Formalização e renda consolidaram mudanças e combateram desigualdade

Indicador sensível e nem sempre considerado nas análises econômicas, o mercado de trabalho inverteu o sinal na última década e teve aumento da formalização, após um período de defesa incessante pela flexibilização de regras, supostamente necessária para a expansão do emprego. Além da criação de postos de mais qualidade, a força de trabalho foi um fator de combate à desigualdade e à concentração de renda. As taxas de desemprego caíram. O número estimado de desempregados nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE caiu de 2,7 milhões, em 2003, para os atuais 1,2 milhão. Os ocupados passaram de 18,5 milhões para 22,9 milhões. Mas o Brasil esteve longe do pleno emprego, como antecipam os mais afoitos, e segue com problemas estruturais, como a informalidade e a rotatividade ainda elevadas.

Embora ainda preocupante, de 2002 a 2012 a informalidade teve queda generalizada entre os setores econômicos, mostram os pesquisadores Rodrigo Leandro de Moura e Fernando de Holanda Barbosa Filho, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, eles apontam diminuição da taxa de informalidade de 43,6% para 32,5%. Quase todos os setores seguiram essa tendência e caíram pelo menos dez pontos percentuais, chegando a quase 17 pontos na construção civil, até os atuais 39%. Na agropecuária, a informalidade ainda fica acima da metade (60%).

Os pesquisadores acreditam que essa tendência de redução irá permanecer, em ritmo menor. E mais dependente do que eles chamam “do processo de melhora do capital humano” da força de trabalho, destacando os fatores educação e experiência. Os dados constam de livro sobre o mercado de trabalho lançado este mês pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV.

As mudanças para melhor no mercado de trabalho, inclusive a redução das taxas de desemprego (de 12%, dez anos atrás, para os 5% atuais), causaram alguma surpresa entre os analistas, observa o professor Fernando Veloso, da FGV, um dos organizadores do livro. “Em geral, os economistas acreditavam que para cair a taxa de desemprego era necessária uma reforma no mercado de trabalho. De certa forma, foi surpreendente”, diz Veloso, apontando fatores estruturais para essa transformação.

“O crédito, que era 22% do PIB em 2003/2004, hoje é de 56%. Isso estimulou muito os setores intensivos em mão de obra, como comércio e construção civil. Outra razão foi o boom de commodities. Do lado da oferta, houve um aumento expressivo da escolaridade da força de trabalho. Finalmente, um fenômeno demográfico. Já está acontecendo, e vai continuar acontecendo, esse aumento da participação da população idosa”, afirma. Mas ele alerta que há certo esgotamento de alguns desses fatores.

Para Veloso, a ausência de reformas no mercado é sentida, principalmente, nos indicadores de rotatividade, “ainda altíssimos”. Ele lembra que, mesmo com o crescimento do emprego, os custos com seguro-desemprego aumentaram. “Isso desestimula também o investimento em qualificação.”

Estudo recente divulgado pelo Dieese aponta que, excluídos fatores como transferência, aposentadoria, mortes e pedidos do trabalhador, a taxa média de rotatividade em 2012 foi de 37%, ou seja, atingiu quatro em cada dez trabalhadores. “Você tem setores que rodam 40%, 50%, 60% da força de trabalho (por ano). E tem um percentual expressivo de trabalhadores (45%) que são dispensados antes de completar seis meses”, informa o economista José Silvestre, do Dieese.

Desafio histórico

Para a economista Ana Luíza Matos de Oliveira, analista de conjuntura em política social da Fundação Perseu Abramo, a informalidade é um “dos grandes desafios históricos” do país. Além da criação de postos de trabalho formais, ela identifica outros movimentos, como o Microempreendedor Individual (MEI), com 4 milhões de inscritos. Além da garantia de direitos, ela observa que a formalização beneficia a sociedade, via arrecadação de impostos, justiça social e demanda.

A analista aponta ainda elementos políticos para o desenvolvimento do mercado de trabalho. “Para os que interpretam a economia como ciência social, o movimento da economia depende da política: para a manutenção desses índices positivos, é necessário compromisso com a geração de empregos de qualidade e da melhoria de outros índices do mercado de trabalho. Assim, a adoção de políticas recessivas que impactem o crescimento dos empregos alteraria essa dinâmica benéfica que tem modificado características estruturais do mercado de trabalho brasileiro.”

Para Ana Luíza, o que aconteceu nos últimos anos confronta a crença de que o mercado é “engessado” e exige medidas de flexibilização. “É interessante refletir sobre o uso do vocabulário: ao se tratar da garantia de direitos, o mercado é ‘engessado’, ‘rígido’, com muitos ‘encargos’. Mas, ao se tratar de uma desproteção do trabalhador, é ‘flexível’, ‘dinâmico’ etc. O uso de tais termos não é descompromissado e denota certo ponto de vista já de partida.” Segundo a pesquisadora, uma demonstração de que as leis brasileiras já são bastante flexíveis está no fato de que “nunca conseguiram verdadeiramente proteger o trabalhador, o que resulta em altos índices de informalidade, rotatividade, desemprego estrutural, disparidades e desigualdades salariais, entre outros problemas estruturais do nosso mercado de trabalho”.

