O dia 18 de novembro de 2015 foi um marco na história pela igualdade racial no Brasil. Milhares de mulheres negras, quilombolas, indígenas e yalorixás abriram a primeira edição da Marcha das Mulheres Negras, em Brasília, e denunciaram na capital federal a intolerância religiosa e o racismo.
Milhares de mulheres negras, quilombolas, indígenas e yalorixás abriram a primeira edição da Marcha das Mulheres Negras, em Brasília, e denunciaram na capital federal a intolerância religiosa e o racismo. Na semana do dia da consciência negra, a marcha em Brasília tem o lema “Contra o racismo, a violência e pelo bem viver”. Os movimentos alertam para dados como os do “Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil”, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flasco), que apontou que o número de mulheres negras assassinadas aumentou em 50% de 2003 até 2013.
A marcha foi uma iniciativa de diversas organizações, entre elas, a CUT e coletivos do Movimento de Mulheres Negras e do Movimento Negro, além de contar com o apoio de importantes intelectuais, artistas e ativistas.
[foto: CUT]
A marcha homenageou importantes personalidades negras como Dandara, Zumbi dos Palmares, Nelson Mandela, Carolina de Jesus, Lélia Gonzalez. Por volta das 13h53, as mulheres ocuparam o Congresso Nacional aos gritos de “Fora, Cunha”.
Dona Aideê Nascimento, 61, candomblecista, do quilombo Portão, município baiano, está na luta contra a discriminação há vários anos, mas levou para a marcha esperanças de dias melhores. “Aos poucos estamos conseguindo a nossa fala e enfrentando a intolerância de todo tipo. Inclusive nos terreiros e nas comunidades quilombolas, onde ainda não conseguimos viver com dignidade”, disse.
A maranhense Amanda Costa, 21, viajou 30 horas e relata que foi vítima de racismo a caminho da marcha. Na estrada, ela saiu para almoçar com amigas e, ao reclamar da comida que estava estragada, a dona do restaurante chamou todas de macaca e que não deveriam estar ali.
“Fomos reclamar como consumidoras e ela se irritou. Mas viemos para cá lutar contra essa senhora e contra a sociedade racista. Por mais que não admitam que são racistas, quando olham um menino negro na rua, atravessam de pista. É racista quando a polícia só aborda homens negros. Sou moradora da periferia de São Luís e vejo que os policias não respeitam nem os estudantes vindo da escola”, ressalta Amanda.
Durante o percurso, as mulheres negras seguiam cantando música afro e reverenciando suas ancestralidades em defesa da cidadania. O evento também protestou contra os projetos de lei que restringem os direitos das mulheres, sobretudo das negras, de autoria do presidente da Câmara Nacional, Eduardo Cunha. “Ô Cunha, cadê você, eu vim aqui só pra te prender”, “ai, ai, ai, ai, empurra o Cunha que ele cai”, fazia parte do coro da manifestação.
Para Andreia Roseno, da Marcha Mundial de Mulheres, a manifestação faz história no país, porque mostra que o silêncio não é mais uma realidade para elas. “Não queremos mais conviver com as opressões do racismo, do patriarcado e com capitalismo que coloca a nossa vida de forma mercadológica”.
Lara Silva, 22, do Rio de Janeiro, também foi marchar contra essas opressões apontadas por Andreia. “Estamos aqui contra o machismo, pelo bem viver, por mais condições de igualdade na saúde para nós mulheres negras são as que mais sofrem com a violência obstétrica”.
Quem caminhava por dentro da marcha percebia a diversidade de línguas e de cultura representadas. A indígena Thiaia Ramos, 32, da tribo Pato do Hahahahi, foi mostrar que as mulheres negras indígenas não podem ser invisibilizadas. “Estamos lutando por um só objetivo porque somos um povo só e falamos a mesma língua. Sempre dizem que nós (indígenas) só comemos abobora”, afirma.
No país de maior população negra fora da África, a falta de representatividade de negros na mídia, na política e no Judiciário também foram temas de manifestação.
Ainda durante o ato, a secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT, Maria Julia Nogueira, afirmou que a marcha é a realização de um sonho e de uma luta histórica da central. “A CUT diz que é preciso não aceitar mais o racismo. A democracia só vai se consolidar quando a sociedade não permitir o racismo. Vamos dizer a esse Congresso machista e racista que a discriminação racial não dá mais nesse país”.
Para a vice-presidenta da CUT, Carmen Foro, a Marcha das Mulheres Negras escreveu uma página da história no país. “Nós queremos agora que o Brasil pegue o que nós produzimos e acumulamos ao longo dos séculos e transforme em política. Temos que enfrentar de fato o racismo, a violência e que nos reconheça enquanto parte de quem produz a riqueza nesse país”, definiu.
“Hoje as mulheres negras mostram para o mundo e para o Brasil a nossa força e resistência. Dizemos ainda que queremos estar em todos os lugares. É importante marchar pela implementações de políticas públicas para as negras”, afirmou Nilma Lino Gomes, Ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos.
Bastante emocionada, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) afirmou que era um momento histórico porque a marcha traz a marca e o suor de cada movimento, das donas de casa que conseguiram adquirir um diploma universitário.
“Não somos uma qualquer. Estamos conseguindo o nosso espaço e marchando para dizer: não aos projetos que tiram os direitos das mulheres; não à matança de jovens negros; não à violência contra as mulheres. Basta de intolerância! Não queremos retrocesso, mas queremos, sobretudo, defender o Estado Democrático de Direito”.
Por volta das 15h, a marcha retornou ao Ginásio Nilson Nelson onde terá oficinas, apresentação de várias atividades, shows das mulheres negras e exibição de filmes.
Fonte: FUP, com informações da CUT e do Brasil de Fato