Em entrevista ao jornal Brasil de Fato no Rio de Janeiro, o coordenador geral da FUP, José Maria Rangel, comenta o lobby das petroleiras inglesas que ditou as regras do leilão da área do pré-sal. O sindicalista denuncia o envolvimento direto do governo brasileiro para beneficiar a Shell. Ele também falou sobre a necessidade da Petrobrás retomar os investimentos na indústria nacional.
Confira a entrevista:
Na última semana, o jornal britânico The Guardian denunciou um esquema entre o ministro do Comércio do Reino Unido, Greg Hands, e o governo brasileiro para beneficiar grandes companhias petrolíferas britânicas, especialmente a BP, a Shell e a Premier Oil na exploração do pré-sal. Em janeiro deste ano, o governo Temer já havia cortado pela metade o percentual obrigatório de conteúdo nacional na exploração do petróleo. Em agosto, renovou o regime de isenções fiscais para importação de equipamento de exploração petrolífera.
Em entrevista ao Brasil de Fato, José Maria Rangel, coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), fala sobre as ameaças à soberania nacional e o desmonte da Petrobras após o golpe de estado instaurado no país.
O que significa essa relação entre governo brasileiro e o britânico que foi divulgado pelo jornal The Guardian?
A reportagem fala de um telegrama diplomático que foi interceptado. Nele, o governo britânico solicita ao governo brasileiro que acabe com a política de conteúdo local, que flexibilize as regras ambientais e que interfira na legislação para exploração de óleo e gás. Tudo isso para favorecer as empresas estrangeiras, principalmente a Shell. Outro indício que confirma tudo isso é que assim que o golpe é consolidado no Brasil, o presidente da Shell é recebido por Michel Temer no Palácio do Planalto. Está mais do que confirmado que o governo brasileiro está beneficiando a Shell nesse processo de abertura do pré-sal às empresas estrangeiras.
Isso já vem sendo denunciado pela FUP há um tempo, não é?
Na nossa visão, essa denúncia fecha o quebra cabeça. Tudo o que estávamos falando há tempos, se confirma agora, especificamente com a Shell. Outro ponto interessante de notar é que todos os ataques feitos à Petrobras no último ano, vieram com a argumentação de que trabalhavam no combate à corrupção. A Shell está envolvida em grandes casos de corrupção pelo mundo afora, principalmente, na Nigéria. Que combate a corrupção é essa que eles estão pregando?
Nesta semana, a FUP ingressou com uma petição insistindo no pedido de anulação da 2ª e 3ª Rodadas de Licitação do pré-sal. Explique um pouco mais sobre isso.
Na época dos leilões, já levantamos a suspeita de que os valores que o governo federal esperava arrecadar, algo da ordem de R$ 7 bilhões, faziam com que o preço do litro do óleo, saísse a menos de R$ 0,01 centavo. Baseado nessas informações, ingressamos com uma ação na justiça, pedindo que o leilão fosse suspenso, mas não conseguimos. Agora com essas notícias que saíram no jornal britânico e também com a edição de Temer de uma medida provisória, a de nº 795, que isenta de tributação da importação de máquinas, equipamentos e plataformas para operar neste setor, resolvemos ratificar a ação. Estamos falando de uma renúncia fiscal na ordem de R$ 1 trilhão. O empresário se produzir aqui será tributado, se fizer lá fora não vai pagar nada. Então, vai fazer lá fora. É escancarado o que está acontecendo.
Como o desmonte da Petrobras impacta o emprego e a população do Rio?
Até 2013, 40% da receita do estado do Rio vinha do setor de óleo e gás. Por conta da crise no setor, só na atividade de óleo e gás já foram perdidos quase 150 mil empregos. Hoje, mais de 1,5 milhão de trabalhadores estão desempregados no estado. É o maior índice de desemprego em todo o território nacional. O desaquecimento dessa atividade no estado tem efeitos devastadores sobre a economia como um todo. Se for a Niterói vai ver a quantidade de estaleiros que estão fechados. Não impacta só a cadeia de óleo e gás, mas a metalurgia, o setor hoteleiro, o comércio e serviços. Isso tudo é fruto do desmonte das grandes construtoras a nível nacional, do fim da política de conteúdo local e também do novo foco da Petrobras, que passou a ser o pré-sal, deixando de investir nos outros campos de exploração.
Além do desemprego, como o desmonte da Petrobras impacta diretamente no bolso dos trabalhadores?
O gás de cozinha subiu quase 100% neste ano. Quando Lula chega ao governo, compra a Liquigás, com o objetivo claro de regular o setor, evitar os aumentos abusivos sobre o gás de cozinha, porque ele tinha essa preocupação. Hoje o brasileiro voltou a utilizar lenha para cozinhar porque não consegue mais ter acesso ao gás. Tudo isso porque quando Temer chega ao poder, vende a participação da Petrobras nas distribuidoras estaduais de gás, em seguida vende a Liquigás. Assim, o mercado está liberado para fazer o que quiser. Tem lugares do Brasil que você paga R$ 70 ou R$ 80 pelo gás de cozinha. Essa é uma atitude que dialoga muito com o caráter que a Petrobras assumiu desde que Temer está no poder. A Petrobras deixa de ser uma empresa voltada para o estado brasileiro e passa a ser uma empresa que tem como único objetivo dar retorno aos seus acionistas.
Quais saídas você aponta para que o estado do Rio e o Brasil consigam sair dessa crise?
É fundamental que a Petrobras volte a investir. Para cada R$ 1 bilhão que ela investe, temos a geração de 1,2 mil empregos. A partir daí precisamos colocar a roda da economia para girar, retomar atividades. Infelizmente, elegemos o Congresso Nacional mais conservador de todos os tempos e eles têm voto para mudar o que quiserem. Mais de 200 empresários estão lá na Câmara dos Deputados e não vamos achar que eles vão votar alguma coisa a nosso favor. Mas nós, trabalhadores, não podemos cair no erro de negar a política, não nos interessa abaixar a cabeça, temos que ficar de cabeça erguida. É verdade que eles não arquitetaram o golpe para nos entregar 2018 de bandeja, por isso nós temos que lutar, ser mais seletivos nas escolhas dos nossos parlamentares. Temos que votar em quem tem história de vida e comprometimento com a classe trabalhadora.
Por Mariana Pitasse do Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ)