Ditadura do 1º de abril: o festejo da insanidade política

 

Por Gilvandro Filho, do Jornalista pela Democracia

Como quase tudo nesse governo é fake, compreende-se a decisão de se comemorar no dia 31 de março o golpe militar que instalou uma ditadura militar que assolou por 21 anos no Brasil. Compreende-se é muito diferente de aceita-se. E o presidente Jair Bolsonaro já decidiu que a data será comemorada, pelo menos nos quarteis.

Comemorar aniversário de ditadura é um ato de insanidade política. É um crime contra a República e sua Constituição, como já alertou um grupo de procuradores do Ministério Público Federal. Só mesmo um governante que tem por ídolos torturadores seria capaz de determinar aos quartéis um festejo tão bizarro.

A data, para começo de conversa, é uma das grandes mentiras de nossa história, já que nela nada ocorreu. O golpe mesmo foi deflagrado no Primeiro de Abril. Os militares é que popularizaram a data fatídica um dia antes para fugir da pecha do Dia da Mentira. Bolsonaro, como adora fakenews, vai manter a farsa.

Quer algo mais constrangedor, ao mesmo tempo deprimente, que o porta-voz de Bolsonaro, o general Otávio Santana do Rego Barros, avalizando, em tom solene, que “não houve golpe militar do Brasil”? Cena defasada, historicamente. Quem, há tanto tempo, ainda repete essa cantilena de querer transformar a quartelada de primeiro de abril em um movimento surgido espontaneamente da sociedade brasileira? Nem todos os militares continuam repetindo essa conversa mole.

Mas, ao mesmo tempo, é fundamental não deixar de falar das consequências desse evento nefasto. Das trevas nas quais, por conta dessa “revolução redentora”, o País mergulhou. Da tortura institucionalizada implantada por aqui e de efeitos ampliados graças ao conhecimento importado da CIA e disseminado em “treinamentos” que os “heróis” dos Bolsonaro da vida recebiam nos porões dos quarteis, Brasil afora.

Tem que se falar, sim, do pau-de-arara, da maquininha de choque elétrico, da cadeira-do-dragão, das simulações de afogamento. Mas, há que se mostrar a covardia de quem se utilizou dessas ferramentas infernais para interrogar homens, mulheres, adolescentes, idosos. Será isso que Bolsonaro quer que os quartéis relembrem no dia do golpe?

É preciso falar dos brasileiros presos, mortos e desaparecidos, cujas famílias nunca tiveram sequer o direito de enterrar. Falar das “Marias e Clarisses”, de Fernando Santa Cruz, de Stuart Angel Jones, de Soledad Viedma. É preciso falar de Wladimir Herzog e de Manuel Fiel Filho. Será a estes que, em algum momento, Bolsonaro e seus seguidores vão reverenciar? Nada! O presidente vai é saudar seus ídolos genocidas: Brilhante Ustra, Sérgio Fleury, Erasmo Dias, Gama e Silva, Emílio Garrastazu Médici.

Se nos quartéis o golpe será lembrado com o langor que Jair Bolsonaro recomenda, na vida real também haverá manifestação, contra. As redes sociais já propagam: no dia, todos com alguma peça preta, na roupa, no chapéu, na bandeira, na janela de casa, na fita pendurada do carro. O Primeiro de Abril de 1964 é o dia que Brasil parou no tempo. E tem que ser lembrado como tal. O dia será de luto.

PERSONAGEM PARA SE LEMBRAR: GREGÓRIO BEZERRA

Para que não se esqueça, segue um pequeno relato de uma das maiores barbaridades que esses torturadores do período imediatamente posterior ao golpe militar cometerem, em Pernambuco. Sempre em nome do combate ideológico e da luta contra o comunismo “ateu e desagregador da família”.

Logo após a deflagração do golpe de ‘64, as milícias pagas pelos senhores de engenho da zona canavieira pernambucana saíram à caça dos ativistas, sobretudo aqueles ligados aos governos depostos, ao Partido Comunista e às Ligas Camponesas. Em Cortês, um pequeno município na zona da mata pernambucana, um grupo de capangas a mando de um desses usineiros, José Lopes de Siqueira Santos, dono da Usina Estreliana, prendeu e entregou ao Exército Gregório Bezerra.

Velho combatente comunista e artífice, no Nordeste, do levante de 1935, Gregório apanhou como poucos naqueles primeiros dias de abril de ’64. Ele protagonizou cenas dantescas em Casa Forte, zona oeste do Recife. Pelas ruas do bairro de classe média alta, um coronel sádico chamado Darcy Villocq amarrou Gregório pelas mãos, pelo pescoço e pela cintura. E realizou uma passeata macabra. Batendo e pedindo para que as pessoas batessem também. Bateu com barra de ferro, com madeira, com as mãos, com os pés. Fez Gregório pisar descalço em solução de bateria e, em seguida, caminhar sobre brita. Ninguém aceitou o convite do coronel. Os pernambucanos assistiram, envergonhados, as cenas que passaram, à noite, na TV.

E a selvageria só não culminou na morte de Gregório porque as freiras de um colégio do bairro se indignaram e telefonaram para esposa do governador Paulo Guerra (era o vice de Miguel Arraes e assumiu o governo com a prisão do governador) que intercedeu e parou o circo macabro.

Gregório ficou preso até 1969, quando foi incluído entre os presos políticos trocados pelo embaixador dos EUA, Charles Burke Elbrick, sequestrado pela Aliança Libertadora Nacional (ALN) e pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8). Voltou ao Brasil com a Anistia (1979)  e foi ficou na suplência para deputado federal, nas eleições de 1982. Morreu em outubro do ano seguinte.

Sobre Gregório escreveu Ferreira Gullar:

A história de um valente
Valentes, conheci muitos e valentões muito mais
Uns só valentes no nome e outros só de cartaz
Uns valentes pela fome outros por comer demais
Sem falar dos que são homens só com capangas atrás
Mas existe nesta terra muito homem de valor
Que é bravo sem matar gente mas não teme matado
Que gosta da sua gente e que luta ao seu favor
Como Gregório Bezerra feito de ferro e de flor

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