Vermelho
Faltavam apenas alguns minutos para as 17 horas deste domingo (3), quando palmas e gritos de alegria das pessoas reunidas nos arredores do Colégio Eleitoral número 1, em Plaza da Revolução, Havana, indicaram a chegada do eleitor número 28. O líder cubano Fidel Castro, com andar pausado e cuidadoso, mas com sorriso e bom humor característicos, subiu a rampa de acesso à zona de votação, já com sua cédula em mãos, para votar nas eleições gerais.
Fidel conversou por mais de uma hora com admiradores e jornalistas cubanos, neste que é seu primeiro contato com o povo em alguns meses. Desde 2006 que o líder comunista não participava pessoalmente de eleições no país. Ele registrava o voto através de representantes. Depois de um período mais ausente de eventos, em 2012 participou de vários atos públicos, incluindo um encontro com o Papa Bento XVI. Suas fotos mais recentes são de janeiro de 2013, quando se reuniu com a presidente argentina Cristina Kirchner e o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
Logo ao chegar na sessão de votação, Fidel conversou com os mesários as crianças que atuam como fiscais simbólicos do pleito. Em seguida, perguntou aos mesários se podia afastar-se para dialogar com a imprensa e ressurgiu então um Fidel conversador e midiático. Ninguém poderia esperar, contudo, que, apesar do avançado da hora ou do clima frio, ele passaria uma hora e meia conversando com os jornalistas e transeuntes que se reuniram na saída do colégio eleitoral.
Com uma memória prodigiosa, ao rememorar fatos e datas, um Fidel conversador e curioso – entrevistado por vezes, entrevistador por outras – falou da economia cubana e da mundial, da política nacional e internacional, da história passada e recente da América Latina, dos desafios atuais de Cuba, do papel da imprensa, da necessidade de evitar guerras e até de agricultura.
Fidel brincou até quando lhe perguntaram sobre as eleições, assegurando que não poderia revelar, “para não violar a lei, em quem votei”. Mas ressaltou o papel que as mulheres vêm assumindo na política cubana. “E assim deve ser”, completou. O ex-presidente procurou informações sobre a disputa, quis saber quantos haviam votado, quantos ainda deveriam fazê-lo. “Aqui as eleições não são como nos Estados Unidos, onde apenas uma minoria vota. Não podemos deixar que isso aconteça nunca, porque aqui o povo é que manda”, disse.
Respondendo a uma pergunta de uma repórter sobre as atuais mudanças em Cuba, Fidel enfatizou que “a maior transformação de todas foi a própria Revolução. Mas, claro, nada é perfeito, muitas coisas sabemos hoje que não sabíamos então, e é necessário trabalhar para continuar aperfeiçoando o país. É um dever atualizar o modelo socialista cubano, modernizá-lo, mas sem cometer erros”, disse.
“Agora tenho um pouco mais de tempo para ler, ver televisão, refletir. Aproveito muito para estudar, pensar nesses problemas, pois as pessoas, com suas preocupações diárias, que são tantas, às vezes não pensam nelas”, disse Fidel, depois de falar sobre a crise, as altas taxas de desemprego e as guerras, um tema dos quais dedica muito tempo de estudo e reflexão.
“Cada vez estou mais convencido de que, como demonstra a história, pelos egoismos e ambições, por esse instinto natural e selvagem dos homens, são quase inevitáveis as guerras”, expressou. “Mas as guerras são muito distintas quando se fazem por uma causa justa, pela liberdade, pela solidariedade, e nós estivemos dispostos a correr esses riscos”, afirmou.
“Só um homem na história se fez famoso por levar adiante grandes campanhas militares, mas para libertar povos. Esse homem foi Bolívar”, assegurou, para em seguida, completar que “Bolívar, mas também Martí e Chávez, são pessoas muito importantes para a América Latina”.
Questionado sobre seu amigo, que se recupera em Cuba após cirurgia, disse que tem notícias dele todos os dias. “Está muito melhor, recuperando-se. Tem sido uma luta forte, mas tem melhorado. Temos que curá-lo. Chávez é muito importante para seu país e para a América Latina”.
O tema derivou para a recente cúpula da Celac, que, segundo Fidel, “foi um passo muito importante para a unidade, do qual Chávez foi um dos maiores artífices”.
O líder falou também sobre o avanço tecnológico e a importância de estar bem informado. “Por isso é tão importante o papel de vocês”, disse, dirigindo-se aos jornalistas. “E que cada vez estudem mais para informar melhor e não digo isso como uma crítica, pois respeito muito o trabalho da mídia, mas porque estou convencido que os jornalistas são uma fortaleza para o país e para a Revolução”.
Apesar da idade, Fidel continua assombrando os repórteres, por sua capacidade de compreender a realidade e falar sobre as mudanças atuais em Cuba e relacioná-las com coisas como a produção de alimentos, por sua capacidade de recordar detalhes tão incríveis como onde se compravam os primeiros búfalos que chegaram ao país ou simplesmente ao mostrar-se interessado na tiragem diária de cada periódico, mostrando com exemplos que realmente os lê cotidianamente.
Ao ser questionado por um repórter se gostaria de mandar uma mensagem ao podo de Cuba, Fidel olhou diretamente para o jornalista e, após pensar um instante, disse: “Este é um povo valente. Não temos que provar isso. Cinquenta anos de bloqueio e não puderam nos derrotar. O povo é tudo, sem o povo não somos nada, sem o povo não haveria revolução”.