Mesmo assim, ela afirma que o mercado teve papel central na recente diminuição da pobreza e da desigualdade, fenômeno fortemente influenciado pela Bolsa Família. “A combinação de políticas públicas focadas na diminuição das desigualdades e bons índices do mercado de trabalho certamente compuseram um quadro benéfico para a redução das desigualdades, especialmente de renda”, diz Ana Luíza.

Carteira

Em uma comparação com 1997, o número de empregos formais no Brasil mais que dobrou, conforme os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego. Eram 24,1 milhões naquele ano e em 2013 chegaram a 48,9 milhões. Nos dois últimos anos, a expansão do emprego formal cresceu com menor intensidade: 2,5% em 2012 e 3,1% em 2013, ante 5,1% em 2010 e 6,9% em 2011.

O ritmo diminuiu, mas a tendência positiva se manteve. E mostram também uma nova configuração no mercado formal. Mais de 45% têm ensino médio completo e 18,5%, ensino superior completo. Os trabalhadores formais com ensino fundamental caíram um pouco e agora representam 24,5%. Analfabetos praticamente inexistem nesse universo (0,3%). “Os dados evidenciam a manutenção da trajetória de elevação do nível de instrução formal dos trabalhadores”, diz o Dieese, em nota técnica.

As mulheres, que somam 42,8% do total de ocupados, chegam a 59% entre os empregados formais com ensino superior completo e a 52% entre os que têm ensino superior incompleto. Em todas as outras faixas de escolaridade, a participação masculina é maior.

No recorte por idade, o emprego formal cresceu de forma generalizada, mas com destaque para a população a partir de 50 anos e no intervalo de 30 a 39 anos – esta faixa concentra 30% das vagas. Quem cresceu mais em 2013, relativamente, foram as faixas etárias mais elevadas, enquanto o emprego dos jovens cresceu menos, o que pode evidenciar um ponto positivo: os jovens estariam retardando a sua entrada no mercado para priorizar os estudos, ou desfrutando do aumento da renda familiar.

“Ainda que persistam problemas estruturais no mercado de trabalho comparados à Europa, por exemplo, há de se observar que hoje a juventude no Brasil tem melhores perspectivas que no passado e tem também programas como Pronatec, Prouni, entre outros”, diz Ana Luíza. O professor Marcelo Manzano, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vê na saída dos jovens do mercado um fator estrutural. “Essa é uma mudança perene, não circunstancial”, diz.

Para Manzano, um fator de preocupação, hoje, refere-se ao emprego no setor industrial. “O Brasil descuidou muito nesse aspecto. A nossa indústria vem perdendo competitividade muito rapidamente. Depois da crise de 2008, houve um acirramento da competição internacional no setor de manufaturados. Alguns elos da nossa cadeia produtiva estão sendo devastados de forma irreversível.”

Para ele, este foi um ano particularmente ruim devido à crise na Argentina, maior parceiro comercial do Brasil no segmento automobilístico. Manzano identifica uma tendência de sucateamento da indústria no longo prazo, mas lembra que os problemas não são recentes, começando ainda no governo Collor, no início dos anos 1990, com liberalização comercial e, posteriormente, valorização do câmbio. “São 20 anos de cenário desfavorável à produção industrial. A gente abrir mão desse conjunto de empregos é uma grande irresponsabilidade”, afirma.

Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, o emprego industrial hoje corresponde a 17% dos ocupados, segundo pesquisa da Fundação Seade e do Dieese. Quinze anos atrás, eram 20%.

Salários

Dados do IBGE apontam que a renda do trabalhador continua em alta e mais de 90% dos acordos salariais têm sido fechados com índices acima da inflação. Mas seguem sendo um exemplo de desigualdade. Pela Rais, por exemplo, os rendimentos médios da região Nordeste (R$ 1.789,59), os menores do país, equivaliam no ano passado a 66,6% daqueles pagos no Centro-Oeste (R$ 2.686,52). Em 2011, a proporção era de 65%.

Entre os estados, os valores vão de R$ 1.633,85 (Ceará) a R$ 4.217,61 (Distrito Federal) – mas os dados mostram um esboço de redução de disparidade. No primeiro caso, houve alta de 2,63%, enquanto no segundo a renda caiu 0,39%. Já a renda das mulheres corresponde, em média, a 82,3% da remuneração dos homens.

Em relação à taxa de desemprego, Marcelo Manzano não vê nenhum indicador, mesmo com baixo nível de atividade econômica, que aponte crescimento. “Pode ter alguma oscilação. Estamos vivendo um período de estagnação e não de recessão”, afirma. “Podem ocorrer algumas oscilações conjunturais. Esse patamar próximo de 5%, 6%, deve permanecer. Não vamos continuar crescendo de forma acelerada, nem há mão de obra disponível. Mas o importante é que continua absorvendo mão de obra”, acrescenta o economista, atribuindo declarações sobre uma possível alta do desemprego ao “calor do momento eleitoral”.

“O Brasil tem apresentado taxas de crescimento abaixo do desejado e a retomada de taxas mais vigorosas depende, por exemplo, de suas relações de comércio com a Argentina, do crescimento internacional e da redução de preços como câmbio e juros, o que melhoraria nossa competitividade”, diz Ana Luíza. “No entanto, se nos primeiros dois trimestre do ano falou em ‘recessão técnica’ pela queda do PIB, tal índice deve vir positivo no terceiro trimestre.”

Fonte: Rede Brasil Atual