Eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em maio passado, Rafael Marques concedeu entrevista à Rede Brasil Atual, elencando os desafios de sua categoria para aperfeiçoar políticas industriais voltadas ao setor automotivo, à manutenção dos empregos no ABC paulista, além da série de projetos de inovação. Marques acredita que os bancos prejudicam a economia ao enxugar dinheiro do crédito e que isso, em tempo de eleições, representa uma doença da democracia. O sindicalista nasceu em 1964 e tornou-se metalúrgico em 1979, ao ingressar na antiga fábrica da Villares, pelo Senai. Entrou na Ford, em 1986, como eletricista de manutenção, função que ocupa até hoje. Desde 1991, milita no sindicato, onde diversos cargos. É também presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico.
Confira a entrevista:
O sr. assume o sindicato numa conjuntura econômica muito delicada, com situações de queda na produção e aumento do desemprego. O que esperar de sua gestão à frente do sindicato?
Tivemos ciclos na categoria e na economia brasileira. O momento mais complicado foi nos anos 1990, com reestruturação produtiva acompanhada da abertura comercial desenfreada que trouxe a desnacionalização de diversas empresas, principalmente do setor de autopeças. Naquela época, novas alternativas começaram a ser pensadas, visto que nossa categoria perdeu quase a metade do tamanho. Neste momento, acredito que o problema não é estrutural, mas sim conjuntural. Trabalhamos para aperfeiçoar as políticas industriais voltadas ao setor automotivo, como o Inovar Auto, importante política para frear a entrada de importados no Brasil, assim como o Inovar Peças será importante para aumentar a participação das autopeças nacionais na produção de veículos.
Podemos dizer que vivemos uma crise de mercado?
Não sei se é por falta de compradores. Percebemos o crescimento considerável no mercado de usados nos primeiros meses do ano, até abril. Essa transição é por conta do aumento de preço dos carros, da falta de veículos básicos à disposição devido às mudanças da legislação que exigem novas tecnologias como o freio ABS e airbag. Além disso, o setor sofre com diversos efeitos como a relação com a Argentina e a restrição de crédito das instituições financeiras. Os bancos estão deixando muito claro que querem enxugar dinheiro do crédito tradicional (como o destinado a financiamento de veículos) e migrar para o título público, atrás de maiores lucros com a alta na taxa de juros.
Há relação entre as eleições de outubro e o momento econômico?
A economia aponta uma possibilidade de retomada, mas o que está atrás disso é a eleição. Os bancos paralisam parte da economia, como o nosso segmento, que depende do acesso ao crédito. Quando vemos a queda da presidente Dilma em pesquisas e, paralelamente, ascensão das ações de certas empresas, isso simboliza uma clara doença da democracia brasileira. O Brasil ainda é um país imaturo do ponto de vista político porque o mundo financeiro não pode mudar o ambiente econômico prejudicando o emprego dos trabalhadores.
Vimos nos últimos tempos setores sociais reclamarem da falta de interlocução com o governo. O sindicato faz essa queixa?
Não pelo governo, pois acabou de lançar o programa de participação popular como um ente do Estado. O que podemos reclamar é que a presidenta tem menos trato para lidar com segmentos sindicais e empresarias, mas ela tem o próprio jeito de trabalhar e respeito muito suas decisões. O governo não deixou de exercer o diálogo, apenas o faz de maneira diferente em relação ao que era com o ex-presidente Lula.
Quando o sindicato se torna um proponente de políticas industriais mostra uma faceta ampliada sobre o que é a atividade sindical. Mas e a tradicional luta por melhores condições salariais e de trabalho?
Minha avaliação é que o sindicato é uma máquina muito forte a favor dos trabalhadores. Percebemos isso ano a ano quando a maioria das empresas passa a pagar PLR (Participação nos Lucros e Resultados), além da organização dos cipeiros no âmbito da saúde do trabalhador e paralisações quando necessário durante as negociações. Nosso sindicato ao ser muito forte não pode ficar apenas no arroz com feijão. Não queremos fazer com que essa força afugente investimento na região. Da mesma forma, temos de mostrar ao trabalhador que nossas ações são maiores do que apenas pedir aumento de salário. O empresário só tem resultado se o trabalhador tem bom desempenho, então ele é parte importante em todo o processo e tem direito de opinar nas decisões da empresa, e o sindicato vem para reforçar isso.
A dependência do ABC paulista do setor automotivo ainda é muito grande. Como a Agência de Desenvolvimento Econômico trabalha para mudar isso e qual o balanço?
A agência fez seu planejamento estratégico voltado às micro e pequenas empresas por meio de convênios com o BNDES, Sebrae e com a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) para incentivar a competitividade. Conseguimos interceptar um investimento de uma empresa multinacional de São Bernardo que pretendia investir na Colômbia e, por conta do relacionamento da agência com a Finep, esses investimentos serão voltados para cá. Além disso, trabalhamos a qualificação profissional, aproveitando o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), e conquistamos 38 mil cadastros na região. Esse plano de qualificação tem o poder de influenciar decisões dos governos municipal e estadual. Também conquistamos os investimentos com a Suécia no segmento de defesa, e agora estamos dando sequência a uma missão empresarial com a China integrando os interesses de investimento.