O Sindipetro-ES entrevistou a psicóloga Kaíza Oliva Donadia Chagas, que explicou os efeitos da pandemia sobre as relações de trabalho e seus impactos na saúde mental dos trabalhadores
[Da imprensa do Sindipetro-ES]
A pandemia provocada pela Covid-19 mudou completamente a rotina dos/das trabalhadores/as. Seja por teletrabalho ou, ainda, pelo serviço presencial, as relações no ambiente de trabalho assim como nas nossas casas, com familiares, amigos e vizinhos, precisaram ser reconfiguradas.
E cada um precisou se adequar como pode, alguns com mais condições, outros com menos. Não só na estrutura física, mas principalmente nas questões emocionais, e que afetam diretamente a nossa saúde mental. “Foi muito tenso e preocupante trabalhar presencialmente durante todo esse período de pandemia”, relata o petroleiro Reinaldo Alves de Oliveira, diretor da Secretaria de Finanças do Sindipetro-ES.
Ele conta, ainda, do quanto que a confiança, no ambiente de trabalho, foi diretamente prejudicada por conta da chegada do novo coronavírus. “A relação direta, no trabalho, foi muito prejudicada devido às incertezas. Apesar de a empresa disponibilizar os recursos e as informações para prevenir o vírus, sempre há riscos devido às viagens e às entradas e saídas de pessoas externas e dos terceirizados administrativos”, exemplifica.
Porém, nesse campo de dúvidas e inseguranças, Reinaldo aponta que houve união da categoria, buscando se proteger ao máximo. “Estamos todos preocupados com a saúde dos colegas”, frisa.
E é exatamente esse sentimento de coletividade e de preocupação pela saúde de todos e de todas, que o Sindipetro-ES entrevistou a psicóloga Kaíza Oliva Donadia Chagas. Na conversa, ela nos conta um pouco mais sobre o quanto essa alteração na rotina do/da trabalhador/a, por conta da pandemia internacional da Covid-19, pode ter interferido diretamente na qualidade no trabalho, assim como na relação entre trabalhadores/as e na saúde mental de nossa categoria.
O mês de setembro é conhecido, internacionalmente, como Setembro Amarelo, data escolhida para que ações, no mundo inteiro, tragam a público os debates sobre saúde mental e, principalmente, sobre suicídio. Como ela mesma nos conta, “ouve-se muitos relatos de consequências como insônia, agitação ou letargia, aumento de ansiedade e sentimentos de tristeza e angústia, frente às incertezas causadas pela pandemia”.
Confira a entrevista logo abaixo!
De que forma a pandemia pode ter interferido na rotina do trabalhador? E na sua relação direta com o trabalho?
Antes de afirmarmos qualquer aspecto entre trabalho e a situação pandêmica, devemos lembrar que há vários pontos de vista sobre tal questão. Para os trabalhadores que precisaram manter o trabalho presencial, a rotina de trabalho pode ter gerado uma maior sensação de insegurança, medo e desconforto. Para àqueles que estavam em modalidade de teletrabalho, há o grupo que teve a sensação de sobrecarga (trabalho formal + trabalho doméstico + cuidado dos filhos, dentre outros) e também àqueles que se adaptaram à modalidade home office. Portanto, podemos afirmar que a pandemia alterou a rotina de trabalho, uma vez que os cuidados consigo e com os demais se colocou em evidência: novos hábitos de limpeza de seus postos de trabalho, novas maneiras de se relacionar com o colega (mantendo distanciamento, utilização de máscaras e a impossibilidade de ler expressões nos rostos, etc), a constante vigilância de seguir os protocolos de segurança/higiene.
O isolamento social, acompanhado do home office, interferiu nas relações de trabalho? Pode dar alguns exemplos do quanto esse distanciamento pode afetar ou já afetou os/as trabalhadores/as?
Pode-se dizer que a modalidade de home office e o isolamento social trouxeram consequências para a subjetividade do trabalhador: para muitos, vida pública e vida familiar não se entrelaçavam e, por conta da necessidade do teletrabalho, o trabalho passa a ocupar muito mais tempo que usualmente ocupava: a “não presença” física do empregador não deixa de causar sensações de cobrança na execução de tarefas e no cumprimento delas, ou seja, as fronteiras que estavam claras sobre tempo para o trabalho e tempo para a família, descanso e ócio passaram a diminuir e a intensificação do trabalho passou a invadir os espaços destinados à lazer, relaxamento mental e recuperação de fôlego.
Além disso, podemos destacar as relações sociais no trabalho: o estabelecimento de novas formas de interação e comunicação entre as equipes. Nós brasileiros, somos uma cultura de contato físico e de muita aproximação, portanto, para muitos houve uma dificuldade em adaptar-se na modalidade de reuniões online e pela falta do contato mais físico com os pares, gerando estresse, mal estar físico e mental e estafa.
Muitos/as são pais e mães. Dividir o tempo de casa entre o trabalho, a educação dos filhos (devido às escolas fechadas) e os serviços domésticos sobrecarregou os/as trabalhadores/as. Essas multifunções, muitas vezes uma atropelando a outra e ocupando espaços ao mesmo tempo, interferem na qualidade do trabalho e, ainda, na qualidade de vida do/da trabalhador/a?
Sim. Para muitos a vida pública (nas relações no espaço do trabalho) e a vida íntima (a vida vivida no ambiente familiar) raramente se entrelaçavam. Com a adoção do teletrabalho, muitos sentiram-se “invadidos”, constrangidos e desconcertados em perceber que a mistura desses ambientes poderia lhes causar complicações nas execuções de atividades em ambos as atmosferas.
Além disso, ouve-se muitos relatos de consequências como insônia, agitação ou letargia, aumento de ansiedade e sentimentos de tristeza, angústia frente às incertezas causadas pela pandemia e medo do avanço do vírus, da possibilidade de adoecer ou de que alguém da família adoeça, etc. Faz-se necessário que as empresas e gestores estejam atentos à saúde mental dos trabalhadores e que se tomem ações que estabeleçam boas práticas de comunicação e interação entres os trabalhadores, direcionamentos claros e objetivos sobre as ações que a empresa tomará perante as adversidades a serem enfrentadas, dentre outros.
E o retorno às atividades? De que forma isso pode prejudicar o trabalhador ao retomar sua rotina e a sua relação de confiança com o ambiente onde trabalha?
Como mencionado anteriormente, o medo do avanço do vírus, o receio de adoecer ou de que algum familiar adoeça gera sentimentos como insegurança, desconforto, raiva e até mesmo impotência de enfrentamento. A relação de confiança é quebrada justamente pela percepção desses sentimentos mencionados.
Empresas e gestores devem estar atentos à saúde mental do trabalhador, adotar e seguir todos os protocolos de segurança e higiene, adotar comunicação clara e objetiva, fornecer os equipamentos e suporte necessário para o enfrentamento da pandemia. Assim, é possível que a confiança com o ambiente de trabalho possa aos poucos possa ser reconstruída e restabelecida.
Estamos no mês de setembro, conhecido mundialmente como Setembro Amarelo. Debatemos, nele, questões que envolvem a saúde mental, em especial daqueles que, de alguma forma, chegam a pensar e até a realizar suicídio. Como a pandemia, e essas novas condições impostas a todos nós, refletem diretamente na nossa saúde mental?
Ao pensar sobre a pandemia e como ela influencia diretamente na nossa saúde mental, a gente pode tratar logo de cara a questão do isolamento social, o distanciamento. O brasileiro é de uma cultura mais calorosa, que se importa em estar presente com o outro, em estar próximo, em compartilhar suas experiências e vivências com o outro, mas de maneira física. E essa necessidade de adaptação muito rápida, aos novos contextos causados pela pandemia; essa necessidade de realmente se isolar e de ter que lidar consigo mesmo; ou, então, essas mudanças de rotina, com marido e esposa, ou companheiros, que começaram a dividir a vida 24 horas e que, antes, tinham o trabalho como outro espaço de ambientação, relaxamento e construção de novos vínculos; tudo isso, de certa forma, afeta diretamente nas nossas relações, e também vai afetar diretamente na análise de quem nós somos.
Então ter que lidar diariamente, dentro de um único espaço, sobre quem realmente nós somos, facilita a exposição das nossas fragilidades, dos nossos medos e das nossas angústias. E, por isso, temos ouvido o aumento de casos de depressão, de ansiedade e de pânico, por exemplo, nesses últimos meses. A pandemia trouxe muita incerteza, e o ser humano tem uma necessidade de controle. E não ter mais o controle de certas coisas que antes a gente tinha, no dia a dia, nos deixa diante dessa inviabilidade de situações. Por exemplo: a incerteza de que poderá ir trabalhar sem se contaminar ou adoecer; a incerteza de que certos planos não serão concretizados. Tudo isso vai ampliando uma questão de desestruturação psíquica, e a gente acaba se sentindo, muitas vezes, impotentes.
E de que forma podemos estar mais atentos/as a essas questões e, ainda, a ajudar aqueles/as que precisam de socorro?
A partir daí, desse momento de desestruturação psíquica, que começam a aparecer certos sinais e, aos poucos, certas pessoas apresentam comportamentos que antes não eram apresentados. Alguns deles são bem perceptíveis, como tristeza, letargia constante, muita vontade de dormir e, até, aquelas pessoas que falam, mesmo brincando, que “querem se matar”. Esses comportamentos e ideações suicidas são apresentáveis, também. Outras ficam com muita vontade de dormir o tempo inteiro, para não ter que lidar com as dificuldades do dia a dia. Afinal, às vezes é mais fácil dormir do que enfrentar essas diversidades. Mas o que podemos fazer nesses momentos? Além de aconselhar essa pessoa a procurar o acompanhamento de profissionais da área da saúde, o que é imprescindível; também podemos ajudar a quebrar os paradigmas e os estereótipos referentes às pessoas que fazem o acompanhamento psicológico, porque infelizmente ainda há muita gente que acha que esses tratamentos são para “doidos” ou para aqueles que sofrem com algum transtorno. É muito importante apoiar essas pessoas, caso elas procurem um profissional de saúde mental, para que possam se sentir acolhidas.
Além disso, podemos ser os ouvidos dessas pessoas. Virar o seu ponto de apoio. Incentivá-las a falar sobre elas, sobre as emoções e os seus sentimentos, e não apenas sobre os positivos e as nossas conquistas. Mas, também, sobre as falhas, as tristezas, os planos que não deram certo, as frustrações do dia a dia… Falar é o caminho. É fundamental que essas pessoas se sintam realmente recebidas, de braços abertos, com confiança e apoio para lidar com suas fragilidades.