As diretrizes para o refino da Petrobras definidas com a aprovação do novo Plano Estratégico (PE) da companhia no final de 2022 apontam para a manutenção das políticas executadas ao longo dos últimos anos, ignorando seus impactos na dinâmica econômica nacional, com pressão nos preços dos derivados e, consequentemente, na inflação, afetando a condição de vida e a renda da população brasileira.
Sem levar muito em consideração a questão da transição governamental, o PE aprovado mantém a continuidade de políticas colocadas em prática na empresa pelas últimas gestões. Entre os temas em que há grande divergência com o governo eleito, está a perspectiva de manutenção do processo de privatização de refinarias e suas estruturas adjacentes, a inalteração da política de preços de paridade de importação, a continuidade da política de baixos investimentos fora do setor de exploração e produção e o prosseguimento da lógica de ampla distribuição de dividendos aos acionistas. Ou seja, toda a política de downstream do plano estratégico (2023-2027) apresenta grande divergência com as propostas elaboradas pelo recém-eleito.
O PE 2023-2027 apresenta uma perspectiva de investimento da companhia (CAPEX) de US$ 78 bilhões nos próximos anos. Para o refino, o plano reserva 10% do investimento ante 83% em Exploração e Produção (E&P) e outros 7% reservados a gás e energia, comercialização e logística e corporativo. Já em 2023, estima-se um investimento total de US$ 16 bilhões, sendo que 8% serão destinados ao refino. A expectativa posta no plano é de que ao longo dos cinco próximos anos os investimentos no refino incrementem em 38%, chegando a 14% do CAPEX em 2027, enquanto os investimentos em E&P se reduzam em 26%, passando a 75% do CAPEX no último ano.
Tais dados reforçam o projeto implementado pelas últimas gestões da Petrobras, com foco nos investimentos de altos rendimentos, como é o caso do E&P, desconsiderando as necessidades de maior investimento no refino, ignorando, com isso, os impactos econômicos e sociais do aumento dos preços dos derivados vivenciados nos últimos três anos.
Durante a apresentação do plano, os diretores da companhia deixaram claro que o foco para o refino será na modernização dos ativos e na qualidade dos produtos, investindo na redução da emissão de carbono na atividade e na ampliação da produção de biorefino. Para tanto, foi apresentado como centro da estratégia de atuação apenas aqueles ativos que, de acordo com eles, estejam próximos da oferta de óleo e gás e que, também, se encontrem mais próximos do mercado consumidor, concentrando os investimentos na região sudeste do Brasil.
A estratégia de desinvestimento no refino segue presente, com a manutenção da disposição de venda das refinarias Rnest (PE), Regap (MG), Refap (RS) e Repar (PR), além das já vendidas Rlam (BA), Reman (AM), Six (PR), Clara Camarão (RN) e Lubnor (CE), estas três últimas com processos ainda em conclusão. A expectativa posta no PE é de que em 2027 a Petrobras mantenha como propriedade apenas cinco refinarias situadas no eixo Rio-São Paulo (Reduc, no estado do Rio de Janeiro, e Recap, RPBC, Replan e Revap, no estado de São Paulo), com capacidade total de 1,2 MMbpd ante a capacidade de 1,9 MMbpd em 2022.
Sobre tais estratégias elencadas, cabe levantar algumas reflexões. A dinâmica de aumento expressivo dos preços dos derivados nos últimos três anos – e seus impactos relevantes na inflação e no poder de compra das famílias – aponta para a necessidade de revisão da metodologia de estabelecimento dos preços dos derivados. Esse aumento se deveu tanto à política de preços de paridade de importação (PPI), como também ao maior uso de produtos importados. Por isso, para tornar o país mais resiliente às oscilações do preço internacional, além da mudança do PPI, seria fundamental ampliar a capacidade da produção nacional de derivados a fim de reduzir o volume de importações.
Todavia, o plano estratégico segue o caminho exatamente oposto. Em vez de programar a elevação dos investimentos em refino, a Petrobras mantém a política de venda de ativos que deve diminuir sua participação no mercado interno e reduzir incentivos para novos investimentos no setor. Além da não trazer novos investimentos, a transferência dos ativos da Petrobras para empresas privadas pode resultar em preços mais elevados para o mercado consumidor.
Desde o início de 2022 ficou evidente que a dinâmica de preços dos derivados operada pela refinaria já privatizada – a Rlam (BA) – tornou a Bahia, em muitos momentos, o estado com maiores preços de derivados praticados do Brasil. Ficou claro que a venda das estruturas não garantiu um processo concorrencial que reduzisse os preços, justamente pela especificidade da dinâmica de mercado do petróleo, e pela estrutura do refino brasileira ter sido organizada para atender aos mercados regionais de forma integrada e não concorrencial.
Assim, ao se considerar a continuidade do processo de desinvestimentos no refino, é provável que o caso do estado baiano irá se replicar nas outras regiões, que não a região sudeste. Além disso, ao não prever a ampliação de investimentos, a reorganização de uma política de preços menos dependente da volatilidade do mercado externo também poderá ficar comprometida.
Diante do quadro apresentado, o novo governo que se apresenta e a nova gestão da Petrobras a ser definida entram com a tarefa de reavaliar o plano estratégico aprovado e adequá-lo à nova perspectiva de atuação da companhia. O desafio posto será o de garantir que a Petrobras seja não só uma companhia com foco nos investimentos de curto prazo e altos retornos a seus acionistas privados – como tem sido a dinâmica dos últimos anos –, mas que também opere considerando sua função social enquanto empresa pública, atentando para o caráter misto de sua atuação.
Publicado originalmente em Le Monde Diplomatique.