Encontro no Equador denuncia manipulações dos conglomerados de mídia

CUT

Fortalecer o papel dos meios públicos de comunicação enquanto instrumentos da sociedade para dar voz ao conjunto da população e combater a alienação e a manipulação dos grandes conglomerados de mídia , que comportam-se cada vez mais como partido político para induzir uma pauta reacionária e neoliberal, conforma os seus interesses e de seus anunciantes.

Esta foi a tônica do debate realizado entre o secretário de Comunicação da Presidência de El Salvador, David Rivas, e o ex-ministro da Secretaria de Informação e Comunicação do Paraguai, Augusto dos Santos, quinta-feira (20), durante o Encontro Latino-Americano de Comunicação Popular e Bem Viver, em Quito, Equador.

Conforme o moderador do debate, Mauro Cerbino, da universidade Flacso, os dois panelistas evidenciaram, assim como a realidade equatoriana mostra todos os dias, que temos um sistema de meios de comunicação com níveis inaceitáveis de deformação de consciências “através da concentração da audiências via jornais, revistas, redes de rádio e televisão”. “Empresas midiáticas têm sido criadas para serem grandes formadores de opinião,  escolhendo o que a população deve ou não conhecer. Fazem mais política que os próprios políticos, com iniciativas de grupo que se sobrepõem aos interesses da coletividade”, acrescentou.

Cerbino lembrou que após uma auditoria de três anos nas concessões públicas equatorianas ficou evidenciado que mais de 50% das frequências foram entregues de forma ilegal ou abertamente fraudulenta. Agora, alertou, estes mesmos criminosos têm se utilizado destes poderosos instrumentos para atacar o projeto que cria um novo marco legal para a comunicação no país. “Querem continuar como uma instância que pode colocar em xeque os governos, atuando de costas à cidadania”, sublinhou.

MÍDIA FOMENTOU O GOLPE NO PARAGUAI

 

Ex-ministro da Comunicação do governo Lugo, Augusto dos Santos denunciou os crimes da mídia paraguaia

Ex-ministro da Comunicação do governo Lugo, Augusto dos Santos denunciou os crimes da mídia paraguaia

Citando nominalmente o envolvimento do jornal ABC Color no golpe contra o presidente Fernando Lugo, o ex-ministro Augusto dos Santos frisou que a postura partidarizada do órgão de maior circulação no Paraguai, capitaneando o conjunto dos meios, foi antes, durante e continua sendo, o de “liderar uma oposição concreta a todos os projetos progressistas seja no âmbito social, político ou econômico”.

Conforme relatou Santos, os meios privados paraguaios estão muito alinhados, o que potencializa sua “logística, eficiência e alcance” em prol de transnacionais, bancos e da elite local. “A fonte de financiamento acaba marcando a tendência editorial do meio”, pontuou.

Diferente desta homogeneidade alinhada com as elites retrógradas do país e do continente, defendeu, “os meios públicos não têm opção preferencial e devem por ênfase na defesa dos mais desprotegidos”. Assim como o Estado precisa garantir a provisão da água, da saúde, da educação e da energia, ressaltou Santos, também precisa garantir o direito à comunicação veraz, livre das influências e manipulações dos meios mercantis.

 

“O que precisa ficar claro é quais são os meios públicos e quais os do governo, pois têm identidades distintas. O governo tem todo o direito de se comunicar com a população de forma direta e independente é precisa ter os seus instrumentos. Quanto aos meios públicos, precisam ter garantida a construção participativa, bem como recursos para funcionar de forma independente”.

Augusto lembrou que após sete décadas de governo do Partido Colorado no Paraguai foi construído um processo democrático, durante três anos, que fez com que na comunicação, por exemplo, todos os cargos da TV pública fossem preenchidos via concurso, o que possibilitou que a população encontrasse ali uma forte trincheira de resistência. Para não ficar refém do inimigo, informou, “também fundamos um semanário do governo e uma agência informativa”.  Dado o golpe, veio a onda de demissões na instituição.

