Debate com a Petrobrás reafirma o posicionamento dos trabalhadores sobre a mudança na lei do petróleo

A sede da Petrobrás no Distrito Federal foi palco de rico debate sobre a mudança do marco regulatório…

Agência Petroleira de Notícias

A sede da Petrobrás no Distrito Federal foi palco de rico debate sobre a mudança do marco regulatório do petróleo, na última quinta, 12 de novembro. A estatal convidou os movimentos sociais a participarem do Seminário Oportunidades e Desafios do Pré-sal. A direção da companhia afirmou a importância desse tipo de diálogo com os trabalhos e organizações populares, que pretende a partir de agora ampliar, mas ao longo de todo evento se manteve intransigente na defesa do modelo de partilha, sem entrar no debate do retorno do monopólio estatal do petróleo.

A mesa de abertura foi composta por José Samuel Magalhães, gerente de Comunicação da Petrobrás para as regiões Norte e Centro Oeste, Dari Becker, diretor da CUT, João Antônio de Moraes, coordenador da FUP, Emanuel Cancella, coordenador da FNP, Ronaldo Pagotto, da Consulta Popular, Joba Alves, direção nacional do MST, e Carlos Alberto de Oliveira Pereira, secretária geral da CGTB.

Campanha O Petróleo Tem que Ser Nosso marca presença

– Essa é uma luta não apenas pelo pré-sal, mas pelos recursos naturais. Nesse momento em especial pelo petróleo, que passa pelo pré-sal, mas queremos tratar de todas as jazidas de petróleo do nosso país. Queremos que essas enormes riquezas sejam controladas pelo estado, operadas pelo estado e que as rendas dessa riqueza sejam destinadas a resolução dos graves problemas sociais do Brasil – enfatizou Pagotto, sintetizando as falas dos movimentos sociais que constroem a campanha O Petróleo Tem que Ser Nosso.

Desfeita a mesa inicial, o engenheiro de processamento da Universidade da Petrobrás, Elie Abadie, fez uma palestra sobre os aspectos geopolíticos e econômicos do pré-sal. Estima-se um crescimento de 45% da demanda mundial de energia para 2030, com o óleo e gás permanecendo preponderantes na matriz energética mundial, com participação de 52%. Devido a importância geopolítica estratégica desse recurso, a propriedade das reservas de petróleo e gás natural hoje é dominada por empresas estatais controladas pelos governos.

EUA é o maior consumidor de petróleo mundial, uma demanda insustentável

A grande potência estadunidense encontra-se diante de um tremendo problema de perspectiva de abastecimento do mercado interno. Embora seja o terceiro maior produtor de petróleo do mundo (6,736 milhões de barris), o seu alto consumo (19,419 milhões de barris) faz com que seja o maior importador de óleo do planeta. Ele precisa importar todo ano o dobro do que produz, o agravante é que as reservas dos EUA estão previstas para se esgotar em 11 anos.

A expectativa de vida das reservas de petróleo e gás das grandes multinacionais também está reduzida. A da Shell dura mais 8 anos, da Repsol 4 anos e da Exxon 14 anos. Nesse contexto, revela-se o tamanho das descobertas no pré-sal brasileiro. Segundo o engenheiro de processamento, os campos de Tupi e Iara, na Bacia de Santos, encontram-se entre as maiores descobertas mundiais, conferindo posição de destaque ao país no cenário petrolífero. Apenas os dois garantem a produção necessária para atender a demanda nacional projetada até 2030.

Na criação da Petrobrás, Abadie lembra que o Brasil não possuía reservas nem produção de óleo e gás natural. Ao longo de sua história, na busca de garantir a auto-suficiência, a pesquisa por reservas migrou dos campos em terra para águas ultra-profundas. O êxito dessa estratégia levou à descoberta do pré-sal, que deverá, pelo menos, em projeções extremamente conservadoras, dobrar as reservas nacionais, dando ao país destaque no cenário internacional. Ele ainda desta a rentabilidade desse setor, em que o custo do barril de petróleo, incluindo a produção e impostos, fica em torno de 20 dólares e a venda chega hoje próxima dos 80 dólares.

Petróleo sofre risco de embargo ambiental

Sobre o projeto de legislação do pré-sal apresentada pelo Governo Lula, Abadie considera um grande avanço e destaca o papel do Conselho de Políticas Energéticas como espaço onde se darão as decisões mais importantes como, por exemplo, os percentuais mínimos para a União na partilha. E sobre o ritmo de exploração o engenheiro da Petrobrás acredita que não pode ser tão acelerado, nem excessivamente lento.

– Acho que 30 anos seria o período ideal para planejarmos a exploração do nosso petróleo. Depois disso, pode haver um embargo ambiental do petróleo, mesmo não estando superado como perspectiva energética, mas a questão decisiva pode ser a ambiental. Só em 2008, foram emitidas na atmosfera 40 bilhões de toneladas de CO2 – alerta o professor da Escola de Ciências e Tecnologias do Abastecimento da Universidade da Petrobrás.

