A pauta de comunicação dos dois candidatos à Presidência da República no segundo turno registra em linhas gerais, sem aprofundamento, uma defesa da ampliação da infraestrutura das telecomunicações, requisito considerado indispensável para a expansão do acesso à internet no Brasil. No caso de Dilma Rousseff (PT), seu programa elege a universalização do acesso “barato, rápido e seguro” ao serviço como meta principal dos próximos quatro anos. “Para isso, será necessária a expansão da infraestrutura de fibras óticas e equipamentos de última geração, bem como o uso da Internet como ferramenta de educação, lazer e instrumento de participação popular, em especial nas decisões do governo”, conforme apresenta a diretriz petista entregue ao TSE em julho.
A candidata à reeleição promete a implementação do Marco Civil da Internet, aprovado em abril passado, destacando a regulamentação como uma das mais avançadas do mundo. “Nosso marco civil dá aos usuários garantias fundamentais, como a liberdade de expressão, o respeito aos direitos humanos e à privacidade dos cidadãos, assegurando a neutralidade da rede frente a interesses comerciais ou de qualquer espécie”, expressa, argumentando que a internet deve se tornar um espaço mais aberto à liberdade de expressão, à inovação e ao desenvolvimento social e econômico do país.
Os compromissos informados pela campanha do oposicionista Aécio Neves (PSDB) se limitam à expansão da infraestrutura do setor de telecomunicações, o que garantiria acesso dos brasileiros à internet de qualidade e com custo compatível. Em relação ao Marco Civil da Internet, o senador mineiro diz que é uma “conquista da sociedade brasileira.” “Ele existe, hoje, após uma construção de cerca de três anos na Câmara dos Deputados, da qual participaram inúmeros partidos políticos e várias forças da sociedade, que vieram para o Congresso Nacional debater esse tema”, afirmou o tucano, à época da aprovação pelo plenário do Senado.
Entretanto, Aécio, como senador, participou das articulações que impuseram dificuldades para a tramitação e a aprovação do Marco Civil, concluída em abril. Ele próprio tentou adiar por um mês a votação no Senado, alegando que o projeto aprovado na Câmara poderia ser “aprimorado”. O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), vice da chapa de Aécio, chegou a apresentar emendas que descaracterizam o projeto original formulado pela sociedade civil. O ex-senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), autor do chamado “AI-5 Digital”, tentou incluir a criminalização passível de pena de prisão para ameaçar as pessoas que compartilham arquivos digitais na rede.
Embora pertença oficialmente a um partido da base aliada, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) também se vinculou aos tucanos na defesa dos interesses das operadoras de telefonia, que eram contra a aprovação da neutralidade da rede.
Novo Marco
O combate à concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos, a democratização do acesso a concessões para radiodifusão comunitária, bandeiras históricas de movimentos sociais, inclusive do PT, foram excluídos da pauta de Dilma, no mês de julho, ainda que integrantes do partido defendessem a manutenção das propostas. O tema é espinhoso. Encontra forte resistência da bancada empresarial no Congresso e é tratado com hostilidade por parte dos meios de comunicação. Nos principais veículos, sobretudo a Rede Globo, a bandeira da democratização é tratada como tentativa de “censurar” a liberdade de imprensa.
Diante da dificuldade de emplacar esse debate na sociedade, pessoas próximas ao comando de campanha defenderam a supressão da regulação da mídia, temendo que essa leitura enviesada fosse usada contra a candidata. A as pressões de setores importantes do partido e dos movimentos sociais para que não retirasse o tema fizeram com que Dilma o reintroduzisse na campanha. A presidente afirmou defender a “regulação econômica” da mídia, citando a Constituição, que veta que meios de comunicação sejam objeto de monopólio ou oligopólio, que é o que acaba ocorrendo no país por falta dessa regulação. “No Brasil, tenta-se confundir essa regulação econômica com o controle de conteúdo e uma coisa não tem nada a ver com a outra. Controle de conteúdo é típico de ditaduras. A regulação do ponto de vista econômico apenas impede que relações de oligopólio se instalem”, disse Dilma, em entrevista com blogueiros independentes no final de setembro.
No caso do candidato Aécio Neves, tanto seu programa de governo como sua campanha ignoram por completo um novo marco de regulação democrática dos meios de comunicação, demonstrando que o tucano não pretende mexer nas estruturas do setor.
Em manifesto lançado nesta semana, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé elegeu o senador mineiro como o “inimigo número um da liberdade de expressão” e denuncia a intervenção direta dele em veículos de comunicação e nas redes sociais para impedir a publicação de notícias negativas a seu respeito ou sobre sua atuação na vida pública. “A censura praticada por Aécio Neves assume várias formas: a ligação direta, para os donos dos veículos de comunicação, perseguição a jornalistas e comunicadores sociais e ações judiciais para impedir publicações e retirar conteúdos da internet”, diz o centro.