A matança dos camponeses paraguaios em um enfrentamento onde foi morto o próprio chefe militar destacado para negociar, irmão do chefe da guarda presidencial, lembrou o ex-ministro, “foi utilizada pela oposição e pela mídia privada para justificar o impeachment do presidente Lugo, o que joga luzes sobre o que veio posteriormente”.

De acordo com lideranças dos movimentos sociais paraguaios, há mais do que evidências, em função da perfuração de coletes à prova de bala e da precisão dos tiros vindos do lado em que encontravam-se os camponeses do envolvimento da CIA.

MEIOS PÚBLICOS SÃO PARA O PAÍS

Para o representante de El Salvador, “os meios públicos são aqueles em que cabem todo o país e têm uma lógica diferente daquela dos meios privados, fundamentalmente guiados pela maximização dos lucros”. Na mídia privada, frisou, “o objetivo não é a qualidade, a formação da cidadania, da cultura de respeito ao meio ambiente, mas os recordes de audiência sem preocupação com as necessidades da população. Para nós, política pública significa respeito ao interesse público e não do público”. Este ponto precisa ser reiterado, destacou, pois em função de determinadas pautas mais facilmente assimiláveis e comercializáveis “se invisibilizam completamente outros temas de interesse. Há uma absolutização do cifrão em detrimento do conteúdo”.

David Rivas defendeu que a comunicação pública deve dialogar com a “construção de uma agenda de país, até para que os meios tradicionais mudem”. Desta forma, assinalou, “não cabe ao espaço público ter programas marginais, medíocres, de baixa qualidade de conteúdo e de baixos níveis de audiência. É necessário que o Estado garanta uma boa programação e por isso precisa de investimento. É possível, evidentemente, que um programa não tenha muita audiência, mas pela sua relevância cultural precise estar no ar. É a disputa entre um bom documentário, um noticário que informa e outro banal, onde a violência é o prato principal”.

O representante salvadorenho repudiou o que qualificou de “espetacularização da notícia” e alertou para a tentação de incorrer nos mesmos erros de “truques e sensacionalismo”. “É como um cavalo de parque de diversões, onde ficaríamos em movimento, mas rodando sobre uma mesma base. Por isso em El Salvador temos investido num trabalho de fortalecimento das consciências e de resgate da memória histórica”.

Acreditando na “direção coletiva e não na verticalização”, David falou sobre o projeto de lei proposto pelo governo salvadorenho, “que estará terminado em alguns dias”, “onde os meios públicos têm como função o desenvolvimento da cultura, do conhecimento e da educação”. Para isso, explicou, “propomos um conselho consultivo e um comitê de controle firmado por organizações culturais, sindicais, ambientalistas, profissionais do Ramo, portadores de deficiência e também por representantes salvadorenhos no exterior, já que temos um terço dos nossos compatriotas vivendo fora do país”. Além dos recursos públicos, disse, “a proposta é que as emissoras tenham uma publicidade muito seletiva, com muito filtro”.

COMPLEMENTARIDADE DOS SISTEMAS

Para a secretária nacional de Comunicação da CUT e coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Rosane Bertotti, “entre os pontos chaves expostos pelo debate está a necessidade da complementaridade dos sistemas público, privado e estatal”.  “Do ponto de vista dos movimentos sociais e pela democratização da comunicação, colocamos prioridade no fortalecimento do sistema público, a fim de que se estimule a reflexão, a crítica e a participação popular nos processos políticos. Isso é fundamental para construir e consolidar um projeto de país, o que significa olhar para a diversidade regional,  cultural e racial, garantindo a pluralidade de vozes”, declarou.

Na avaliação de Rosane, “comunicação pública requer gestão pública com independência financeira e plena participação dos diferentes atores”. A democratização da comunicação propiciada por este poderoso instrumento, ressaltou Rosane, “colocará os indivíduos como sujeitos do processo de democratização da comunicação e do próprio Estado, pois a ampliação do diálogo com a população tornará mais ágeis e eficientes as suas estruturas”.