Por Marcio Pochmann
Trabalhadores pobres foram principais beneficiados pela decisão do Estado de inverter prioridades e enfrentar desigualdades. Mudança na estrutura da sociedade fortalece a classe trabalhadora brasileira.
O curso das mudanças na estrutura social brasileira desde os anos 2000 indica a incorporação crescente de parcela importante dos trabalhadores de baixa renda no padrão de consumo de bens e serviços de maior valor unitário. Razão disso foi a elevação do nível geral de emprego acompanhada por políticas de fortalecimento do poder aquisitivo, como o salário mínimo, e por negociações exitosas de acordos coletivos comandadas pelos sindicatos dos trabalhadores.
A mudança nos preços relativos no interior do mercado interno do país, ocasionada pela ampliação da oferta chinesa dos bens industriais de menor valor e acrescida pela difusão do crédito ao consumo, também causou impacto somente comparável ao ocorrido anteriormente nos países desenvolvidos. Isso porque, desde o segundo pós-guerra do século passado, as economias capitalistas avançadas passaram a registrar alterações importantes na estrutura social.
O acesso a bens de consumo duráveis pela maioria da população, especialmente daqueles de valor unitário maior, como automóvel e casa própria, simbolizou o avanço do ciclo de expansão econômica, associado à significativa melhora na distribuição da renda. A pressão organizada dos trabalhadores e os acordos realizados com outras forças políticas progressistas favoreceram a ascensão e consolidação do Estado de bem estar social.
Em outros países não desenvolvidos como o Brasil não houve registros no mesmo sentido na expansão do padrão de consumo verificado nas economias desenvolvidas ao longo do século passado. O que se constatou, em consequência, foi a consolidação de uma estrutura social muito desigual, marcada pelo subconsumo dos trabalhadores em relação ao acesso dos bens duráveis como automóvel e moradia própria.
Contribuíram para isso a ausência tanto do Estado de bem estar social e de acordos políticos comprometidos com a redução da desigualdade na distribuição dos frutos da expansão econômica. No próprio Brasil, a prioridade ao crescimento econômico foi acompanhada por brutal concentração da renda. Ao final do século 20, o Brasil situava-se simultaneamente entre as oito economias mais ricas do mundo e as três mais desiguais do planeta.
Somente na década de 2000 o país encontrou importante inflexão na trajetória da desigualdade distributiva, com a inversão da antiga prioridade nacional. Isto é, a opção pelo estabelecimento da repartição da renda como um dos principais determinantes do crescimento econômico.
O avanço do Estado de bem estar social revelou o vigor das lutas sociais, especialmente das organizações dos trabalhadores, concomitante com a formação de uma nova maioria política favorável à desconcentração da renda. Assim, o Brasil caiu da terceira para a décima sétima posição no ranking da desigualdade mundial.
Como consequência, a estrutura social brasileira se modificou, tornando-se compatível com a tendência de homogeneização do padrão de consumo de bens duráveis, que até então se apresentava plenamente factível aos segmentos de classe média e de rendas superiores. Ademais, a característica do subconsumo dos trabalhadores brasileiros começou a ser superada com o início do processo de desconcentração da renda nacional.
O estrato social reconhecido pela literatura especializada como de trabalhadores pobres (working poor) foi um dos principais beneficiados pelo movimento político de inversão de prioridades (distribuir para crescer). Com isso, o país assistiu ao fortalecimento da classe trabalhadora, sobretudo daquela de baixa renda, como um dos principais resultados da mudança na estrutura da sociedade brasileira.
Fonte: Rede Brasil Atual
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas.