Em edição especial do SindiPapo, ex-presidenta avaliou os motivos que culminaram no golpe de 2016, apontou interesses imperialistas na Petrobrás e reconheceu que país vive uma encruzilhada: “ir pra rua é ruim, não ir também é”
Na última sexta-feira (12), dia dos namorados, milhares de pessoas puderam se reconectar com a ex-presidenta Dilma. Na 10ª edição do SindiPapo, live do Sindipetro Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro Unificado – SP) criada durante a pandemia de Covid-19, Dilma Rousseff (PT) discorreu ao vivo sobre diversos temas, como disputas geopolíticas em torno do petróleo e até dicas culturais para desfrutar na quarentena.
Apesar de avaliar como grave a atual situação política do país, Dilma foi enfática em acreditar na superação da crise. “O Brasil não pode se conformar com um governo menor que os brasileiros. Eu já sofri na carne a derrota, mas vi a capacidade do povo de se reconstruir”, afirmou.
O bate-papo, mediado pelo jornalista Luiz Carvalho, também contou com a presença da diretora do Sindipetro Unificado e da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Cibele Vieira. Foi justamente a sindicalista que iniciou o debate recordando os conflitos que a categoria teve durante o governo da ex-presidenta, apesar da admiração.
“Na divulgação desta live, nós aproveitamos o dia dos namorados e apontamos a saudade que estávamos da nossa ex-presidenta. Mas como todo relacionamento, nós tivemos pontos altos e baixos. A sua história com a nossa categoria pegou desde o auge da Petrobrás, com o descobrimento do pré-sal, até o momento que para nós foi muito marcado por muita tensão, o que é natural entre movimento sindical e governo”, explicou Cibele.
Antes de se tornar a primeira e única mulher a ocupar o cargo mais alto do Executivo, função que exerceu de 2011 a 2016, Dilma já havia chefiado o Ministério de Minas e Energia, de 2003 a 2005, e comandado o Conselho de Administração da Petrobrás, de 2003 a 2010. Nesse período, como aponta Cibele, a estatal viveu o auge da sua história e o início de uma política, de venda de ativos e diminuição do quadro de funcionários, que vigora até hoje.
Em 2006, a Petrobrás descobriu uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o pré-sal. No ano seguinte, registrou o maior valor de mercado da sua história, de R$ 430 bilhões. Durante a gestão do Partido dos Trabalhadores no governo federal, de 2003 a 2015, a estatal investiu R$ 59 bilhões ao ano, valor 713% maior do que a média do governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e 22% mais elevado que a média no pós-golpe, em 2016.
O número de trabalhadores também bateu recorde no seu governo. Em 2013, a empresa chegou a contar com 86 mil próprios 360 mil terceirizados. Em 2003, esse número era de 48 mil próprios e 123 mil terceirizados e, atualmente, se aproxima de 17 anos atrás somando 57 mil próprios e 103 mil terceirizados.
Todo esse crescimento, entretanto, não impediu que o governo levasse adiante uma iniciativa que causou um choque frontal com a categoria. “No leilão de Libra, eu acampei em frente ao Congresso para lutar contra. Agora, nós petroleiros fazemos uma leitura da história que nos ajuda a compreender um pouco melhor o que foram aqueles momentos”, ponderou Cibele.
No leilão de Libra, em 2013, a União ficou com 40% do óleo cru, além da indicação da Petrobrás como operadora única do campo. “A média no pós-golpe é de apenas 16% a quantidade de óleo cru destinada à União. No leilão de Libra, tinha um conteúdo local de 55%, que era a preocupação de gerar desenvolvimento nacional. Nos leilões pós-golpe, esse número caiu para 30%”, lamentou Cibele.
Nesse sentido, Dilma recordou o histórico do campo de Libra, localizado na Bacia de Campos, no pré-sal. “Você sabe a história de Libra? Libra havia sido concedida para a Shell, que perfurou e não achou petróleo. Libra é uma devolução. Só tem uma empresa que conhece como explorar petróleo na bacia do Atlântico. Quem é essa empresa?”, indagou.
Em 2001, a empresa anglo-holandesa Shell perfurou um poço de Libra, não encontrou petróleo e, por isso, devolveu o que é considerada uma das maiores reservas nacionais. “Por que Libra era importante? Porque era importante mostrar que havia condições de explorar os campos do pré-sal no modelo de partilha. Ainda não mexeram na partilha, mas você pode ter certeza absoluta que esse é o objetivo, ou seja, privatizar [a Petrobrás] e acabar com a partilha. Eles querem dominar toda a poligonal que envolve o pré-sal”, explicou Dilma.
Dilma também rememorou a espionagem realizada pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), em 2013, nos computadores da Petrobrás e da própria ex-presidenta. “Eu tenho clareza que naquele movimento que levou ao golpe, os grampos que foram feitos na Petrobrás e no meu gabinete tinham o objetivo geopolítico, de setores da administração dos Estados Unidos, de impedir que nós tivéssemos o controle soberano sobre o nosso próprio petróleo. E daí vieram todas as fake news”, avaliou.
Fake news e golpe
“Eu acredito que a Petrobrás, junto comigo e com o presidente Lula, foram os maiores alvos das fake news”, opina Dilma. Para a petista, os ataques por meio de notícias falsas surgiram muito antes da atual onda bolsonarista e por veículos que hoje denunciam a prática.
“A Globo, que dizia que o pré-sal era uma invenção esquizofrênica do PT, quando viu o interesse absoluto das majors sobre os campos de petróleo, descobre que o pré-sal existe, ‘passa bem, obrigado’, e corresponde atualmente a 55% da produção de petróleo do Brasil. É uma situação fantástica, se a gente pudesse dar um replay seria bom para ver como eles tratavam do pré-sal anteriormente”, recordou Dilma.
Além desses setores da mídia hegemônica, Dilma lembrou que a direita e centro-direita liberal, que hoje se colocam contra o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), foram as responsáveis por colocá-lo no poder. “No Brasil, nós havíamos ganhado quatro eleições consecutivas, então o golpe de 2016 foi dado para cumprir algumas funções. Ele tem como base os partidos de direita e centro-direita, a Lava Jato, o mercado e a mídia. Eles deram o golpe para enquadrar o Brasil econômica, social e geopoliticamente. A Petrobrás está dentro tanto do geopoliticamente, quanto da questão econômica”, relacionou.
Para Dilma, devido a essa irresponsabilidade de setores da política tradicional, judiciário e mídia, o país vive hoje sob o risco de um governo que força o caminho para o autoritarismo. “O Bolsonaro tende para o autoritarismo? Este é o projeto dele. E ele faz isso através de aproximações sucessivas. Essa é expressão adotada pelo vice presidente Hamilton Mourão, que significa uma tática militar. Se você não tem condição de conseguir aquilo que te interessa, você faz a primeira tentativa, avança 100. Vai e faz um discurso propondo intervenção militar, por exemplo. Depois recua 50, mas com isso já avançou 50”, ilustrou.
Diante disso, a ex-presidenta considera essencial a criação de uma frente ampla, mas com definições estabelecidas sobre o atual governo. “Eu acho que devemos ter uma frente progressista e popular, com uma manifestação clara pela democracia. E, atualmente, ter uma manifestação clara pela democracia sem pedir o ‘fora Bolsonaro’ não é possível. Porque daí é o cúmulo da ineficácia, além de ser uma cara de pau absoluta”, opinou.
Apesar da certeza em relação à necessidade de formar uma unidade no campo político, Dilma se mostra reticente sobre os protestos de rua que estão começando a ganhar fôlego, mesmo diante do risco de contágio do coronavírus. “Vivemos uma ‘escolha de Sofia’: ir pra rua é ruim, não ir também é”.
Dicas culturais
Apesar dos temas complexos, durante a conversa de cerca de uma hora e meia ainda sobrou tempo para Dilma indicar um livro e uma série que a estão ajudando passar por este momento de isolamento social.
Como leitura, a ex-presidenta sugeriu a obra “M, O Filho do Século”, a primeira de uma trilogia do italiano Antonio Scurati, lançada este ano no Brasil. A narrativa conta a história da ascensão do ditador Benito Mussolini ao poder na Itália, durante a Primeira Guerra Mundial, e a fundação posterior de um regime fascista.
Já no campo do entretenimento, a ex-presidenta confessou que não conseguiria praticar os 45 minutos de exercícios diários em sua bicicleta ergométrica sem a série policial norte-americana The Mentalist (O Mentalista). Entretanto, mostra-se preocupada porque já está na última das sete temporadas. “Estou aberta para dicas novas séries”, brincou.
Confira abaixo a edição completa do SindiPapo:
[Via Sindipetro Unificado de São Paulo]