Na última 4ª, 11 de maio, a Presidenta da República assinou o Decreto 7.478/2011, de criação da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC), que passa a ser uma seção do “Conselho de Governo”.
O “Conselho de Governo” foi criado pela Lei 10.683/2003, com a finalidade de assessorar o Presidente na formulação de diretrizes para a ação governamental, e é composto pelo próprio e por seus ministros. A Lei também prevê a formação de “câmaras” para formulação de políticas públicas específicas.
A partir daí, a CGDC foi criada com os objetivos declarados de: (a) formular políticas e medidas de racionalização no uso dos recursos públicos; (b) controlar e aperfeiçoar a gestão pública; (c) coordenar e articular a aplicação dessas políticas e medidas. A orientação geral seria a melhoria dos padrões de eficiência, eficácia, efetividade, transparência e qualidade da gestão pública e dos serviços prestados ao cidadão.
Quem aconselha a Presidenta?
O Artigo 4º do Decreto forma a CGDC com 4 ministros e 4 representantes da sociedade civil “com reconhecida experiência e liderança nas áreas de gestão e competitividade de entidades públicas ou privadas”. Esses quatro últimos, designados por Dilma, são:
Jorge Gerdau Johannpeter, como coordenador da Câmara, líder do próprio grupo econômico e inimigo mortal do turno de 6 horas e da redução da jornada de trabalho;
O parisiense Henri Philippe Reichstul, ex-presidente da Petrobrás no auge do sucateamento da empresa, marcado pelo naufrágio de P-36 e pela proposta da “Petrobrax”; Como gestor empresarial, Reichstul “fatiou” a Petrobrás, contrariando toda a história das grandes da indústria mundial do petróleo, que auferem lucros astronômicos por serem integradas; Antes da Petrobrás, a única outra grande que caiu nesse conto do vigário foi a BP, que quase faliu por adotar o “fatiamento”;
Abílio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, que a cada fusão e expansão de suas empresas reduz salários e direitos de seus empregados;
Antonio Maciel, da Suzano Papel e Celulose, uma das maiores formadoras de “desertos verdes” de eucalipto, no Brasil, e grande beneficiária da privataria tucana na petroquímica, com a compra da Petroflex a preço de banana.
A composição não deixa margem para enganos. O grande capital e o PSDB estão bem representados, e tendem à hegemonia da Câmara. Não há representantes da “sociedade civil” nem, muito menos, dos trabalhadores. Criou-se uma instância paritária entre Governo e Capital.
Equívoco da Presidenta? Necessidade de afago ao minguante PSDB? Não cremos. Trata-se, sim, de mais uma evidência do giro à direita de Dilma, que parece acreditar nas mesmas máximas neoliberais que transformaram a União Européia no “homem doente” da economia mundial.
Opção ideológica que se torna gritante no texto com que o Palácio do Planalto apresenta a novidade: “adaptar instrumentos de gestão típicos da iniciativa privada aos programas do governo”.
O Estado é uma empresa?
É possível administrar o Estado com os mesmos princípios e valores de uma grande empresa?
O Estado não pode atuar premido pela lógica da competição. O Estado afirma valores e princípios na execução de suas políticas, no sentido da universalização de direitos, que é o exato oposto da “competição”.
Um critério para evidenciarmos a incompatibilidade é a questão dos direitos humanos. O Estado está obrigado a respeitar os direitos civis, a sofrer a influência e determinação dos direitos políticos, e a realizar, com ações concretas, os direitos sociais, tais como saúde, educação, trabalho, previdência e assistência.
E as empresas? Por acaso nas empresas do Brasil, seja na Petrobrás – agora e na época de Reichstul -, na Gerdau, no Pão de Açúcar, ou na Suzano, os trabalhadores têm direitos humanos, ou esses ficam do lado de fora, quando se bate o ponto?
Os trabalhadores dessas empresas exercem seus direitos civis e, portanto, têm sua integridade física e moral respeitada contra práticas de trabalho degradantes, lesivas e perigosas? Têm direitos políticos, e por isso podem se reunir e organizar em sindicatos livremente, inclusive dentro das empresas? Têm direitos sociais, com garantia de saúde, educação e previdência?
Já fizeram isso com a Justiça
Movimento semelhante tem acontecido no Judiciário brasileiro, onde os tribunais adotam mecanismos de gestão da iniciativa privada que distorcem valores e neutralizam o Direito, sob a bandeira das sentenças rápidas.
Com tais práticas, cada vez mais o Direito deixa de ser uma afirmação de valores, uma seta apontando para o Norte do desenvolvimento social e humano, para ser uma mercadoria entregue ao “cliente”, segundo a lógica da gestão privada.
A sociedade precisa de um Judiciário que se livre do processo rapidamente e de qualquer modo, desde que atenda ao prazo da gestão e às metas de produção? Ou necessitamos de um Judiciário que afirme o Direito e realize a Justiça? Num Estado Democrático o Judiciário deve ter “clientes”, ou cidadãos que cobram a dicção do Direito?
Um Judiciário que não se proponha a vender decisões não pode ter “clientes”.
O nome do monstro
O neoliberalismo não se limitou ao credo no Deus-Mercado, afirmado todos os dias pela Rede Globo. Ele também transformou mentes para fazer crer que a solução de todos os problemas é a adoção dos paradigmas de gestão empresarial.
O Estado não realiza direitos sociais? Deixe que as empresas se credenciem ante o Deus-Mercado com a “responsabilidade social”. O Estado não funciona direito, ou gasta muito? Modernizemos a máquina conforme as vontades do Deus-Mercado e tudo se resolverá.
Temos a história do nosso lado para demonstrar que: (a) quando a Europa Ocidental adotou o Estado do Bem Estar Social, os países que o fizeram estavam economicamente quebrados, e esse modelo de Estado implicou nos 30 anos de maior crescimento econômico e desenvolvimento social que o Velho Continente viu; (b) em resposta, a “modernização” do Estado segundo os modelos empresariais, a partir de Thatcher, apenas levou a um redirecionamento no qual os valores antes gastos com educação, saúde e previdência passaram a ser apropriados pela minoria dominante de sempre; (c) foi esse exato caminho que levou à crise do capital de 2008, e à debilitação da Europa.
O monstro está mais vivo do que nunca
Quando Hitler morreu Bertolt Brecht denunciou as vãs comemorações, ao escrever que a cadela que o mordera continuava viva e excitada. Alertava, assim, que o problema não era Hitler – como os americanos querem fazer crer, até hoje -, mas o Fascismo.
Do mesmo modo neoliberalismo segue vivo, por vezes mesmo em nossos aparentemente inofensivos pensamentos. E a mídia das elites continua a apregoar e difundir seu credo, por exemplo, quando aplaude as medidas que o FMI – agora entregue aos EUA de bandeja, em suspeitíssimo incidente rocambolesco – impõe aos países semi-periféricos da Europa.
Em Portugal não existem meias palavras: para cumprir as metas neoliberais do Fundo o País irá cortar em educação, saúde e previdência.
Mais grave do que a pneumonia de que padece a Presidenta, parece ser a infecção neoliberal que lhe aflige.