O governo apresentou à sociedade, por meio de Projeto de Lei Complementar, a figura da "fundação estatal", como forma de dar ao Poder Público "maior flexibilidade administrativa ao funcionamento de instituições públicas", em áreas como saúde, assistência social, cultura, desporto, ciência e tecnologia, meio ambiente, previdência complementar, comunicação social e turismo.
Tendo em conta a importância do tema para as bases sociais que representamos e para a sociedade brasileira como um todo, vamos reproduzir, com pequenos ajustes, a decisão adotada pela Direção Executiva da Central Única dos Trabalhadores sobre o tema.
Deste modo, é importante resgatar desde logo que, em 1988, os trabalhadores e outros movimentos sociais conseguiram elevar a educação, a saúde, a assistência social e a cultura como direitos previstos na Constituição Federal.
Ainda neste contexto de avanços estabelecidos pela Constituição Brasileira, o Sistema Único de Saúde (SUS), modelo constituído na saúde do Brasil, nas últimas duas décadas, tornou-se referência na prestação de serviços públicos, apesar da falta de verbas, da falta de vontade política e de outros obstáculos. Este modelo foi estruturado como um sistema único, hierarquizado, descentralizado e com base nos princípios da integralidade, equidade, universalidade e controle social. Nele, a própria saúde privada é vista como complementar e não concorrente com a saúde pública.
Paradoxalmente, esteve em curso no Brasil neste mesmo período a implementação de reformas neoliberais que objetivavam reduzir o tamanho do Estado Brasileiro, estreitar suas áreas de atuação e cercear sua capacidade de realização de transferência de renda por meio da diminuição dos gastos sociais, privatizações de empresas públicas e redução dos serviços públicos, entre outros. Entre as várias iniciativas adotadas, está a criação de organismos privados para administrar serviços públicos, tais como as Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Estas organizações vêm sendo implantadas por diversos governos estaduais, com destaque para os de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
A apresentação do PLP-
No caso das fundações estatais, além do PL Complementar recém enviado, cumpre olhar com atenção para o estudo mais detalhado do Ministério do Planejamento, que circulou previamente ao PL, e que deixava mais claro o conjunto de características pretendidas pelo governo para as Fundações estatais. Considerando que estas características continuarão a prevalecer na Lei, tem-se que a regulamentação das fundações estatais estabelecerá que:
a) sejam autorizadas pessoas jurídicas de Direito privado para dirigir e administrar bens públicos (tais como os hospitais);
b) sejam constituídas fundações estatais em áreas "não exclusivas" do Estado, como saúde, assistência social, ciência e tecnologia, meio ambiente, cultura, esporte e previdência complementar;
c) sejam contratados funcionários na forma de concurso público, mas sem a estabilidade no emprego, tendo em vista que o Regime a vigorar será o da CLT;
d) haja a determinação de Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) próprios para cada fundação;
e) sejam realizados contratos de gestão com organismos estatais superiores e venda de outros serviços para terceiros;
f) será obrigatória a realização de licitações, mas estas poderão ter regulamento próprio.
De acordo com o que foi veiculado no mencionado estudo e em artigos escritos por membros do governo, a área da saúde será a primeira a implementar este tipo de organização.
Em que pese nossa concordância quanto à necessidade de uma ampla discussão quanto ao papel do Estado, serviços por ele prestados, regime de contratação, lei de licitações e alternativas de personalidades jurídicas relacionadas ao setor público, somos contrários ao PL das fundações estatais. Apontamos os seguintes elementos que embasam nossa posição: 1) as áreas referidas no projeto do governo devem ser vistas, conforme nossa Constituição Federal, como direitos universais e inalienáveis, sendo sua garantia um dever do Estado. O setor privado pode ter uma concessão pública do governo, mas não de caráter "concorrencial" com o Estado; 2) O projeto interrompe a consolidação do SUS e entra em confronto com seus princípios fundamentais; 3) O projeto abandona a perspectiva da construção de uma carreira única para os profissionais da saúde; 4) o fato de que a não previsão da estabilidade para os futuros empregados destas fundações representa a retirada de direitos sociais historicamente conquistados pelos servidores públicos; 5) O controle social não está previsto no projeto da fundação estatal; 6) O projeto da fundação estatal é complementar ao PLP 01, que limita o crescimento dos gastos com a folha de pagamentos do funcionalismo em apenas 1,5%.
Para terminar, cabe dizer que, para nós, é fundamental instrumentalizar o Estado com as devidas condições de flexibilidade e eficiência operacional para que este continue a ser ator central no desenvolvimento econômico e social do país. Para isto, é fundamental valorizar o serviço público e os trabalhadores que aí atuam. Criar "novas figuras jurídicas" com o objetivo principal da precarização do trabalho – traduzida na perda da estabilidade do emprego – não é compatível com o real desenvolvimento que todos pretendemos.