Geologia do pré-sal

Após Elie Abadie, começou a palestra do geólogo Ricardo Latgé, do departamento de Exploração e Produção da Petrobrás, com tema “A Geologia do Pré-Sal”. Ele explicou todo o processo de formação do pré-sal, do afastamento dos continentes africano e americano até as características das rochas que armazenam esse óleo. Ele destaca que assim como foi descoberto pré-sal na costa brasileira, é muito provável a existência também nas águas da África.

Latgé explica que o pré-sal é uma rocha de composição carbonática, que existe sob camada espessa de sal, no fundo do mar, já identificado nas bacias de Santos e Campos. Esse óleo é produto da ação microbiana propiciada por condições  paleogeográfica especiais do Atlântico Sul, há cerca de 112 milhões de anos. As rochas do Pré-Sal têm elevado potencial para amarzenamento de petróleo e por isto uma nova e cobiçada fronteira exploratória

O geólogo ainda destacou que desde a criação da Petrobrás ela já investiu mais de 22 bilhões de dólares. Desde 1999 os investimentos vêm subindo e nos últimos três anos eles receberam significativo incremento, chegando a incrível marca de 2,5 bilhões em 2008.

A Petrobrás perfurou 13 poços com taxa de sucesso de 100%. As característicos do pré-sal, segundo Latgé, justificam a mudança de modelo: baixo risco exploratório, elevada produtividade dos poços testados e grandes volumes recuperáveis de óleo e gás. O geólogo se entitula monopolista, mas considera a partilha um modelo bem mais vantajoso para o Estado brasileiro. Além disso, sobre a questão da poluição ocasionada pelo petróleo, ele destaca que o fim mais nobre do óleo está na petroquímica, produzindo plástico e centenas de outros subprodutos, agregando valor ao ouro negro.

Visão da Petrobrás sobre os quatro projetos do Governo Lula

          
A Assistente da Diretoria Financeira da Petrobrás, Maria Roma de Freitas, continuou o seminário com uma explanação sobre o Novo Marco Regulatório de Exploração e Produção. Ela apresentou a visão da Petrobrás sobre os quatro projetos de lei apresentados pelo executivo: 5.938/2009  – Partilha da Produção; 5.939/2009 – Criação da Petro-Sal; 5.940/2009  – Fundo Social; e 5.941/2009 – Cessão Onerosa e Capitalização da Petrobras. A representante da companhia executou uma defesa veemente da proposta governamental, não apresentando qualquer ponderação aos PLs.

Roma explica que não ocorrerá qualquer modificação nos termos já vigentes, inclusive nas áreas do Pré-Sal. As mudanças a serem propostas terão efeito somente nas áreas de ocorrência do Pré-Sal e áreas que venham a ser declaradas estratégicas pelo CNPE. A representante da empresa destaca que as licitações de blocos exploratórios em áreas marítimas de novas fronteiras e bacias terrestres poderão ocorrer normalmente, segundo o modelo atual.

Petrobrás fica como operadora única

Os consórcios da partilha se darão  entre  Petrobras,  Petro-sal  e  vencedora(s)  da  licitação. A estatal brasileira será  sempre  a  operadora  com  participação  não inferior a  30%, podendo ainda  participar  dos leilões  visando  aumentar  seu percentual  para  além  do  mínimo. A partilha se dará em cima do óleo lucro, termo utilizado para denominar o petróleo excedente já descontado os impostos governamentais (entre eles, os royalties) e os investimentos na produção. Esses gastos são denominados óleo custo e são ressarcidos às empresas exploradoras.

Cada área do pré-sal será administrada pelo seu comitê operacional composto em 50% pelas contratadas, incluindo a Petrobrás, e a outra metade por indicações da Petro-sal, incluindo o presidente, que tem poder de veto. Esse comitê define, entre tantas outras questões, os planos  de  exploração, os programas  anuais  de  trabalho  e  de  produção e a contabilização dos custos.

Maria Roma destaca o fato da Petrobrás ser operadora única, assim garante-se  que  as  decisões  estratégicas  serão  tomadas  por  brasileiros,  no  Brasil. A estatal será responsável  pela  condução  das  atividades  de  exploração  e  produção,  providenciando  os  recursos  críticos:  tecnologia  (utilização  e  desenvolvimento),  pessoal  e  recursos  materiais  (contratação). Dessa forma, segundo a representante da companhia resguarda-se o acesso  à  informação  estratégica, o controle  sobre  a  produção  e  custos, além do  desenvolvimento  de  tecnologia própria.

Deputados agregam poucas emendas ao projeto do executivo

Também apresentou-se as emendas aprovadas na comissão especial da Câmara dos Deputados sobre o modelo de exploração. O aumento na alíquota  de  royalties  de  10  para  15%  e  nova  distribuição,  incluindo  estados  e  municípios não produtores. A distribuição do bônus de assinatura entre a União (90%) e estados e municípios, produtores e não produtores (10%). A supressão da incidência da Participação Especial. O incentivo à participação de empresas de pequeno e médio porte. O esclarecimento de que os royalties pagos serão ressarcidos em óleo, retirados do percentual do óleo custo.

