Felicidade do brasileiro cresce mais que o PIB, e mais no Nordeste, diz Ipea

 

“Dinheiro não traz felicidade, mas manda buscar.” Esse velho bordão tupiniquim adaptado aos novos tempos talvez seja útil para resumir a principal conclusão de um estudo divulgado hoje (18) em Brasília pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). “O brasileiro gosta de consumir, mas talvez não seja isso que mais o faça feliz”, conclui Marcelo Neri, presidente do órgão, que é ligado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. “Nenhum país do mundo é mais insensível à aquisição de bens materiais do que o Brasil.”

As declarações parecem uma anacrônica ode à eterna capacidade nacional em sorrir apesar da pobreza, de fazer carnaval em meio à carestia da favela, mas, segundo Neri, estão apoiadas sobre indicadores internacionais. A ideia foi medir o desenvolvimento do país a partir de outros aspectos que não apenas o Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma das riquezas produzidas em território nacional. De acordo com o Ipea, ampliar o leque pode ajudar a entender porque o governo vem colhendo bons resultados nas pesquisas de popularidade (62% de aprovação, de acordo com o Ibope) apesar dos economistas estarem estarrecidos com as ameaças de estagnação (0,6% de crescimento no terceiro trimestre em relação ao segundo, com 0,9% no acumulado dos últimos doze meses).

“Claro que existe uma relação positiva entre dinheiro e felicidade”, pondera Neri, que coordenou a pesquisa chamada 2012: Desenvolvimento inclusivo sustentável?. “As pessoas que não têm renda dizem estar menos felizes. A felicidade também sobe com o nível de escolaridade, o que também tem a ver com a renda.” Os resultados do estudo se baseiam numa pesquisa global já conduzida em 147 países com a metodologia do instituto Gallup. “O Brasil ocupa a 16ª posição no ranking da felicidade”, continua o presidente do Ipea, informando que, numa escala de 0 a 10, os brasileiros atribuíram nota 7,1 a suas condições de vida. “Em 2006, estávamos na 22ª colocação.”

Marcelo Neri pontua que, apesar de o dinheiro reconhecidamente mandar buscar alguma felicidade, como diz o ditado, isso não é visto no Brasil numa intensidade tão grande como nos demais países. “Temos mais felicidade do que dinheiro no bolso.” E o maior exemplo dessa relação inversa, segundo o Ipea, está no Nordeste brasileiro: é a região mais pobre do país e que tem menor escolaridade, mas, de acordo com o estudo divulgado hoje, é a que apresenta melhores índices de felicidade – se fosse um país, o Nordeste ocuparia a 9ª posição no ranking, com 7,38 pontos, entre Finlândia e Bélgica. Em compensação, as regiões Sul e Sudeste, notadamente as mais ricas, abrigam moradores menos satisfeitos com a vida que levam. “É o paradoxo nordestino”, classifica, “e mostra que, no Brasil, felicidade não é só uma questão financeira.”

O roteiro seguido pelo estudo do Ipea nasceu de uma comissão internacional liderada pelos vencedores do prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz e Amartya Sen, que sintetizaram quatro aspectos a serem levados em consideração na hora de medir o desenvolvimento de um país: crescimento da média de renda captada em pesquisas domiciliares; grau de inclusão incorporando medidas de desigualdade verticais e horizontais; sustentabilidade dos padrões de vida; e percepções das pessoas sobre elas mesmas. De acordo com Stiglitz e Sen, a análise – que leva em conta características subjetivas – oferece um retrato mais fiel da situação de um país do que as curvas de evolução do PIB.

“O mercado brasileiro ainda não sentiu os efeitos da crise europeia”, atesta Marcelo Neri. “Não só não sentiu, como está com características mais fortes: a renda das famílias continua crescendo – e crescendo mais, em contradição com o PIB; a desigualdade continua caindo, e a redução é ainda maior nos setores tradicionalmente mais excluídos, como mulheres, negros e nas periferias.” Para o presidente do Ipea, os dados apontam que o crescimento brasileiro hoje em dia é mais sustentável. “As contas nacionais vão mal, mas as pessoas em suas casas reportam indicadores de progresso social continuado”, aponta. “Podemos dizer que, com a economia estagnada, os efeitos negativos serão sentidos em algum momento. Mas essa realidade já vem de alguns anos.”