Atraso
Uma grande dificuldade para passar a nova legislação para democratizar os meios de comunicação é a composição do Congresso Nacional, já que alguns deputados e senadores – inclusive da base governista – que discutiriam o tema são proprietários de concessões públicas de rádio e TV, o que envolve conflito de interesses. Por exemplo, detêm concessões de rádio e TV retransmitindo a Globo nos estados de origem as famílias de Fernando Collor de Mello, de José Sarney, de Renan Calheiros e de Antônio Carlos Magalhães.
Outro enorme entrave vem dos meios de comunicação tradicionais, receosos de que a mudança no status quo possa comprometer os oligopólios. São setores que veem na aprovação de um novo marco algo equivalente à censura a sua atuação, defendendo que a autorregulação é o suficiente.
“Toda concessão de serviço público (distribuição de água, geração de energia, sistema financeiro, transportes etc.) tem obrigações. Existe regulamentação para isso em todo o mundo. E com as telecomunicações não é diferente”, declarou em fevereiro Franklin Martins ao programa de webtv Contraponto – parceria entre o Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé e o Sindicato dos Bancários de São Paulo.
Nos Estados Unidos, centro do mundo capitalista, a legislação não permite que um grupo de comunicação detenha ao mesmo tempo emissoras de TV e rádio, jornais, revistas e portais de internet. Caso o Brasil adotasse regulamentação similar, algo comum a praticamente todos as nações mais desenvolvidas do Ocidente e atualmente a alguns países da América do Sul, corporações como as Organizações Globo e a Grupo Bandeirantes teriam de desmontar os impérios que possuem.
Para Franklin Martins, quando as poucas famílias que controlam o setor no Brasil acusam tentativa de censura caso um projeto de regulação seja aprovado, elas estão, na verdade, querendo confundir “liberdade de imprensa com liberdade de empresa”. “Acho que em jornal, revista, o que é impresso, não cabe nenhum tipo de regulação, cada um escreve o que quiser e responde pelo que escreve – para isso precisa uma legislação de direito de resposta ágil. No caso da radiodifusão, tratam-se de concessões do Estado. Trata-se de assegurar o equilíbrio, a pluralidade, tem de respeitar o menor, não pode haver racismo, preconceito, tem de respeitar a cultura local, não pode haver propriedade cruzada.”
Os movimentos pela democratização da mídia travaram duro embate com o governo Dilma pelo fato de o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, não ter dado andamento a um anteprojeto de para as mídias eletrônicas. O anteprojeto que propõe a regulamentação de artigos da Constituição que dizem respeito ao direito à comunicação, elabora no final do governo Lula pelo ex-ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação da Presidência.
Ao não se definir em favor de um novo marco regulatório para o setor, tampouco fazer um movimento em direção a modernização da lei da radiodifusão nacional, o ministro foi acusado de atender aos interesses das grandes empresas de mídia. Bernardo também sofreu críticas até mesmo dentro de setores PT. Em entrevista à RBA em junho, o ministro afirmou que o assunto está “amadurecido” e concorda que a regulação precisa ser feita. “Não é preciso inventar muito. Basta chegarmos a um marco civil que ponha em prática o que determina a Constituição”, disse. “Agora, não pode regular manchete de jornal. Tem de mexer em sistema de concessão pública, garantir produção regional. Por exemplo, parlamentar não pode ter canal de rádio e TV, não pode haver propriedade cruzada.” E quando esse tema vai entrar na pauta do governo? “No momento certo, a partir do ano que vem”, disse.
O que é marco regulatório?
Um marco regulatório é um conjunto de normas, leis e diretrizes que regulam o funcionamento dos setores nos quais agentes privados prestam serviços de utilidade pública. Para cada setor, foram estabelecidos critérios bem definidos para garantir a continuidade, a qualidade e a confiabilidade dos serviços prestados à população. Os grupos que defendem um marco regulatório para os meios de comunicação (como as emissoras de rádio e televisão são concessões públicas) apontam lacunas nos aspectos relacionados ao direito à comunicação, como em termos da democratização do acesso e do controle social dos conteúdos.
De acordo com um relatório da ONG Repórteres Sem Fronteiras, “O país dos trinta Berlusconis”, as características do mecanismo geral de funcionamento da mídia dificultam a circulação da informação e impedem o pluralismo. Diz o relatório:
“Dez grandes grupos econômicos, correspondentes a outras tantas famílias, dividem entre si o mercado da comunicação de massas. O espectro audiovisual é claramente dominado pelo grupo Globo… Seguem-se SBT (Grupo Silvio Santos), Rede Bandeirantes (grupo Saad) e Record (do bispo evangélico Edir Macedo). Na imprensa escrita, o grupo Globo também ocupa lugar privilegiado, graças ao diário do mesmo nome. Seus principais concorrentes nacionais são os grupos Folha (família Frias), O Estado de S. Paulo (família Mesquita) e ainda, no segmento das revistas, a Editora Abril e seu semanário Veja.
“A concentração e, no âmbito local, as pressões e a censura constituem os alicerces de um sistema que ainda não foi remodelado desde o final da ditadura militar (1964-1985) e do qual a mídia comunitária é habitualmente a primeira vítima. Os generais desapareceram, mas os coronéis permanecem.”
Fonte: Rede Brasil Atual