Desde 2002, quando as projeções previdenciárias passaram a ser obrigatórias por lei, as expectativas do governo brasileiro não correspondem à receita efetivamente realizada no ano previsto, sendo estimadas para baixo. A conclusão é do relatório “A Previdência Social em 2060: as inconsistências do modelo de projeção atuarial do governo brasileiro” lançado neste mês pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
O estudo, composto por três artigos, classifica como “draconianas” e “catastrofistas” as projeções realizadas pelo governo e chega a questionar se realmente existe um modelo atuarial, ressaltando a falta de confiabilidade das projeções do governo federal para respaldar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287. Em fevereiro, as entidades lançaram o relatório “Previdência: reformar para excluir“.
Prova de que a administração não consegue ter uma previsão estatística confiável da previdência é que em 2002, por exemplo, o governo projetou uma receita previdenciária, mas arrecadou R$ 161 bilhões a mais do que o esperado. O mesmo ocorreu em 2013, quando o governo arrecadou R$ 186 bilhões a mais que o previsto. Da mesma maneira, em 2014 a receita projetada foi R$ 209 bilhões maior do que a estimada.
O relatório vale-se de erros semelhantes para embasar os problemas de cálculo na estimativa do déficit do sistema da Previdência Social. O Ministério da Fazenda, encabeçado por Henrique Meirelles, projeta que, sem uma reforma, o orçamento com a Previdência consumirá 17,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2060.
Porém, de acordo com o professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) Cláudio Alberto Puty, um dos coordenadores do novo estudo da Anfip e do Dieese, em conversa com o Brasil de Fato,estes dados estão baseados em pressupostos “absolutamente frágeis” para construir uma “falsa certeza” sobre os resultados. O economista adverte que os dados utilizados pelo governo e que estão pautando o debate não podem ser tomados como verdades inquestionáveis. Segundo ele, os números são pouco acurados e forçam o aumento dos gastos previdenciários de maneira artificial ao prever, por exemplo, um crescimento do salário mínimo de 6% ao ano entre 2020 a 2055, o que ele considera irreal.
“Temos certeza de que o governo está errado. Estão subestimando as receitas previdenciárias para justificar uma reforma profunda na previdência social que, ao fim e ao cabo, justifique a privatização do sistema — ao fomentar uma corrida contra o ISS e uma migração para fundo privados de pensão”, disse.
O engenheiro Solón Venâncio, pesquisador titular Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), colaborou com o estudo quantificando os erros do governo. Ele pondera que qualquer previsão matemática e científica tem erros e que “ninguém prevê o futuro”, mas que há saídas teóricas para minimizar as margens e impactados: “o governo poderia comparar cenários distintos, por exemplo, como o aumento de políticas públicas”, apontou.
A análise de outros cenários ajudaria o governo e a sociedade civil a encontrarem novas respostas para a Previdência. “Eles dizem que essa PEC é a única saída, mas não é”, pontuou o engenheiro.
Falta de transparência
Já Puty, que foi secretário executivo do Ministério do Trabalho e da Previdência durante governo da ex-presidenta Dilma Rousseff, afirma que, dentro da pasta, o problema de cálculo já havia sido apresentado na gestão anterior. “Percebemos que haveria possibilidade de se melhorar muito o processo pela forma como se projetavam os resultados previdenciários futuros”, disse.
Na última quinta-feira (16), o economista participou de uma das audiências da Comissão Especial da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados para apresentar os dados obtidos no estudo. Na ocasião, Meirelles enviou um ofício do Ministério da Fazenda à comissão considerando a possibilidade de se adotar um novo cálculo. Para Puty, a pasta “admitiu que o modelo anterior não funcionava”, mas não explicita de forma transparente as novas contas.
Por sua vez, Venâncio pondera que o governo demorou para explicitar estes novos métodos de trabalho e, ainda assim, muitos dados permanecem obscuros.
O engenheiro pondera ainda que o governo alardeia com urgência o tema e que há soluções alternativas que não são estudadas para aumentar a arrecadação do sistema previdenciário, como a maior taxa de formalização do mercado de trabalho no Brasil. “A situação só começaria a piorar a partir 2025, então nós teríamos tempo para ter um debate mais aberto e democrático, que não tem”, disse.
O Brasil de Fato procurou, por e-mail, a assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda, mas até o fechamento não obteve resposta da pasta.
VIA Brasil de Fato
Edição: Vanessa Martina Silva