Camila Marins, da Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros)
A não renovação das concessões do setor elétrico nos estados de Santa Catarina, do Paraná, Minas Gerais e São Paulo começa a causar preocupação. Isso porque os contratos da maioria destas irão vencer em 2015. A preocupação imediata é a Usina Três Irmãos, da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), cujo contrato está vencido desde novembro de 2011. A Cesp terá de entregar também à União as usinas localizadas no rio Paraná: Ilha Solteira e Jupiá, cujas concessões terminam em julho de 2015. Estes e outros pontos foram pautados durante a reunião da Mesa de Energia, que aconteceu, no dia 16, em Brasília, com representantes do Governo Federal e da Plataforma Operária e Camponesa pela Energia. De acordo com o representante da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), na Plataforma, Ulisses Kaniak, o setor de energia é estratégico para o país e deve assumir controle estatal. “Além das licitações do setor elétrico, ainda estão previstas as rodadas de leilão de petróleo. Num cenário mais otimista do setor elétrico, a Eletrobras pode entrar no leilão e assumir o controle estatal das usinas”, apontou. Além da Cesp, estão em jogo as empresas Copel (PR), Celesc (SC) e Cemig (MG).
Segundo o integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Gilberto Cervinski, o Ministério de Minas e Energia já está encaminhando o processo de licitação, por meio das portarias 117 e 123. “Estas duas portarias abrem as portas para o processo de privatização das usinas. Ao todo, estão em jogo mais de 10 mil megawatts”, contou. O diretor da Fisenge, José Ezequiel Ramos acredita que a Mesa de Energia é um espaço de interlocução essencial para potencializar o esforço dos trabalhadores, tanto do campo como da cidade, na luta por bens estratégicos para a soberania do país. “Precisamos assumir um caráter nacionalista do setor de energia como um todo. É imprescindível que o governo assuma mais empresas do campo estratégico”, finalizou.
O setor elétrico brasileiro passou por profundas mudanças desde a década de 1990, que significaram a introdução de uma lógica mercantil no setor, especialmente na geração e na comercialização da energia. Um exemplo é a Light, privatizada, em 1996, pelo programa federal de desestatização por meio de leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. “Com a privatização da Light, tivemos um número enorme de demissões e, principalmente, na perda de memória técnica da empresa”, explicou o presidente da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Franklin Moreira. Recentemente, de acordo com dados divulgados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Light ficou entre as dez piores empresas do país. Somente no ano passado, a empresa deixou os consumidores no escuro por 18 horas, o dobro do permitido pela Aneel. Isso acontece porque as empresas colocam como metas o alcance e o aumento do lucro, em vez de considerar o setor de energia como prioridade para o desenvolvimento social do país.
Terceirizações e a precarização do trabalho
Uma consequência das privatizações são as terceirizações, cujo principal objetivo é a precarização das relações de trabalho. “Além de má prestação de serviços e tarifas altas, as privatizações acarretam nas terceirizações de mão de obra, que afetam diretamente a saúde do trabalhador. Os terceirizados vivem jornadas exorbitantes de trabalho, o que aumenta o tempo de exposição ao risco de doenças e morte”. É cada vez maior o número de mortes entre trabalhadores terceirizados, principalmente no setor elétrico.
Dados recentes do Dieese informam que a taxa de mortalidade entre terceirizados chega a ser três vezes superior. Segundo informações da Organização Internacional do Trabalho – OIT, os acidentes de trabalho são responsáveis pela morte de três pessoas a cada minuto no mundo todo. Recentemente, a Companhia Sul Paulista Energia (CSPE) foi obrigada a interromper a terceirização de serviços de construção e manutenção de rede elétrica sob pena de multa de R$20 mil, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A decisão partiu da juíza Eliane Aparecida Aguado Moreno, da Vara do Trabalho de Itapetininga (SP), que considerou procedentes os pedidos do procurador Gustavo Rizzo.
A ação condena a concessionária – subsidiária do grupo CPFL Energia – a não contratar serviços terceirizados para execução de suas atividades-fim. No entendimento do Ministério Público do Trabalho (MPT) atividades-fim estão relacionadas à construção e à manutenção da rede elétrica. A lei 8.987/95 não autoriza, em seu artigo 25, que tal prática seja adotada por empresas concessionárias de serviço público.