A Assistente do Financeiro da Petrobrás também destacou que a Petro-sal não concorre com a Agência Nacional do Petróleo e nem com a Petrobrás. A nova empresa terá como função compor a gestão  dos  contratos  de  partilha  de produção,  participando  dos  consórcios  e  dos  comitês  operacionais,  com  poder  de  voto  e  veto. Ela não executará atividades de exploração e produção.

Fundo social distribui apenas rendimentos para causas sociais e ainda aplica recursos no exterior

O Fundo Social, segundo Maria Roma, constitui uma poupança pública de longo prazo em que seus rendimentos serão destinados ao combate à pobreza e desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e tecnologia e da sustentabilidade ambiental. Na comissão especial incluiu-se também como áreas a serem beneficiadas a saúde, a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A engenheira química também destacou o fato da maioria dos recursos do fundo ficar aplicados no exterior, segundo ela, isso evita o mal da doença holandesa ou doença dos recursos naturais, que desregula a balança comercial e pode prejudicar os exportadores nacionais.

Os recursos do Fundo Social serão advindos do bônus de assinatura de contratos  de  partilha  de  produção, dos royalties  da  União  em  contratos  de  partilha, da receita da comercialização do  óleo  lucro  que  cabe  à  União e dos resultados  de aplicações  financeiras  de  suas  disponibilidades. A comissão especial do fundo também aprovou uma emenda que nos primeiros 5 anos poderão ser utilizados recursos além dos rendimentos.

Perguntada pelo diretor do Sindipetro-RJ, Hélio Cunha, sobre o que achava da retomada do monopólio estatal para o petróleo, Roma é taxativa ao dizer que “se nós quisermos tudo pra gente teremos problemas. Vários países com modelos estatizantes e de contratação de prestadores de serviços passam por dificuldades.” Ela ainda comenta, que acom a criação da comissão interministerial em julho de 2008 muitos estudos foram feitos, envolvendo a direção e o corpo técnico do Ministério da Fazenda, das Minas e Energia, da Casa Civil, do BNDES, da ANP e da Petrobrás.

Governo ouve estrangeiros antes de propor mudanças na exploração do petróleo brasileiro

Perguntada se o presidente teria feito acordo e se articulado com potências estrangeiras antes de definir a sua proposta de novo marco regulatório para o setor petrolífero nacional, a representante da Petrobrás foi clara:

– O Governo fez contatos lá fora. A Petrobrás também esteve lá fora. Eu mesma fui na Noruega ver como funcionava o sistema deles. O Governo Federal está encaminhando uma proposta de mudança, o que vai acontecer a partir daí nós iremos assistir de camarote.

Sobre o projeto da Cessão Onerosa e da Capitalização da Petrobras, Rosembergue Pinto, coordenador do grupo da Petrobrás de mobilização do marco regulatório, essa ação representa uma forte intervenção do Estado na companhia.

– Não acreditamos que os outros investidores minoritários tenham condição de entrar com o mesmo aporte de capital. Com isso, temos a expectativa de que as ações da União na Petrobrás subam dos atuais 30% para algo em torno de 55% – especula Rosembergue.

Petroleiros defendem monopólio estatal e Petrobrás 100% pública

Os organizadores do seminário garantiram  espaço para os movimentos socais defenderem o projeto popular para o petróleo. João Moraes, coordenador da FUP, e Emanuel Cancella, coordenador do Sindipetro-RJ e da FNP, apresentaram com detalhes a proposta do movimento social que avança muito mais sobre o papel gestor do Estado, sobre o controle público e sobre os ganhos sociais.

As organizações populares exigem o fim das rodadas de licitações e retomada dos blocos petrolíferos que já foram leiloados. O retorno do monopólio estatal na exploração, desenvolvimento, produção, refino, pesquisa e transporte do petróleo bruto e seus derivados, tendo a Petrobrás 100% pública como executora. O Fundo Social Soberano (com controle social) para garantir que os recursos gerados pelo petróleo sejam investidos em políticas públicas voltadas para as necessidades do povo brasileiro (previdência, saúde, educação, habitação, reforma agrária, trabalho, etc) e no incremento de fontes alternativas de energia renovável e limpa.

Cancella fez questão de destacar que o debate não pode se perder nos royalties: “O povo precisa pressionar o presidente Lula como fizeram nos anos 50 com Getúlio Vargas. Queremos que o lucro do pré-sal sirva para mudar a vida do povo. Antes da quebra do monopólio estatal o gás de cozinha era menos de 10 reais, hoje custa quase R$50,00. É um absurdo descolar o povo da sua riqueza. Como diz nossa querida Maria Augusta Tibiriçá, o Brasil é um país rico, o problema é que outros usurfruem da nossa riqueza. Precisamos inverter isso.”

Rosembergue garantiu que esse debate dentro das instalações da Petrobrás em Brasília foi apenas o primeiro de muitos. A idéia da companhia é estimular espaços como esse para ampliar a discussão sobre a mudança do marco regulatório do petróleo dentre os trabalhadores e na sociedade em geral.