Fertilizantes: Quanto pior melhor

É o agronegócio quem decide se vamos comer carne, ovo ou osso

[Por Jailton Andrade*]

Em 1966 o Brasil consumiu 100 mil toneladas de fertilizantes. Em 2013 foram 29 milhões e em 2021, 40 milhões de toneladas de fertilizantes consumidas no país. Grande parte deles foram e são importados de países como a Rússia, China e Canadá.

A atual crise dos fertilizantes no Brasil não deriva da instabilidade infraestrutural da Rússia em sua guerra na Ucrânia, foi provocada bem antes pelo desmonte deliberado do setor aqui, a partir do golpe de 2016 com a entrada e Michel Temer no planalto e Pedro Parente na Petrobras (aquele da carta de renúncia de R$ 40 milhões) e aprofundado pelo governo Bolsonaro e Roberto Castello Branco, com o aval do Conselho de Administração da Petrobras, que já em 2016 mudaram profundamente o Plano de Negócios da companhia. Não fosse isso, o setor de fertilizante estaria em outro patamar.

Isso porque o plano da presidenta Dilma, por meio do PAC 2 era tornar o Brasil autossuficiente em fertilizantes nitrogenados em 2020. Na época, o Brasil contava com duas fábricas de nitrogenados da Petrobras: A FAFEN-BA e a FAFEN-SE. Em 2014, Dilma estatizou a Araucária Nitrogenados, que virou FAFEN-PR. Mas o país ainda era muito dependente do fertilizante importado. O governo Dilma, então, anunciou a construção de outras três fábricas: a FAFEN-MS (UFN-III), a FAFEN-ES (UFN-IV) e a FAFEN-UB (UFN-V).

Com o golpe, além da suspensão da construção destas novas unidades de fertilizantes propostas por Dilma e Graça Foster, os governos Temer/Bolsonaro, a direção da Petrobras e seu Conselho de Administração fecharam aquelas outras três fábricas da Petrobras que produziam fertilizantes sob o argumento de que o setor de fertilizante não era mais ponto de interesse da companhia.

Todos os sindicatos de petróleo do país alertavam para as sucessivas e absurdas decisões da Petrobras que tornou o país cada vez mais dependente energético externo, inclusive alijando do processo o Poder Legislativo, já que a Petrobras é uma empresa constitucional e não poderia ser desmontada pelos executivos da companhia sem uma lei que legalizasse as vendas ou hibernações (jogada linguística da Petrobras para chamar os fechamentos). É o princípio jurídico do paralelismo das formas, ou seja, o que foi criado por lei tem que ser extinto por lei.

Em 2018, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade por entender que o Legislativo não poderia está fora da discussão sobre estatais, mas o pleno do STF tratou logo de anular a decisão do ministro e liberou geral dando aval para que o presidente da Petrobras pudesse fazer o que bem entendesse com a empresa. Sobre a participação do legislativo nos processos das estatais leia meu artigo publicado no JusBrasil.

Com o STF devolvendo a caneta ao presidente da Petrobras ele fez o que bem quis. Abandonou o setor de fertilizante e deixou o Brasil própria sorte.

A crise é de fertilizante ou de escrúpulos?

Além da necessidade urgente de uma política nacional de fertilizantes, é preciso, do mesmo modo que o petróleo, sobretaxar as exportações.

Isso porque, além da crescente demanda internacional por alimento, quem está sendo impactado pela crise criada com o golpe é a sociedade consumidora que já tem o alimento encarecido pelo aumento dos insumos energéticos e para ela são repassados os novos custos do fertilizante. Enquanto isso, os produtores e a indústria agropecuária de um modo geral comemoram o retorno do capital promovido pelos preços internacionais das suas “commodities”.

Em entrevista ao Canal Rural em janeiro, a gerente de Produtos de Performance da Mosaic Fertilizantes, Maria Luisa Aguiar, por exemplo ,comemorou o “expressivo ganho adicional ao produtor rural” promovido pelo uso inteligente e tecnológico de nutrientes de alta performance “somando-se aos bons preços das commodities agrícolas”.

Já a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) comemora “a disparada nas cotações internacionais de trigo por conta da guerra entre Ucrânia e Rússia” que “gerou uma condição de mercado favorável para exportações do cereal do Brasil, com potencial para apertar a oferta nacional”. Nesse caso, “apertar a oferta” é ganhar ainda mais com preços altos no Brasil, igualzinho como fazem com os combustíveis.

Nas cotações em tempo real desta terça, Dia Internacional da Mulher, tudo verdinho para o Agro Pop Exportador.

O site Notícias Agrícolas, especializado no setor, trouxe, também nesta terça, a informação de que a “Produção de carne bovina cresce no 1º bimestre, mas forte ritmo das exportações enxuga em 8% a oferta no mercado interno”.

Que mal vai a pecuária brasileira com dois mercados pra escolher onde ganhar mais? Ganha com o reaquecimento da China e ganha no Brasil com a repressão voluntária da oferta.

Quando a China ameaçou parar de comprar carne do Brasil pela suspeita de vaca louca, o nosso pecuarista tratou logo de reduzir o abate para que os preços internos não caíssem. Nosso organismo está nas mãos desses canalhas. Eles decidem se vamos comer carne, ovo ou osso e hoje, como alertado há 5 anos, dependemos cada vez mais dos humores internacionais e da sanha do industrial brasileiro pra comer, nos locomover e desenvolver o Brasil.

* Jailton Andrade é diretor do Sindipetro Bahia.