Trecho do documento emitido pela juíza afirma: “como se vê, o objeto social da ré não se limita à transmissão da energia elétrica, mas alcança, por óbvio, todas as tarefas e atividades necessárias para a efetivação de tal transmissão, inclusive e principalmente a manutenção da rede de transmissão. Ora, é exatamente esta atividade que a ré vem terceirizando, como se vê no objeto dos contratos que celebrou com as empresas terceirizadas, no qual se vê que à empresa terceirizada caberia efetuar a prestação de serviços contínuos de construção e manutenção de linhas e redes de distribuição aéreas e linhas de transmissão 34,5 kV – serviços efetivamente vinculados à atividade-fim da ré”.
Ao considerar energia como mercadoria, as empresas privadas tornaram-se grandes geradoras de lucro. De acordo com nota técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), nos últimos cinco anos, entre as 12 maiores pagadoras de dividendos aos acionistas, medido em proporção do valor da ação, nove são empresas de energia elétrica. E com o processo de privatização, a tarifa de energia elétrica no Brasil tornou-se uma das mais caras do mundo. “Nesse sentido, a renovação das concessões foi uma grande vitória dos trabalhadores, pois impediu que outras empresas fossem submetidas à licitação e, consequentemente, privatizadas”, destacou o presidente da Fisenge, Carlos Roberto Bittencourt.
Um estudo divulgado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro apontou que a tarifa brasileira sem impostos e encargos setoriais é superior à tarifa final de energia dos três principais parceiros comerciais brasileiros: China, Estados Unidos e Argentina.
Petróleo é nosso
Outra questão que vem preocupando os trabalhadores e movimentos sociais são os leilões de petróleo. O governo já anunciou, para maio, a 11ª rodada de leilão de petróleo e já estão previstas mais duas. “Cerca de dois PIBs brasileiros podem ir a leilão e isso é um prejuízo econômico e social muito grande para o país. É preocupante a realização de leilões num momento que a Petrobras passa por dificuldades financeiras e não pode entrar na licitação, o que amplia a possibilidade de entrada do capital internacional. Durante o tempo sem leilões, não houve qualquer risco de desabastecimento. As rodadas representam a mesma entrega que fizemos com o nosso ouro, pau Brasil, etc”, pontuou o presidente da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Antonio Moraes. O presidente da Fisenge, Carlos Roberto Bittencourt é enfático: “Mais do que nunca é preciso mobilização popular na defesa de setores estratégicos para a soberania do país”. Desde a quebra do monopólio da estatal em 1998 e a criação do modelo de rodadas de licitação de áreas de exploração de petróleo, a Petrobras teve uma atuação dominante nos leilões.
A mobilização dos movimentos sociais deve caminhar no sentido de empresas estatais, como Eletrobras e Petrobras, participarem dos leilões e assumirem o controle das empresas em disputa.
Eletrobras anuncia retirada do pagamento do adicional de periculosidade
Em um momento de plena campanha salarial para negociação do Acordo Coletivo de Trabalho 2013/2014, a Eletrobras anunciou, sem qualquer diálogo, a alteração da base de cálculo do pagamento do adicional de periculosidade dos trabalhadores do setor elétrico. Em vez de efetuar o cálculo pelo valor total da remuneração, a base será alterada para o valor do salário-base. Diante desta situação, a Fisenge encaminhou, no dia 11 de abril, um ofício à presidência da holding informando as distorções de tal medida e solicitando uma reunião com a direção da empresa. De acordo com o diretor de relações sindicais da Fisenge, Fernando Jogaib, esta ação viola claramente o direito adquirido da categoria. “Somos radicalmente contra este anúncio da Eletrobras. O pagamento do adicional da periculosidade é direito dos trabalhadores”, afirmou. A assessoria jurídica da Fisenge emitiu um parecer no qual afirma que, além de ir contra os Acordos Coletivos específicos e a normativa das empresas, esta medida viola o disposto no art. 7º, XXIII da CRFB/88, que dispõe sobre adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas.
O Sindicato dos Urbanitários do Maranhão conquistou uma liminar, que garante o pagamento da periculosidade sobre a remuneração dos trabalhadores da Eletronorte. A empresa ainda será notificada sobre a decisão nos próximos dias. O eventual descumprimento implicará em multa de R$ 1.000 por trabalhador afetado.