Fruto do avanço da luta popular, o Fórum Social Mundial completa 10 anos numa situação muito diferente daquela vivida nos tempos em que o avanço da globalização neoliberal e do privatismo aprofundavam o arrocho salarial, a precarização de direitos e o desemprego, no Brasil e em todo continente americano. Tempos em que os apóstolos do deus mercado diziam que a história havia acabado e que, a partir de então, só restava aos lutadores sociais a resignação.
Felizmente, o FSM surgiu como expressão dos que recusaram o convite à capitulação política, ideológica e moral e, sob uma saraivada de balas e bombas, levantaram a bandeira de que um outro mundo era mais do que possível, necessário. Foi dessa forma, contra vento e maré, que se passou a mobilizar e conformar um campo de lutadores e lutadoras nas mais diferentes e distantes trincheiras. Trincheiras de idéias que, como disse José Marti, valem mais do que trincheiras de pedras. E, na força do exemplo, da determinação e da coerência, fomos avançando e construindo nosso bloco para a disputa de hegemonia. Agora é o momento de radicalizarmos este movimento, indo mais fundo na consolidação de propostas e alianças para efetivá-las.
Ainda que com evidentes limitações, iniciamos a virar aquela página. A passagem da fase de protesto à da proposta começa a se dar com o fortalecimento dos estados nacionais e da integração regional, com a prioridade ao mercado interno, com a garantia de direitos sociais e trabalhistas, com a valorização do trabalho, iniciativas que vêm se conformando como obstáculos reais à onda devastadora da crise soprada desde os países capitalistas centrais. O investimento na integração regional, no fortalecimento do Mercosul, e na ampliação das parcerias com os países africanos reforça a visão e a prática da soberania, da independência.
É uma guerra, travada diariamente, numa invasão que vai além dos exércitos militares convencionais, que ocupam o Iraque, o Afeganistão e o Haiti, ou que mantêm sob cerco a Palestina e ganha cada vez mais peso na economia e nas comunicações, tentando corromper, comprar, vender e alienar.
No plano econômico, um exemplo gritante são as recentes desvalorizações do dólar, com emissões de papel moeda sem qualquer lastro pelo governo norte-americano, ações que têm servido apenas e tão somente para expandir a sucção parasitária das nossas economias pelo capital especulativo daquele país. Prova disso é que entre janeiro e outubro de 2009, quando o dólar “desvalorizou-se” 37% em relação ao real – o que, entre outras coisas, significou o encarecimento dos produtos brasileiros em relação aos estrangeiros – as nossas exportações para os Estados Unidos despencaram 45,1%, comparadas ao mesmo período do ano anterior. “É uma escandalosa política, na qual os EUA estão tentando fazer o resto do mundo pagar a conta da crise e exportando desemprego… Isso é uma imensa transferência de riqueza do resto do mundo para os bancos norte-americanos recomporem seus balanços”, reconheceu o editor da revista de economia do Banco Mundial, Yoshiaki Nakano. E acrescentou: “A verdade é que os EUA desencadearam uma guerra cambial dissimulada com sua política monetária escandalosa de juro zero e de emissão de dólares, inundando as economias emergentes, adquirindo ativos, inflando as Bolsas e apreciando suas moedas”.
Na área comunicacional, os negócios da indústria do entretenimento somam mais de US$ 1,5 trilhão, sendo US$ 260 bilhões só nos EUA, com um estreito vínculo entre a indústria bélica e os interesses nacionais norte-americanos. Assim, para uma boa parcela da população bombardeada diariamente com desinformação e manipulação, torna-se natural que rambos e generosos agentes da CIA enfrentem vietnamitas torturadores, palestinos terroristas, cubanos traficantes e outras invencionices. Como a batalha da mídia virou uma guerra de posições, como já nos alertava Gramsci, não se dá bem quem entrega a própria trincheira ao inimigo.
No caso do Programa Nacional dos Direitos Humanos, assim como nas campanhas orquestradas contra a Conferência Nacional de Comunicação e contra a anulação do leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce, os meios de comunicação negaram e continuam negando espaço ao contraditório em emissoras de rádio e televisão que são concessões públicas. Da mesma forma que nas recentes declarações preconceituosas de Boris Casoy, que permanecem impunes. A questão é gravíssima, pois é o interesse do povo brasileiro que está sendo desconsiderado, apagado e mutilado: nossa cultura, nossas raízes, nossa música, nossos desenhos, nossos heróis, nossos valores, nossa auto-estima, a forma como nos vemos e vemos aos outros… E ainda pior, tentam desqualificar como censura as propostas de democratização.
Sendo palco da disputa estratégica entre o velho e o novo, entre o avanço e o retrocesso, entre o futuro e o passado, a comunicação tem papel fundamental na construção da hegemonia, na consolidação de valores, no tamanho do horizonte a ser brindado às gerações. Daí as razões da Constituição Federal afirmar que os meios de comunicação não podem ser objeto de monopólio ou oligopólio e prever mecanismos de defesa frente a programações que atentem contra os direitos humanos, proibir a concentração abusiva, garantir espaço para a produção regional e independente e ainda estabelecer a complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal.
Nunca a Humanidade esteve sob o tacão de ameaças tão reais à sua sobrevivência, como evidenciam a contaminação ambiental, o câmbio climático e o genocídio provocado por armas cada vez mais mortíferas, ao mesmo tempo em que jamais reuniu melhores condições para superar estes entraves e construir uma cultura de paz e harmonia, de justiça e solidariedade.
Daí a necessidade de construirmos instrumentos contra-hegemônicos, pautando o debate com a nossa visão, enfrentando a política preconceituosa dos donos da mídia, de criminalização dos movimentos sociais, de invisibilização de projetos e ações que apontam para a transformação, consolidando os alicerces da nova sociedade.