações.

FUP já havia denunciado Dallagnol

Os vazamentos de conversas entre os procuradores da Lava Jato e o então juiz responsável pelo caso, Sérgio Moro, confirmam as denúncias feitas pela FUP, em março deste ano, ao processar Dallagnol.

Através de Ação Popular movida por José Maria Rangel, coodenador da Federação, os petroleiros denunciaram os procuradores do Ministério Público Federal que integram a operação Lava Jato por lesarem a Petrobrás e a União.

Eles tentaram se apropriar de R$ 2,5 bilhões da empresa para um fundo de financiamento de entidade privada, cuja gestão seria feita por eles. O acordo, firmado com a chancela dos EUA, só não foi adiante por conta das denúncias feitas na época.

A articulação dos procuradores da Lava Jato em torno da criação de uma empresa de fachada, para lucrar com palestras e eventos sobre a operação, reforça os alertas feitos pela FUP de que o dinheiro desviado da Petrobras serviria para garantir a eles benefícios financeiros pessoais.

“É ato lesivo por desvio da finalidade do MPF. Nos termos da Lei Complementar 75/93, não é função do Ministério Público Federal a criação de fundação de direito privado para gerir dinheiro público. Por sua vez, tal desvio de finalidade, até por também conter uma ‘doação’ indevida, caracteriza o ato lesivo”, denunciou a ação movida pelo coordenador da FUP.

Procurador pediu a Moro dinheiro público para financiar vídeo de campanha

Nesta segunda (15), novas reportagens divulgadas pelo The Intercept Brasil, desta vez em parceria com o jornaista Reinaldo Azevedo, revelaram que Dallagnol, no dia 16 de janeiro de 2016, pediu ao então juiz Sergio Moro dinheiro da 13ª Vara Federal de Curitiba para financiar a produção de um vídeo sobre medidas contra a corrupção. O vídeo seria veiculado pela Rede Globo e custaria R$ 38 mil.

“Você acha que seria possível a destinação de valores da Vara, daqueles mais antigos, se estiverem disponíveis, para um vídeo contra a corrupção, para as 10 medidas, que será veiculado na Globo? A produtora está cobrando apenas custos de terceiro, que dariam uns R$ 38 mil”, disse Dallagnol a Moro. “Seguem o roteiro e orçamento, caso queira olhar. O roteiro vai sofrer alteração ainda. Avalie de maneira livre e se achar que vai arranhar a imagem da Lava Jato de alguma forma, nem nós queremos”, acrescentou em outra mensagem. No dia seguinte, Moro respondeu: “Se for os 38 mil, acho que é possível. Deixe ver na terça e te respondo”.

Órgão do MPF se manifesta contra abusos

“A revelação pela imprensa de diálogos mantidos entre agentes públicos do sistema de Justiça no contexto da Operação Lava-Jato reforça a necessidade de compreensão das diversas dimensões dos direitos humanos e de promoção conjunta do enfrentamento à corrupção, do devido processo legal, do direito à informação e da liberdade de imprensa”, afirma a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão em nota publicada no site oficial da Procuradoria Geral da República (PGR).

“Um dos elementos essenciais do devido processo legal reside no direito a um julgamento perante juízes competentes, independentes e imparciais, no qual o réu e seus advogados são tratados com igualdade de armas em relação ao acusador. Portanto, é vedado ao magistrado participar da definição de estratégias da acusação, aconselhar o acusador ou interferir para dificultar ou criar animosidade com a defesa”, afirma outro trecho da nota.

Pela primeira vez membros do Ministério Público Federal (MPF) se pronunciaram oficialmente condenando as atitudes que os procuradores da Lava Jato tiveram durante a condução da operação, que foram reveladas por mensagens publicadas pelo site The Intercept Brasil e veículos parceiros.

[Com informações do Brasil 247 e do Uol]