Brasil exporta petróleo cru e passa a importar cada vez mais combustíveis refinados
Por Roberto Moraes, professor e engenheiro do IFF, publicado originalmente em seu blog
A desintegração das atividades da Petrobras já comprova vários prejuízos para o Brasil. Além da venda em partes das empresas da holding (grupo) Petrobras, as estratégias já mostram os graves equívocos na condução da estatal de petróleo que caminha para se tornar apenas uma empresa reduzida e que vive da extração mineral.
A política de preços de combustíveis adotada logo na entrada pela gestão da Petrobras, pelo governo Temerário, já apontam prejuízos que nem a nova redução de preços dos combustíveis (5,4% na gasolina e 3,5% no diesel) conseguirá segurar.
O fato é: a Petrobras está perdendo – de maneira seguida e forte – o mercado doméstico de combustíveis. A importação de gasolina pelas tradings que atuam no Brasil passou de 240 mil litros em fevereiro, para 419 milhões de litros, que, segundo consultorias do setor, deve se manter agora em maio.
No comércio de diesel a variação é ainda maior. As importações saíram de 564 milhões de litros em fevereiro, para 811 milhões em abril, com previsão de chegar a 1 bilhão de litros, agora em maio.
Estes números são espantosos e mostram o desastre da estratégia do Parente.
O Brasil possui um parque de refino com 10 refinarias, sendo 6 delas na região Sudeste, 2 no Sul e 1 no Nordeste e outra no Norte. A capacidade instalada de processamento delas está em torno de 2 milhões de barris por dia.
Com esta importação de combustíveis (petróleo refinado), o fator de utilização das refinarias que esteve há pouco tempo em torno de 95%, já caiu para 77% e deve chegar, em breve, a menos de 75%.
Este dado não pode ser analisado descolado da observação dos números das exportações de óleo cru, feitas pelo Brasil. Só em janeiro e fevereiro elas cresceram 65%, alcançando cerca de 86 milhões de barris, segundo dados do próprio governo. A China e a Índia – Brics – são nossos maiores importadores de óleo cru e que poderiam ser parceiros para expansão de nosso parque de refino para exportação de combustíveis com maior valor agregado.
É sabido que há uma diferença entre a capacidade de processamento de óleo pesado (da Bacia de Campos) e óleo leve que impõe uma faixa de exportação, mas nunca nesta proporção e muito menos com esta redução enorme do fator de utilização de nossas refinarias.
O resultado de tudo isto é que o Brasil está se tornando uma Nigéria ou Angola, exportando óleo cru e comprando derivados refinados no exterior, com nosso parque de refino trabalhando com folga de quase ¼ de sua capacidade.
Quem ganha com isto são as tradings (corporações que comercializam as commodities de petróleo e combustíveis). Aliás, elas já pediram autorização ao governo brasileiro para importar 3,3 bilhões de litros de diesel (mais 47%) que em janeiro e fevereiro e 49% maior que o volume importado no ano passado.
Quem perde com isto é a Petrobras que vai deixando de atuar como uma empresa integrada.
No dia 31 de janeiro de 2017, este blog comentou em postagem aqui, que o diretor mundial da área de abastecimento e refino da Shell, John Abbott comentou que a petroleira anglo-holandesa retira do refino a maior parte dos seus lucros e que por isto, a Shell não abria mão de ser uma empresa integrada, do poço ao posto, exatamente, o inverso que a gestão do governo Temerário (Parente) passou a fazer com a Petrobras.
A estratégia de Temer (Parente) foi a de desmontar a empresa – que foi fatiada para ser vendida em partes e a preços vil. Na ocasião da postagem sobre a posição da Shell, eu apresentei no mesmo texto, um esquema do processo de desintegração que vem sendo feito na Petrobras e em outros setores de nossa economia em termos de “desverticalização” ou desintegração. O esquema gráfico (veja abaixo) é parte da interpretação de minha pesquisa (tese de doutorado). Em breve resumo o assunto é melhor apresentado e detalhado na postagem de janeiro do blog citada no link acima.
Enfim, este movimento resultante da alteração da política de preços de combustíveis da Petrobras, adotado desde setembro do ano passado, está desidratando a empresa, ao contrário do que se diz, em termos do que se chama de “saneamento” da empresa.
O emagrecimento do setor de refino da Petrobras tende a levar à privatização deste setor – o mais lucrativo da holding – e também do setor de distribuição, através da BR-Distribuidora, que oferecia garantias e espaço no mercado interno de combustíveis que, cada vez mais, passa a ser controlado pelas tradings como apresentado acima.
Assim, a Petrobras e o país, ao contrário da modernidade prometida pelos que endeusam o mercado, dão alguns passos atrás como grupo econômico brasileiro e enquanto nação.
É ainda mais lamentável observar que tudo isto se dá logo no momento posterior à descoberta o pré-sal, a maior fronteira de exploração de petróleo descoberta na última década no mundo, responsável por seis entre os dez maiores campos explorados neste período.
Diante do quadro tão real e claro, não é difícil compreender porque a mídia comercial e a especializada em negócios e finanças, trata estes dados e indicadores de forma fragmentada, sem uma interpretação mais totalizante.
Assim se pode ver que é a questão econômica que decide sobre os movimentos da política no Brasil contemporâneo. O país não pode ser interpretado sem se conhecer estes movimentos dos donos do dinheiro, em sua captura sobre o poder político (Estado), para implementar seus interesses, que, obviamente, diferem dos objetivos da Nação e de sua população.
O estudo desta fração do capital é elemento indispensável para se compreender os movimentos mais gerais da economia política no país. Os dados e indicadores expressam a materialidade do mundo real, mas só a observação e as análises mais totalizantes e calcadas em categorias e conceitos já conhecidos, permitem uma interpretação potente.
É lamentável enxergar tudo isto sendo feito no dia-a-dia. A resistência cresce e grande parte deste processo poderá ser revertido, conforme a orientação resultante da disputa pelo poder político ora em conflito aberto e clarividente.