É preciso greve para fazer a Petrobrás cumprir recomendações sanitárias?

Em artigo publicado na Revista Carta Capital, o coordenador geral da FUP, Deyvid Bacelar, denuncia o descado e a irresponsabilidade da gestão da Petrobrás, ao colorcar em risco a vida do trabalhador e de seus familiares durante a pandemia da covid-19

Por Deyvid Bacelar, coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros

Petrobras, a maior empresa do Brasil, já registrou a trágica marca de mais de 6,4 mil casos de contaminação pela Covid-19 – 13,8% dos 46.416 trabalhadores próprios da empresa. Esses números são oficiais, do próprio Ministério das Minas e Energia e, embora alarmantes, não refletem a realidade, pois não abrangem os terceirizados.

Os resultados traduzem o tamanho do descaso da gestão da Petrobras com a vida do trabalhador, de seus familiares, e com a sociedade. Em meio à pandemia, a empresa se recusa a cumprir protocolos sanitários corretos, recomendados pelo Ministério Público do Trabalho, como testes adequados de Covid-19, e fornecimento de máscaras PFF-2/N95 para todos os trabalhadores. Tampouco respeita a escala de até 14 dias embarcado nas plataformas marítimas, conforme determinam a lei e acordo coletivo de trabalho. Mais de 70% dos casos de petroleiros contaminados pelo coronavírus foram registrados em unidades offshore.

Para fazer prevalecer direitos constitucionais de segurança sanitária, os petroleiros do Norte Fluminense, filiados ao Sindipetro-NF, ligado à Federação Única dos Trabalhadores, iniciaram na última terça-feira, 4/5, a “Greve pela Vida”. O Norte Fluminense abriga a Bacia de Campos, que concentra 37% das plataformas de petróleo do País. Diversas delas registraram surtos de Covid-19. Somente em abril, foram mais de 500 petroleiros contaminados nas unidades marítimas, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

Precisa de greve para fazer a Petrobras cumprir recomendações sanitárias e preservar a vida de milhares de trabalhadores? A resposta afirmativa a essa pergunta foi dada pela própria gestão da empresa, dois dias após o início do movimento da categoria. Sob pressão da greve no Norte Fluminense, a Petrobras voltou a fazer testes de Covid-19 em base terrestre de Macaé. Petroleiros dos centros de controle e de operação da Petrobrás em Imbetiba estavam sem testes para a doença desde o dia 22 de abril. Portanto, há cerca de 15 dias a petroleira não fazia testagem nas equipes desses centros.

A mudança de conduta da Petrobras, numa única base da empresa no Norte Fluminense, indica, na prática, que o presidente da empresa, o general Joaquim Silva e Luna, está convocando toda a categoria para greve nacional, pois só assim os petroleiros terão condições seguras de trabalho.

Até então, a justificativa da gestão da Petrobras era a de que o contrato com a empresa que realiza os testes havia sido suspenso. Por isso, o Sindipetro-NF vinha disponibilizando para estes trabalhadores a realização de testes RT-PCR em convênio com um laboratório da cidade (Pionner) para cobrir esta falha da empresa.

Além de problemas na testagem pré-embarque, somente agora a gestão da Petrobras começou a oferecer a máscara PFF-2/N95 a quem trabalha embarcado, mesmo sabendo que o equipamento é o mais eficaz para evitar a contaminação pelas variantes mais contagiosas e letais do SARS-Cov-2. Ainda assim, a empresa deu o dia 31 de maio como prazo para fornecer essas máscaras a todos.

Uma das reivindicações das trabalhadoras e trabalhadores das plataformas é a de que a aplicação dos testes RT-PCR seja uma política da empresa de prevenção à Covid-19. Os chamados testes rápidos não são eficazes, sobretudo para trabalhadores que atuam em turno, em duplas, em ambientes confinados.

Não há testes no meio e no fim de jornadas de 14 dias

Além disso, a Petrobras não faz testes no meio e no final das jornadas de 14 dias de trabalho. Esse tempo é suficiente para que um trabalhador que embarque infectado pela Covid-19 contamine todos os seus colegas de trabalho na plataforma. A negligência da empresa coloca em risco também a vida dos trabalhadores que estão no entorno. Mensalmente, cerca de 40 mil pessoas circulam nas cidades do Norte Fluminense para exercer seu trabalho na Bacia de Campos. Se a Petrobrás coloca seus trabalhadores próprios e terceirizados em risco para a Covid-19, está fazendo o mesmo com a população da região.

Para piorar o quadro, a gestão da empresa implantou uma escala de trabalho que desrespeita o Artigo 8º da Lei 5.811/1972, que estabelece prazo máximo de 15 dias para o trabalho embarcado. Sem negociar com o Sindipetro-NF e com a categoria petroleira, a Petrobras alterou as escalas de trabalhadores próprios (para 21 dias) e terceirizados (para 28 dias), indo contra também o Acordo Coletivo de Trabalho.

Uma das recomendações do sindicato como parte da greve é que o pessoal embarcado exija o desembarque após os 14 dias de trabalho. O Sindipetro-NF já recebeu denúncias de assédio por parte de superiores a trabalhadores de plataformas que manifestaram seu desejo de desembarcar após sua escala normal de trabalho.

Além do retorno à escala anterior, a “Greve pela Vida” reivindica testes de Covid-19 no meio e no fim da escala – atualmente a testagem é feita somente no embarque -, teste para pessoal que está em terra e cumprimento de todas as recomendações do MPT.

Num momento em que a pandemia de Covid-19 vem contaminando e matando milhares de pessoas todos os dias, é inadmissível que a gestão da Petrobrás coloque ainda mais em risco trabalhadoras e trabalhadores próprios e terceirizados. Esse descaso permanente faz com que a greve iniciada esta semana vá ganhando mais força.